Vamos entender melhor esse jogo político e o papel da mídia nesse processo.
Ontem a Globonews e a UOL transmitiram na íntegra e ao vivo, o discurso do senador Jarbas Vasconcellos. Aqui, publiquei um artigo em que um desafeto do senador o acusa das mesmas práticas que ele imputa aos adversários. Bastaria a mudança de ênfase - os jornalões darem mais ênfase ao acusador do que a Jarbas - para o pêndulo político se mover para o outro lado.
Os atacados são figuras notórias. Neste momento, graças à sua rede de relações políticas e jurídicas, o senador José Sarney está conseguindo afastar do cargo um adversário, o governador Jackson Lago, do Maranhão, que o venceu democraticamente nas urnas.
Quando começou essa onda contra Lago, escrevi alguns comentários no blog, ele me procurou, contou o que estava acontecendo, as ligações da desembargadora que o condenava com o esquema Sarney. Publiquei aqui. Nenhum jornalão deu nada, porque não interessava naquele momento.
Se se escarafunchar a vida política do Renan Calheiros, mesmo sem os factóides da Veja, vai se encontrar um jogo semelhante. Em várias capitais em que vou palestrar, muitas vezes me convidam para entrevistas na TV local. Quase sempre há como sócio oculto políticos, alguns que se notabilizaram por campanhas moralistas relevantes.
O que se conclui disso?
Tem-se um sistema político podre, que permite toda sorte de irregularidades dos seus participantes. Um país civilizado, com imprensa moderna, estaria focado na discussão de como aprimorar o sistema político.
Mas aos jornalões não interessam porque eles são os maiores beneficiários desses vícios. São esses vícios que os tornam poderosos, que lhes permitem utilizar como moeda de troca. Dependendo de seus interesses comerciais e/ou de suas alianças políticas, definem o que será notícia, qual será a denúncia da vez.
Como selecionar as denúncias
Um discurso moralista do Jarbas – com seu passado de político tradicional – seria notícia? No máximo um pirulito em uma página de jornal. Mas confere-se solenidade, destaque e um episódio banal – porque uma denúncia sem fatos, seletiva (porque apontando só os adversários dentro do partido), de um político tradicional – torna-se fato jornalístico.
O poder de manipulação da mídia consiste em sua capacidade de escolher o escândalo. Poderia ter escolhido o de Jarbas contra os adversários do PMDB (poupando os aliados que são da mesma estirpe) ou desse obscuro deputado pernambucano que denuncia Jarbas. O poder de criar o escândalo fica nas mãos da mídia.
E, aí, é utilizado para os objetivos mais rasteiros. Tome-se o caso da Editora Abril. Perdeu bisonhamente a disputa pelos cursos apostilados, quando disputando o mercado com outros concorrentes, como deveria ser em uma economia de mercado, que ela tanto defende. Aí monta um acordo político com Serra, faz o jogo que lhe pede e consegue, do estado e da prefeitura, praticamente a terceirização de parte do material didático. Venceu outros grupos com tradição no mercado, com resultados alcançados e, com menos de dois anos de existência, seus cursos apostilados tornaram-se material oficial do estado de São Paulo. Alguma diferença com os métodos de Sarney e Renan?
Provavelmente está conseguindo outros contratos em outros estados e metrópoles com esse modelo. Não só pelo apoio político, mas pela ameaça que significa a qualquer político desse país pelo seu poder de selecionar a denúncia contra quem quer que seja. Quando a Abril explode uma denúncia contra um político, ou quando o enaltece na capa – como aquela capa sobre os melhores governadores do país –, ou quando lhe dá a entrevista de Páginas Amarelas, qual o jogo de troca por trás disso? A defesa dos valores da ética? Conta outra.
Os virtuosos
Então, quando se assiste a essa pantomima toda, o que pensar? Renan e Sarney são virtuosos? Longe disso, mas bota longe nisso. O lado serrista do PMBD é virtuoso? Temer, Quércia? Não preciso responder. O lado peemedebista do FHC era virtuoso? Ora, são os mesmíssimos que garantem o apoio do PMDB a Lula.
Nem assisti ontem o discurso de Jarbas para saber se ele mencionou seus companheiros Gedel Vieira Lima e Eliseu Padilha – figuras centrais no apoio do PMDB a Lula. Provavelmente não, e por uma razão simples.
No tempo de FHC, nas prévias do PMDB em que se impediu Itamar de sair candidato a presidente, houve até tropa de choque contratada pelo ínclito senador Luiz Esteves. E quem estava na ponta da cooptação política, disputando Ministérios e Secretarias que permitissem comprar adesões e liderando o esquema que tinha até os pega-bois de Luiz Estevão? O líder máximo era Jarbas Vasconcellos, cotado para vice de Serra em 2002. Com o apoio de Geddel Vieira de Lima, do Ministro dos Transportes, Eliseu Padilha.
É só buscar no Blog a nota em que recuperei essa história.
Jarbas é melhor do que Renan ou Sarney? Quércia é melhor do que Geddel? Temer é melhor do que Padilha? São todos farinha do mesmo saco.
É por isso - conforme reconheceu Fernando Henrique Cardoso no seu artigo de domingo do Estadão - que essa pantomima não funciona mais. Aliás, só a contaminação fatal do jornalismo pelos interesses políticos mais obscuros explica essa marcha da insensatez da mídia, em insistir nessas manipulações.
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