A falta que não me faz tudo que não tenho

Dizem que o departamento de marketing do Paraíso identificou um problema crônico na principal criação divina.
Além de ficar fascinado com coisas como relógios digitais, em sua configuração padrão, o Homem vinha com um selo de inquietude chamado “Quero +MAIS!”. O ‘qué+’ era nada menos que aquela vontadezinha louca de trocar de carro todo ano. É aquele sapato lindo que você vai usar uma vez. É aquele novo telefone idêntico ao seu, mas com nome diferente. São aqueles “dois quilinhos” que todo mundo tem que perder.
É aquela aflição titânica de nunca estar satisfeito.
A vontade insaciável de querer mais, não importando o quanto tenha. Normalmente, quanto mais se tem, mais se quer. E quanto mais se quer, menos se dá valor ao que tem.
O pessoal do marketing então enviou um e-mail comunicando o defeito. Receberam uma resposta curta e direta, até um tanto ríspida:
“Defeito foi a criação do Marketing. A quebra do selo é primordial para a experiência completa do Projeto Vida.
Att,
Eu.”
 Não sei se estava nos planos evolutivos da espécie — ou mesmo divinos — que a humanidade chegaria nesse ponto em que estamos. Há tanta coisa fascinante que nós simplesmente não nos impressionamos mais. Tudo é banal, tudo é “ok”. E se não for, fica sendo depois de alguns dias de uso.
Fomos condicionados tal qual pequenas cobaias a prazos de validade cada vez mais curtos.
É como uma droga. No início, só aquele tapinha já é o suficiente. Em alguns anos, você é insaciável. Quer mais, mais, mais e mais. O que já temos são apenas coisas que, na sua cabeça, sempre estiveram lá.
O que não temos é a mais viciante e mesquinha das drogas. Porque o que não temos está sempre ali, perto e, ao mesmo tempo, inalcançável. E o que não temos nem sempre é aquilo que nunca tivemos.
Quantas coisas você já teve uma vez, por algum motivo perdeu, deu ou vendeu, que queria muito ter de volta? Você não se sente meio estúpido por ter tido aquilo em mãos e de repente não ter mais?
Quantos “eu te amo” você devia ter falado? Quantos “me perdoa”? Quantos “eu perdoo”?
Escutemos o que o Asimov tem de mais curto a dizer
Enjoamos das coisas, enjoamos das pessoas, enjoamos do mundo. Somos um raça bem da mal agradecida, se querem minha opinião.
Não aqueles que, por causa dos mal agradecidos, não tiveram chance alguma na vida. Esses, os que menos tem a agradecer, são ironicamente os mais gratos
.
Somos mimados, você e eu.
Poucos e afortunados são aqueles que conseguem romper o tal selo. Os que veem a beleza onde poucos olham, os que conseguem ver a importância de tudo aquilo que a maioria nem liga mais.
Quando aprendermos a dar mais valor à nossa própria existência, passaremos a dar mais valor à vida de outras pessoas também. A humanidade, hoje — e, veja bem, melhoramos muito, muito mesmo em pouco tempo –, não existe. Nunca existiu na minha opinião. Somos só um bando de indivíduos preocupados com nós mesmos. As exceções, claro, confirmam a regra.
Isac Asimov, uma dessas exceções, certa vez, ao ser perguntado se era ateu, ele desconversou dizendo:
“Eu acredito na humanidade”.
Quer saber de uma coisa? Tô com o Asimov.
Melhoramos muito. Veja como era a vida em 1913. Veja como é hoje. Há melhoras exponenciais e significativas aí nesse meio. Evoluímos, e muito.
Óbvio que falhamos. Não somos nem seremos perfeitos. Mas podemos fazer um pouco melhor, e não só por nós, mas por todos aqueles à nossa volta.
Quando o regime egoísta cair, vai ser a maior revolução que a humanidade já viu.


E fez.

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