A crise política de 2005 fez surgirem previsões catastróficas sobre o Partido dos Trabalhadores. A sigla estaria condenada, depois de decepcionar quem enxergava nela o vetor de renovação dos costumes políticos no Brasil. Mas os prognósticos negativos –frequentemente, torcida travestida de análise– falharam. O PT viu Luiz Inácio Lula da Silva reeleger-se e manteve a presença no Congresso Nacional. E continua sendo a legenda orgânica do portifólio. Mais de 300 mil filiados participaram da última eleição interna. Todas as pesquisas mostram o PT na dianteira da preferência popular, bem na frente dos demais.
Qual é o desafio, então? É transformar a força em hegemonia. O partido surgiu nos anos 80 do século passado como uma espécie de anti-PMDB. Era a agremiação vertebrada, que se opunha conceitualmente à geleia-geral da frente política de resistência ao autoritarismo. O partido-partido em vez do partido-frente. O porta-voz do segmento mais moderno e dinâmico da sociedade. Ganhou musculatura após o impeachment de Fernando Collor. E chegou ao governo mantendo a essência de suas concepções. Você se lembra da profusão de petistas no primeiro ministério de Lula, em 2003?
Como inexiste almoço grátis, nem exercício pacífico do poder sem hegemonia, a vida o fez dobrar-se à realidade: ou moderava o apetite, convidando mais gente para o banquete, e abria a administração, ou seria despejado do Éden. Ou entrava no jogo para valer, ou caía fora. Entrou e gostou. Daí que, numa ironia típica, eis o PT fazendo de tudo e mais um pouco para segurar junto dele o PMDB. O petismo poderá argumentar que cuida de sobreviver enquanto preserva sua pureza, por existir uma linha divisória entre os partidos. Mas a velha dialética já observava: quando você transforma a realidade, ela também transforma você.
Arrastado a uma composição estratégica com o PMDB, o PT vai adquirindo traços do parceiro (é também o que acontece na relação do Democratas com o PSDB: eis um assunto para outra coluna). Ao ponto de assistirmos hoje no Senado a um sintomático casamento de conveniência: o PT ajuda o PMDB a salvar a pele do presidente da Casa, José Sarney (AP), e em troca o peemedebismo ajuda a vacinar o PT na CPI da Petrobras.
Ambos parecem muito satisfeitos com os termos do contrato nupcial, convenientemente esquecidos de que talvez interesse ao cidadão conhecer o que vai pelos intestinos da vetusta Casa e também da nossa querida estatal. Mas, dada a dificuldade de pescar no cenário brasileiro massa crítica de políticos que ao menos simulem preocupação com o interesse público, não parece haver motivo para alarme.
No atual esforço para caracterizar tudo como “luta política”, e assim justificar o injustificável, o PT vai fechando os últimos dutos que o ligam àquele veio da “ética”. Esses votos vêm sendo permutados, com vantagem numérica, pelo apoio de outro pessoal: os mais pobres e os do Nordeste. Os pobres, gratos pelos belos, justos e agressivos programas sociais, terreno em que quantidade é qualidade: o sujeito que inventa a vacina contra uma doença letal ganha prestígio, mas os votos irão para o político que adotar as providências práticas e erradicar o mal. Já o Nordeste está cativado pelo crescimento “chinês” da economia regional.
Aqui aparece um problema. Os aliados do PT têm revelado mais competência para enraizar-se no novo público-alvo do partido de Lula do que os petistas. Especialmente o PMDB e –no Nordeste– o PSB. Também por isso, bem no momento em que deveria buscar estrategicamente a hegemonia, o PT precisa dobrar-se aos parceiros num grau antes impensável, à luz da ambição partidária e também dos princípios fundadores da legenda “diferente de tudo que está aí”.
A saída defendida por Lula para 2010 é conhecida: concentrar esforços para eleger Dilma Rousseff e ampliar com força as bancadas no Congresso. Por incrível que pareça, talvez o primeiro desafio seja mais alcançável do que o segundo, dada a expertise dos aliados em usar o poder de Brasília para alavancar força regional. Diria Arquimedes, se fosse um político brasileiro: deem-me um bom cargo federal, com uma caneta cheia de tinta, que eu garanto os votos. Desde a Antiguidade se sabe que um ponto de apoio adequado permite mover o mundo.
O PT quebra a cabeça para decifrar esse enigma, barreira entre o partido e o projeto de, a partir de 2011, construir uma hegemonia “por cima”, de Brasília para o resto do país.
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