Pasquim 4rentão

Em 26 de junho de 1969, quando a primeira edição de O Pasquim chegou às bancas do Rio de Janeiro, entusiastas e detratores pareciam concordar em pelo menos um ponto: ninguém botava fé que o jornal tivesse vida longa. Para os leitores, o periódico deveria ter a mesma sorte de seus antecessores: o “Carapuça”, editado pelo jornalista Sérgio Porto, mais conhecido por seu alter-ego Stanislaw Ponte Preta, que morreu junto com seu autor, em 1968; e o “Pif-Paf”, jornaleco editado por Millôr Fernandes, que só durou oito números.

No fim, a história deu uma lição nos desanimados e naqueles que colocavam olho gordo. Combinando textos e imagens, subversivos e engraçadas, apontando suas armas contra a Ditadura Militar e outras babaquices, caso do excessivo moralismo da classe média, O Pasquim foi um verdadeiro Matusalém para a imprensa alternativa. Teve aquilo que todo jornal quer ter: expressividade política, vida longa e altas marcas de vendagem. Só encerrou suas atividades duas décadas depois, em 1991. Mas aí já tinha feito muito barulho. Espezinhou seus alvos, fez rir seus camaradas e apadrinhou gente nova e talentosa no jornalismo, no humor, nos quadrinhos e nos cartuns.

Mino Castelo Branco, um dos marcos do cartum do Ceará, foi um dos talentos que o jornal ajudou o País a descobrir (veja mais na matéria com o cartunista, na página 3). Na mesma seara, Millôr Fernandes e Jaguar, os “donos da bola”, fundadores do jornal; o casseta Reinaldo (descrito por Jaguar como “o melhor cartunista do Brasil”); os gênios Ziraldo e Henfil, entre outros. No jornalismo, representantes como Tarso de Castro e Sérgio Cabral, também fundadores, dividiram espaço com nomes importantes da imprensa, caso de Sérgio Augusto, Ivan Lessa, Tárik de Souza, Paulo Francis (antes do conservadorismo, claro) e Ruy Castro.

Figura de primeira importância para o jornal foi o designer Carlos Prosperi. Era ele o responsável pela identidade visual de um veículo que tinha na combinação texto e imagem uma de suas inovações (sobre este aspecto do Pasquim leia mais na página 5, no artigo do jornalista e pesquisador Átila Bezerra).

Sacadas

Nem só de grandes nomes vive um jornal. O Pasquim logo alcançou uma tiragem de 20 mil exemplares e, em seu auge, chegou a vender 200 mil - marca invejável, mesmo para a grande imprensa nos dias de hoje e marca inimaginável para um veículo da chamada “imprensa nanica”.

Quatro décadas depois de sua primeira aparição, O Pasquim é tema de uma infinidade de lendas - algumas, tão engraçadas quanto seu próprio conteúdo. A começar pela escolha do nome para o jornal. A sugestão que prevaleceu era assim defendida por seu proponente, o cartunista Jaguar: “agora eles vão ter de inventar outros nomes para nos xingar”.

Sacadas como essa, atravessam toda história do jornal. Quando estava em alta, o Pasquim pariu uma editora, a Codecri (Comando de Defesa do Crioléu), nome dado por Henfil. Quando boa parte da redação foi presa, após publicar uma sátira do famoso quadro que “retrata” a Independência do Brasil, o jornal foi tocado por colaboradores. A primeira edição após a prisão satirizou o acontecido: dizia que agora o Pasquim saía no automático, “sem redação”.

Protagonistas

O Pasquim acabou em 1991, depois de um declínio que era o próprio declínio da imprensa alternativa. Na opinião do jornalista Átila Bezerra, que pesquisa O Pasquim há anos, “depois da abertura, a grande imprensa incorporou boa parte das inovações dos jornais alternativos”.

Perguntado quanto à razão de o jornal ter resistido aos tempos da linha dura e tombado com o país em novos tempos de democracia, o jornalista Sérgio Augusto arrisca uma explicação. “Acúmulo de dívidas (o jornal foi sistematicamente roubado por todos os seus ‘diretores’ financeiros), falta de peças de reposição (Paulo Francis teve de deixar o jornal para tornar-se exclusivo da Folha de S. Paulo), um certo cansaço. Mas esta pergunta deveria ser feita ao Jaguar, que, teimosamente, segurou o Pasquim até 1991. Eu saí do jornal nos últimos meses de 1979, sou inocente”.

A imprensa nanica se define por um jeito próprio de fazer jornalismo. Menos mecânico, mais crítico. Para Sérgio Augusto não é mais possível pensar neste tipo de imprensa para os dias de hoje. “Se até a imprensa grande está pela bola sete, como pensar numa nanica emplacando nos dias correntes? O jornalismo alternativo está, hoje, na internet”.

“Naquela época a censura era política. Hoje, ela é econômica e consegue restringir ainda mais os movimentos da imprensa. Hoje não tem mais essas coisa de jornal de jornalista, como acontecia com a imprensa nanica. Atualmente, a pequena imprensa saiu deste esquema, que acabava criando uma liberdade maior. Até a imprensa alternativa foi apropriada. E isso porque houve mudanças muito grandes, não só nos jornais, mas no mundo, na política”, opina o jornalista Tárik de Souza, outro sobrevivente do Pasquim.

Para Tárik, aí se encontra a razão de “O Pasquim 21”, nova encarnação do injurioso periódico, desta vez editado por Ziraldo, ter durado pouco. “Sem dúvida, o contexto mudou. Não há mais interesse numa coisa como essa. Quando apareceu, ‘O Pasquim’ capitalizou em cima da bossa, do cinema novo, da Tropicália. Tudo isso é que dava esse caldo de cultura que resultou no ‘Pasquim’. Havia a oposição cerrada. Mas hoje é muito difícil, porque é o mercado quem policia”.

Quem passou pelo Pasquim não esquece os dias heróicos do jornal. Hoje, Sérgio Augusto e Tárik de Souza estão envolvidos novamente com o jornal - desta vez, com sua memória, organizando antologias de sua produção. Ainda que seja preciso saber um pouco de nossa história para entender os conteúdos, a leitura vale à pena. Não é futebol, mas é de dar orgulho em quem acredita no jornalismo de verdade.

Dellano Rios
Repórter

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