1. O que costumamos chamar de sensacionalismo não é uma deformação perversa e tardia de uma imprensa reta e objetiva na origem, mas uma de suas tendências naturais. É muito mais provável que a retidão e a imparcialidade sejam um logro evolutivo. Deve estar na natureza do jornalismo lutar contra a principal característica dos tempos modernos, que é um flexível continente que admite em seu interior toda classe de conteúdos.
2. A busca de manchetes sensacionais substitui a força da opinião pública. Obcecada por notícias e entretenimento, a imprensa abandona o que garante a sua autonomia. Esta indiferença sobre os acontecimentos em si, é a manchete do jornal, que tenta chamar a atenção do leitor potencial, de que ocorreu algo extraordinário, algo fora do comum, coisa verdadeiramente inaudita, numa época em que tudo parece rotina.
3. É um erro confundir a edição digital com uma mudança histórica, pois a chamada imprensa eletrônica, longe de ser uma novidade que anuncia uma transformação cultural sem precedentes, é a simples consumação que leva a termo a tendência que falamos: se a imprensa não é mais que um dispositivo de produção de manchetes chamativas, para que esperar 24 horas? Por que não mostrar as manchetes num processo constante e ininterrupto e deixar que as audiências expressem a sua vontade soberana, pulsando digitalmente sobre as chamadas que resultem mais interessantes, ou abandoná-las, na medida em que vá se aborrecendo? Isso não acalmará a ansiedade por novidades, mas a multiplicará infinitamente, atualizando-a a cada instante e fazendo com que cada segundo seja recheado mediante um novo clique informático.
4. O jornalismo desempenha na história moderna a tarefa de articular a opinião pública, vale dizer, construir uma esfera civil de autonomia na qual os cidadãos deliberem sobre as decisões políticas, econômicas ou culturais que afetam as suas vidas e, na qual podem exercer a crítica sobre o comportamento dos diversos poderes, apoiando-se em informações confiáveis sobre os mesmos. Essa é a função da imprensa, que pode efetivamente se opor à indiferença e o amálgama da temporalidade moderna, pois é ela que produz imediatamente hierarquias e vínculos conceituais entre os conteúdos, que obrigam a distinguir-se da simples propaganda, do negócio ou do engenho publicitário, porque é a única que garante a sua autonomia com respeito a essas outras esferas de influencia dos poderes.
5. Quando hoje se debate sobre o futuro do jornalismo e se trata quase exclusivamente da questão dos continentes (digital x analógico, tela x papel) e da dimensão empresarial do negócio informativo (e a busca frenética de publicidade) e poucas vezes dos conteúdos, a imprensa vai, paulatinamente, abandonando sua função sistematizadora da esfera pública, fugindo do juízo crítico, renunciando a hierarquia da informação e assumindo sua dependência com respeito aos poderes.
6. É um sintoma que pode levar a se ver no final de sua profissão, que o jornalismo como máquina de produzir manchetes, devorou o jornalismo como articulação da opinião pública em uma sociedade democrática.
7. Neste momento estamos ocupadíssimos com os continentes e com a publicidade, com os portáteis e os celulares. E não é por culpa destes, se não de algumas decisões políticas e profissionais, pelas quais, os jornais, que devem ser os lugares naturais daquelas discussões, estão se tornando insuportáveis, literalmente, inviáveis em qualquer suporte.
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