Dr. Muqtedar Khan, na revista da Al Jazeera
Eu tenho sido, há muitos anos, um forte defensor da democracia, inspirado primariamente pela minha experiência com as liberdades norte-americanas. Como muçulmano que fala o que pensa e faz perguntas críticas, sou rotineiramente ameaçado e ofendido por aqueles que, incapazes de lidar com minhas idéias e críticas, tentam me silenciar. A democracia norte-americana me deu proteção e a oportunidade de viver como Deus quer que os humanos vivam -- como um ser pensativo, reflexivo e expressivo.
Eu ajudei a formar uma organização para promover a democracia no mundo islâmico e escrevi livros argumentando que a democracia é essencial para a governança islâmica. No entanto, nos últimos anos a democracia decepcionou seus defensores, como eu. Deixem eu dar alguns exemplos.
Tony Blair, George Bush e Dick Cheney invadiram um país e causaram morte e destruição mesmo com a oposição de milhões de seus cidadãos. A invasão do Iraque foi um crime de guerra grotesco que a democracia não conseguiu evitar. Mais de um milhão de iraquianos morreram em consequência da guerra.
Hoje, milhares de crianças estariam vivas, milhares de famílias estariam intactas e não teríamos 250 mil refugiados espalhados em três continentes se os Estados Unidos e a Grã Bretanha -- duas democracias -- não tivessem invadido o Iraque. Os iraquianos sofreram de muitas outras maneiras.
Hoje, graças à nossa "promoção da democracia" há centenas de mulheres iraquianas forçadas à prostituição para poder alimentar suas crianças. Com certeza elas foram liberadas. Agora elas encontram "gente nova" diariamente por 8 dólares por dia!
Leis foram aprovadas na Grã Bretanha e nos Estados Unidos que fazem da idéia de liberdade uma brincadeira. Foram adotados discursos que distorcem a própria idéia de moralidade. Líderes que repetidamente mentiram para seu povo foram repetidamente reeleitos.
Matando civis às centenas, torturando gente, sequestrando e corrompendo -- tudo isso se tornou procedimento normal em democracias. Democracias operam como máfias e agem tão brutalmente quanto elas.
Hoje em dias os cidadãos de democracias já não conseguem distinguir entre um criminoso de guerra, um bandido, um assassino em massa e um estadista. Na Índia, Narendra Modi, governador de Gujarat, orquestrou o genocídio de minorias em 2002.
A máquina estatal [de Gujarat] trabalhou com bandidos para matar 2.000 pessoas, destruiu milhares de negócios e deixou mais de 100 mil sem moradia. Ele foi condenado em todo o mundo por organizações de defesa dos direitos humanos mas na maior democracia do mundo ele foi reeleito. Na verdade um hindu-americano, Sonal Shah, que era próximo de Modi e de seu grupo faz parte da equipe de transição de Barack Obama.
Aparentemente, as democracias de hoje não vêem problema com líderes que têm as mãos sujas de sangue. O declínio moral das democracias é uma consequência direta da guerra contra o terror. Cidadãos foram informados de que o inimigo é tão diabólico que qualquer método diabólico pode ser usado. Os terríveis atos de terror que foram acompanhados, ampliados e dramatizados pela mídia global parecem ter ferido a sensibilidade global dos cidadãos a ponto de que eles aceitam qualquer coisa feita por seus governos e ainda aplaudem.
Esta semana a Terra Santa viu um dos dias mais mortais de sua história, quando Israel massacrou mais de 200 palestinos em Gaza. Palestinos não experimentavam isso desde 1948 quando gangues terroristas judaicas, a Irgun e a Lehi, massacraram 254 palestinos em uma vila chamada Der Yassin.
Na semana que antecedeu os ataques retaliatórios de Israel, o Hamas disparou 100 foguetes em Israel sem matar ninguém mas dando a justificativa necessária para Israel, cujos foguetes e mísseis mataram mais de 400 e feriram mais de 2.000.
E enquanto escuto as afirmações do governo Bush, que culpa apenas o Hamas por toda a violência, e o próprio Messias em férias no Hawaí, fico surpreso com a completa falta de humanidade de suas respostas. Não há um traço que seja de simpatia, de arrependimento ou de pesar pelos que morreram. É como se o coração deles fosse feito de pedra.
Nos Estados Unidos e mesmo em Israel o terrorismo não apenas ameaça vidas, mas vagarosamente destrói a humanidade destas nações.
O Hamas atirou alguns foguetes em Israel; é o que fazem e são quem são -- são uma organização terrorista.
Israel e os Estados Unidos, no entanto, são democracias que se preocupam com os direitos humanos. Mas quando massacram centenas de pessoas e seus cidadãos assistem em silêncio, sem protestos, nem choque, então alguma coisa está fundamentalmente errada.
Ainda acredito em democracia. Eu acho que é um grande sistema de governo. Mas também temo que as democracias de hoje não estão apenas experimentando uma recessão econômica, mas uma recessão moral.
Estamos gradualmente aceitando coisas que até recentemente eram tabus. Ao combater organizações terroristas reduzimos as exigências morais que julgávamos ser o valor das democacias. Torturas, sequestros, assassinatos e agora massacres se tornaram justificáveis; o que virá a seguir?
A não ser que acordemos e mudemos de rota muito em breve, não haverá diferença entre a democracia e terrorismo e isso será a vitória final para o terrorismo.
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