por Paulo Moreira Leite
Ao receber o pedido de nulidade do Pedido de Investigação Criminal contra Luiz Inácio Lula da Silva, formulado por um procurador que bateu o recorde de 245 denúncias por negligência, o Conselho Nacional do Ministério Público ganhou a oportunidade de dar uma contribuição para se colocar ordem nas relações entre o Ministério Público e o regime democrático.
Você pode ter a opinião que quiser sobre a atividade de Lula no exterior. Pode achar, como eu, que ele nada mais tem feito do que trabalhar pela ampliação dos mercados externos para os produtos brasileiros, num esforço equivalente ao de Bill Clinton, Tony Blair e outros ex-chefes de Estado nestes tempos de globalização. Você também pode achar que Lula está errado, e que tudo não passa de uma ação exibicionista de quem pretende concorrer a eleição em 2018. Você pode até imaginar que há algo suspeito nessas viagens de Lula e que o presidente deve mesmo ser investigado por tráfico de influência internacional.
Neste caso, a legislação prevê que se reúnam os chamados "indícios probatórios" para justificar uma investigação sobre qualquer pessoa. É uma garantia que não existe nas ditaduras mas é um elemento típico dos regimes democráticos. Ninguém pode ser chamado sequer para prestar depoimento, mesmo numa delegacia de bairro, se não houver um fato a ser esclarecido. É preciso apontar um fato determinado, com alguma consistência. Uma nota técnica do advogado e deputado Wadih Damous, publicada no 247, demonstrou que a denúncia de "trafico de influência internacional" não tem pé na realidade -- apenas no desejo de quem deseja fazer uma denúncia de qualquer jeito.
O problema do Pedido de Investigação contra Lula é este.
Mesmo que tivesse sido formulado pelo mais competente e ativo membro do Ministério Público do Distrito Federal, sem nenhuma mancha no currículo, precisaria ter algo mais do que ilações a partir de recortes de jornal. Para decepção de quem adora lançar suspeitas e insinuações contra Lula, é dessa forma que a procuradora Mirella Aguiar, que tem poderes legais para resolver o que se faz no caso, avalia o material disponível contra o ex-presidente.
Mirella escreveu: "Os parcos elementos contidos nos autos -- narrativas do representante e da imprensa desprovidos de suporte provatório suficiente -- não autorizam a instauração de imediata investigação formal em desfavor do representado." Ou seja, não há razão para abertura de inquérito.
Sem acrescentar um único fato novo ao que a procuradora Mirella examinou, o procurador Valtan Timbó decidiu pedir a investigação. Nesta conjuntura em que a Justiça, em si, transformou-se num espetáculo, o pedido tenta produzir um fato político.
Representa um esforço para criar dificuldades para uma decisão serena, fundamentada em fatos, como devem ser as decisões do judiciário. A partir de agora, será preciso explicar por que o inquérito não será aberto -- mesmo que não haja dúvidas de que se trata a decisão mais correta a se tomar.
O que se pretende é tentar criar um ambiente de tensão e suspeita.
Desse ponto de vista, pouco importam os absurdos erros de procedimento que justificam que o pedido seja simplesmente declarado nulo. Até porque o recordista em negligência está tentando assumir funções que não lhe cabem.
Se Mirella encontra-se de férias, ela tem substitutos naturais para ocupar suas funções em caso de necessidade. Valtan Timbó não se encontra entre eles. O trabalho de Mirella poderia ser feito por quem faz parte do 1º, 2º ou 3º Ofício de Combate à Corrupção -- dos quais o procurador também não faz parte.
Agindo para defender a lei e suas regras de funcionamento, o Conselho Nacional do Ministério Público tomará uma medida necessária à preservação das instituições brasileiras, que não podem ser ameaçadas por aventuras nem gestos de tumulto.
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