O ovo da serpente

O novo ovo da serpente  
Um homem caminha no amanhecer de uma segunda-feira, entre dois guardas, em direção à forca. Vive seus últimos minutos de vida, e ao atravessar o pátio para cumprir a sentença olha o céu estrelado e diz, calmamente: “A semana está começando bem”. Outro condenado a forca, ao ser perguntado se desejava um cigarro, respondeu: “Obrigado, não posso fumar, meu médico proibiu”. O SuperEu no humor é gracioso, amável, revelando sua outra face, pois em geral seu retrato é sério e crítico. Assustador mesmo é quando o SuperEu, essa função paterna,  é exercida por um chefe sádico. E uma boa porcentagem das pessoas se submetem a esse pai/líder, é a chocante servidão voluntária.  Aí, vem um humorista e goza a maldade do meio comandante, meio psicopata, e revela um novo ovo da serpente.

Foi o que fez o humorista Aroeira ao exibir a serpente que tinha nascido aqui. Aroeira, numa charge,  transformou a cruz da saúde numa suástica e o “B” dizendo  aos seus seguidores irem pixar em outro hospital. Recordo que “B” tinha dito para invadirem os hospitais para fiscalizar. Foi mais um ataque à vida de sua necropolítica, mas a charge  provocou um ataque da INjustiça contra Aroeira. Ele foi ameaçado  com a Lei de Segurança Nacional, e seria cômica essa decisão se não fosse trágica; quem deveria ser enquadrado é a serpente que despreza a pandemia. O mundo vê o escândalo, mas os poderes poderosos daqui são tolerantes. Somar os mortos um a um: 1+1+1+1+1+1+1 e seguir escrevendo até mais de 55.000 famílias sofredoras. Aroeira, perguntado sobre o fato de ser acusado de difamação, lembrou o pintor Picasso. Um oficial nazista perguntou-lhe apontando para o seu quadro “Guernica”: “O senhor fez isso?”, e Picasso respondeu: “Não, vocês fizeram”. A mesma coisa agora, pois, se ele me pergunta se o estou chamando de nazista, respondo: “Não, você próprio se chamou de nazista, eu só desenhei. É a minha defesa”. Aroeira teve muitos apoios de seus amigos, de instituições e do Quino. A serpente ficou magoada. 

As armas do humorista não matam, mas o descaso com a saúde mata. O que choca o mundo, mas não tanto o País, é como um chefe de Estado põe em prática o que pregou com ódio: elogio à tortura e à morte. Pergunta que não quer calar: qual é a surpresa, se “B” só faz o que prometeu. O povo é torturado com as mil ou mais mortes diárias, porque elegeu um herdeiro do passado escravagista, um herdeiro dos que batiam e, matavam negros, índios, pobres. O idealizado país da cordialidade, da liberdade, da alegria, revelou ao mundo a sua face cruel. Hoje é uma longa quarta-feira de cruzes. Há uma guerra em que as “Forças Desalmadas” não combatem a pandemia, não cumprem assim com o dever de segurança do povo. Manchete de capa do jornal “La Republica” da Itália no dia 25 de junho: “Brasile girone infernale” (O Brasil ronda o inferno).

A morte tem muitas pontes com o humor. Não faltam histórias, pois o humor é uma forma de aliviar as perdas, e a morte é a perda derradeira. Woody Allen disse sobre a morte: “Não tenho nada contra a morte, só não quero estar presente quando ela chegar”. Um amigo humorista do Allen, o nosso L.F. Verissimo, disse que a morte era uma sacanagem, já o jovem Gregorio  Duvivier definiu o humor como um drible da morte. 

O humor é aliado da poesia, portanto, chamo mais uma vez, o poeta John Donne, para lembrar, a cada um, o que é a morte dos demais: “Nenhum homem é uma ilha, inteiramente isolado, a morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”. Imaginem, se a cada morte, os sinos de todas as igrejas do país dobrassem. Seriam sons ensurdecedores para alertar a todos da urgência da luta pela vida! Abraão Slavutky

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