Acusado num manifesto firmado por 105 advogados de transformar a Lava Jato numa "espécie de inquisição", o juiz Sérgio Moro reagiu com precisão cirúrgica. Num despacho referente a processo estrelado por Marcelo Odebrecht, o juiz insinuou que os doutores deveriam parar de tentar retocar a radiografia, para começar a cuidar dos pacientes. Tomados pelas evidências, encontram-se em maus estado.
Divulgado na última sexta-feira (15), o manifesto dos advogados, entre eles os da Odebrecht, anotou que consolidam-se como "marcas da Lava Jato" o desrespeito ao direito de defesa e o desvirtuamento do uso da prisão provisória, "dentre outros vícios". Sem mencionar os críticos, Moro deu a entender que o problema é outro: falta aos advogados um certo nexo e alguma matéria-prima para enfrentar os fatos.
Nas petições protocoladas em Curitiba, a defesa "busca retardar o julgamento com novos e intempestivos requerimentos probatórios", anotou o juiz. Nos tribunais superiores, reivindica a "revogação da prisão preventiva, alegando excesso de prazo." Foi como se Moro dissesse: ou uma coisa ou outra. Protelando-se os processos, eternizam-se as dúvidas, espichando as prisões.
Sem disposição para recuos, Moro indeferiu pedidos feitos na semana passada por advogados de Marcelo Odebrecht e de Marcio Faria, executivo da maior empreiteira do país. O juiz enxergou nas peças um "caráter meramente protelatório". Lecionou: "O processo é uma marcha para frente. Não se retornam às fases já superadas."
Não é de hoje que a turma da pilhagem na Petrobras busca brechas para tumultuar os processos. No despacho desta terça, Moro desqualificou uma a uma as solicitações dos advogados, realçando-lhes a inutilidade. Foi especialmente enfático em relação a um pedido que envolve documentação recebida da Suíça.
Obtidos pela força-tarefa da Lava Jato na fase de investigação, os papeis suíços revelam a existência de contas secretas de empresas vinculadas à Odebrecht no estrangeiro. Descobriu-se que eram usadas para pagar propina a dirigentes da Petrobrás no banco PKB Private Bank, na Suíça. No processo, esse papelório é, por assim dizer, o miolo da picanha.
Num dos requerimentos indeferidos por Moro, os advogados levantaram dúvidas quanto à legalidade da incorporação do papelório aos autos. Pediram ao juiz "cópia de mensagens relativas à cooperação jurídica internacional" ou "eventuais documentos" em que autoridades suíças autorizem o uso dos dados no Brasil, para efeitos penais. É clara a intenção de cavar um pretexto para anular as provas.
Moro não se deu por achado. Anotou que a defesa requisita algo que já está à disposição no processo: "O procedimento de cooperação e o material probatório relativo às contas da Suíça supostamente controladas pela Odebrecht e que alimentaram contas supostamente controladas por agentes da Petrobrás já instruem a presente ação penal."
O magistrado prosseguiu: "Consta ali todo o material pertinente e necessário à ampla defesa. Consta ali a expressa autorização para a utilização dele pelas autoridades brasileiras. Se não houvesse a autorização para a utilização desse material na presente ação penal, é certo que, a essa altura e com a notoriedade do caso, já teria vindo alguma reclamação do estrangeiro."
A certa altura, depois de tachar de "especulações fantasiosas'' as alegações dos advogados, Moro deu-lhes um conselho: "Deveria a defesa preocupar-se mais em esclarecer o que indicam os documentos, os supostos pagamentos de propina feitas pela Odebrecht aos agentes da Petrobrás, do que com as especulações sobre a supostas faltas de autorização, sendo desnecessários quaisquer novos documentos ou esclarecimentos sobre o referido material."
O que Moro disse, com outras palavras, foi o seguinte: "Ao trabalho, doutores. Aí estão as provas. Foram obtidas legalmente. Refutem-nas. Não desperdicem seu tempo tentando retocar a radiografia. Cuidem dos pacientes, que o caso é grave." A propósito: o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, indeferiu há dez dias o enésimo pedido de liberdade para Marcelo Odebrecht, em cana desde 19 de junho de 2015.
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