Crônica de A. Capibaribe Neto

Quanto dura o nunca

Por mais que as lições amargas ensinadas pela vida sejam mostradas mil vezes por dia, alertando para os perigos das promessas de "para sempre" nas histórias dos amores, ninguém, ou a maioria, não as assimilam. Quando um homem ou uma mulher gravam a tatuagem com um nome do "pressuposto amor para toda a vida" na pele, têm consciência da dor do durante como preço à vista para uma promessa seja lá o que for. Depois, quando esse para sempre chega ao fim, também seja lá pelo motivo que for, a dor do tentar apagar é grande. Pode até apagar ou disfarçar, mas fica a cicatriz, e mesmo quando se consegue disfarçar o que se gravou ou gravar uma bobagem por cima, o próximo candidato ao novo "para sempre tua ou teu" não deixa de ficar zoado com a desculpa do quê esteve escrito ou prometido ali. Melhor tatuar o desenho de um coração, um trevo, umas estrelinhas, meia lua, por aí. Pior são as tatuagens em regiões mais reservadas, onde o que atualmente se ufana de ser o novo dono do pedaço está sempre diante de uma escritura de "cessão de posse" do para sempre antigo. Melhor teria sido confessar amor ou paixão fantasiada de para sempre em um dedo que nas imediações do que um dia foi exclusividade de outro. Nem toda a força do arrependimento exposto no prato mal lavado do que escreveu diminui o incômodo tolo das cobranças furiosas do que vem depois como o novo dono justificaria arrancar a pele de um dedo, imagine-se o quanto seria tolo exigir arrancar a pele na marca do biquíni, em cima de um colo farto as tolices de duplo sentido gravadas no couro da nuca. Por mais que o novo amor candidato a um novo "para sempre" exija ou determine, que o o antigo dono fique a trezentos metros ou trezentos quilômetros de distância da sua pretensa propriedade, nunca dará paz ao ciúme ruminante do que chegou depois, principalmente se é um inseguro. É impossível apagar um antes, um passado ou a consequência viva desse passado, enquanto é sempre fácil prometer um novo para sempre. Todo homem e toda mulher tem direito a um passado e ao pacote completo de erros e acertos ali cometidos e assumidos; e ninguém, por mais incivilizado que seja, pode alimentar a pretensão de apagar um segundo que seja desse passado onde os riscos foram assumidos ou mal calculados. Passados mal resolvidos, ou mesmo os bem resolvidos, os compensados, os aparentemente remendados, nunca deixam de estar lá, e dele, vez por outra, saltam fagulhas nos rompantes de cobranças pela insegurança que não desgruda. "Vida que segue", "a fila precisa andar"... Não interessa, o passado de cada um é uma tatuagem impossível de apagar, merece respeito. Existe uma tecnologia que emprega um tipo de raio laser para tentar apagar uma tatuagem arrependida, mas é apenas um remendo, um disfarce. Não existe nada capaz de apagar o que ficou gravado na alma, no coração, por mais irresponsável ou inconsequente que tenha sido a causa do arrependimento. Esse tipo de tatuagem, sim, é para sempre, só desaparece no derradeiro espetáculo do circo da nossa vida que chega ao fim, e onde cada um de nós fez, voluntariamente, o papel do domador, do leão, da bailarina, do trapezista e, na maioria das vezes, do palhaço. Como domador já fui acuado por inúmeras feras, inclusive raposas; como leão ou "leaozinho" só fiz rugir ingenuamente manso, na maioria das vezes, mas em outras fui passageiramente convincente na sessão fraca. Ninguém ruge para sempre, mas pode levar muito tempo a lamber as feridas de um machucado na vesperal.

Às vezes, basta um "meu amorzinho, desculpa, vai!" - e a gente senta, porque afinal o leão que pensamos que somos é geralmente muito manso. Como trapezista corri mil riscos das alturas e quase morri mil vezes, e em algumas me estatelei no chão e fui parar bem abaixo do picadeiro, no fundo de um poço que existe ali e precisei cuidar envergonhado dos machucados. Quando fiquei bom subi devagar e voltei acanhado para o mesmo picadeiro, para um novo espetáculo onde fui aplaudido, ovacionado tristemente vaiado quando a bailarina espelhosa foi embora dentro do mágico do telefone. "Basta um telefonema meu para fazer desaparecer uma pessoa!" - era a sua melhor apresentação. Foi na hora de fazer as malas e mudar de lugar, de cidade que o velho palhaço encontrou, no fundo de uma delas, escrito no pedaço do bilhete mais carinhoso, o resto de uma promessa do único "para sempre" que teve valor. Uma promessa assim, embora não tenha sido cumprida, foi a única que valeu a pena ficar remoendo resto de vida afora...

O nunca não sei quanto dura. Sei quanto dura o sempre.

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