O que fizeram conosco meu Deus?

É certo que sempre tivemos o famoso jeitinho brasileiro, a malandragem, no bom sentido, para resolver na lábia, o que em outro lugar qualquer daria demanda judicial ou homicídio.
O jeitinho que nos permite furar filas sem confusão e conseguir um favor por conta da simpatia, o jeitinho para driblar a pobreza fazendo gatos de água e energia elétrica, jeitinho que começa na infância, nas colas escolares, na “bizoiada” na prova dos colegas, na matéria escrita nas belas coxas da estudante, e que o professor não ousará pedir para conferir, em papeizinhos, gestos codificados, palavras senha, e que o brasileirinho desenvolverá com esmero, para usar a vida toda, seja para dobrar o gerente do banco, conseguir emprego ou conquistar a pessoa amada.
Até aqui, entre iniciativas lícitas e outras nem tanto, criamos um sistema legal paralelo, por acordo tácito, onde cada um de nós se tornou acusador, réu, promotor, defensor e juiz, ao mesmo tempo, nos adequando à realidade e às próprias necessidades.
Só que esse jeitinho foi explorado à exaustão, até se tornar o embate de malandros, cada um se julgando mais esperto que o outro, incentivado pela mídia mostrando bandidos como heróis, os senhorezinhos Malta, os bicheiros, os gangsteres, os que fazem jogo duplo, os falsários, banalizando o ilícito, fazendo-nos confundir, ver no criminoso uma manifestação do jeitinho brasileiro, e nos acanalhamos, desenvolvendo a tolerância ao crime como instituição legítima e organizada.
Deixamos de ser espertos para sermos expertos, conhecedores de tudo por intuição, adivinhação ou inpiração divina, inaugurando uma pátria de medíocres, com a opinião substituída pelo palpite.
É esse jeitinho canalha de ser que justifica afirmações, feitas na vida real e nas redes sociais, do tipo “Cunha é um mal necessário”, “a gente reclama, mas se estivesse lá estava roubando também”... O que dá legitimidade aos ladrões chapa branca, sejam nomeados, concursados ou eleitos, espelho de uma sociedade que se deixou corromper e por isso tolerante com a corrupção.
A política ganhou clima de futebol, onde não se conhece nada das regras, do histórico do clube, mas ama-se de paixão, e aí tornou-se lugar comum perguntarmos “mas você concorda que fulano é ladrão, está indiciado, beltrano construiu aeroportos com dinheiro público na terra da família, sicrano faliu o país mais de uma vez e os apóia?” para ouvir a resposta de torcedor, nenhum cérebro e muita emoção: “mas eu odeio o PT”.


Esta superficialidade, a irresponsabilidade, está em todos os cantos, mais disseminada que dengue e ladrões.
Até a religião, a da moda me diz que só está salvo quem aceitá-lO, com a vaidade divina substituindo o amor e a misericórdia divinas, o que se agrava quando a salvação deixa de vir por esforço pessoal, para ser uma bênção, uma dádiva, e aí este bando de pastores ladrões, de comandos e falanges orando antes do assalto, pedindo proteção, e depois, agradecendo pelo sucesso da empreitada, a chamada bancada evangélica em culto, para agradecer pela propina recebida.
Perdemos a vergonha, o pudor, e rendemos culto ao cinismo, levando-o tão a sério que sem consciência disso, achando tudo muito natural.
Quando aparece a oportunidade de curar o aleijão, os aleijados se insubordinam, já acostumados às deficiências que os fazem felizes.
Destoar disso é ver-se perseguido nas ruas, restaurantes, bibliotecas, redes sociais... Como cães leprosos.
Os senhorezinhos e seus capatazes convenceram-nos que na senzala é melhor, e o brasileiro acreditou.
A vontade é voltar para os contos, poemas e romances, longe dos sábios da hora.
Francisco Costa
Rio, 27/04/2016.
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