Por sete votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal decidiu na semana passada que, daqui para a frente, só pode ficar preso quem tiver condenação definitiva, com processo transitado em julgado, sem direito a mais nenhum recurso em instância superior _ ou seja, nunca.
Mas engana-se quem imaginar que está oficialmente decretada a impunidade no Brasil. Não é bem assim. A nova jurisprudência do STF, que apenas formaliza as anteriores, continuará valendo, como sabemos todos, apenas para quem pode contratar bons advogados.
A alegação do STF é que a medida visa desafogar o sistema carcerário, superlotado de jovens pobres das periferias urbanas, 40% deles ainda aguardando julgamento. Não é bem assim, repito.
Em sua coluna na página 2 da Folha desta terça-feira, “Presunção de impunidade”, o excelente repórter Frederico Vasconcelos, um especialista no assunto, coloca o dedo na ferida:
“Mas não são os presos por `crimes de bagatela´, como furtos de escova de dentes e de chinelos, lembrados pelo ministro Celso de Mello, que entopem os tribunais de recursos. Tem faltado ao Judiciário disposição para conter a avalanche de recursos protelatórios de réus que podem contratar bons advogados”.
Voto vencido na decisão do STF, o ministro Joaquim Barbosa advertiu para os riscos de se criar “um sistema penal de faz-de-conta em que o processo jamais chegará ao fim”.
Cansei de fazer reportagens estes anos todos sobre pessoas humildes presas por besteira, por furto de comida para os filhos ou rixas com vizinhos, que passaram um bom tempo na cadeia, até que fossem descobertos pela imprensa, porque não tinham condições de pagar um bom advogado e a Defensoria Pública não dá conta de todos os que precisam dela.
Teve o caso de um jovem juiz do Espírito Santo, mais de vinte anos atrás, que fez tudo ao contrário. Ao chegar numa comarca, mandava soltar os pés-de-chinelo presos por bebedeira ou briga com a mulher, e reabria os processos engavetados contra os poderosos do lugar que dormiam nas gavetas.
Fiquei sabendo da história dele pelo bom amigo e grande jornalista capixaba Rogério Medeiros. Depois de várias vezes transferido de comarca por adotar esta prática pouco usual no nosso Judiciário, desagradando as “pessoas de bem”, o juiz foi chamado de maluco e acabou sendo internado num hospital.
Nada mudou neste cenário nos últimos anos. Esta semana mesmo encontrei uma pequena nota no portal do jornal O Globo, com o romântico título “Desempregado é preso acusado de furtar R$ 1,25 de santa no Jardim Botânico de Santos”, que me chamou a atenção. Trata-se de mais uma história emblemática, como diria o Mino Carta:
“O desempregado Luciano do Nascimento Santos foi preso, na tarde de domingo, acusado de furto e dano ao patrimônio, após subtrair R$ 1,25 em moedas de uma gruta, depositadas ali em sinal de agradecimento a Nossa Senhora Aparecida, que fica no Jardim Botânico de Santos.
Conforme o Boletim de Ocorrência, o rapaz teria quebrado uma redoma de vidro que protegia a imagem da padroeira do Brasil por volta das 13h10. Diante desse fato, os funcionários do equipamento público acionaram a equipe 465 do Canil da Guarda Municipal, formada pelos encarregados Cruz, Teixeira e Laurindo. Então, a equipe se deparou com Santos bebendo água em bebedouro no Jardim Botânico. Ele foi questionado sobre o delito, mas negou.
Ao ser revistado, foi encontrada a quantia de R$ 1,25 em moedas. A Guarda Municipal o prendeu na hora e o levou ao 1º Distrrito Policial de Santos. Como não houve flagrante, Santos acabou sendo liberado.
Conforme o Boletim de Ocorrência, o desempregado bebia com alguns homens, que teriam quebrado o vidro. Santos teria se apropriado de algumas moedas por estar sob influência do álcool, substância da qual é dependente, e de remédios controlados, porque é paciente da Seção Núcleo de Apoio Psicossocial (Senaps), equipamento da Secretaria Municipal da Saúde. O BO foi registrado pelo escrivão Emmanuel Carlos de C. Roque e pelo delegado Max Pilotto”.
Acionar o Canil da Guarda Municipal com três homens, mais o escrivão e o delegado para atender a esta insólita ocorrência? Só faltava cobrar fiança para liberar o indigente, acusado de furtar a fortuna de R$ 1,25, que hoje não paga um cafezinho na esquina.
Não teria sido mais rápido, barato e humano encaminhar logo o desempregado de volta para o Senaps, onde ele estava em tratamento? Quanto tempo vai levar agora para a polícia concluir o inquérito e a Justiça se pronunciar sobre o crime?
Enquanto isso, o jornalista Antonio Pimenta Neves, réu confesso do bárbaro e covarde assassinato de uma colega de trabalho, há quase uma decada, já julgado e condenado, continua livre e leve aguardando o julgamento dos seus recursos em diferentes latitudes da Justiça.
Neves pode ficar tranquilo. Tem bons advogados e, se demorar mais um pouco, será beneficado pela prescrição da pena ou por ter completado 70 anos. Ele é o mais notório exemplo da ”presunção de impunidade” adotada pelo STF de que fala o nosso Frederico Vasconcelos.
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