Claudia Safatle | VALOR
O tripé macroeconômico formado pelo superávit primário, meta de inflação e regime de câmbio flutuante permanecerá como a base da gestão da economia no governo de Dilma Rousseff. Mas é certo que haverá uma nova distribuição de peso para cada perna desse tripé. O esforço fiscal será maior, com o retorno da meta de 3,3% do Produto Interno Bruto; o câmbio terá uma administração cada vez mais suja; e, como consequência do reforço fiscal, os juros para manter a inflação na meta podem ser menores.
A valorização do real, agravada pela enorme disponibilidade de dinheiro no mundo em busca de rentabilidade, e a dificuldade de coordenação internacional para evitar a "guerra cambial" que coloca Estados Unidos e China nos extremos opostos, como parece claro na reunião do G-20 em Seul, exigirá esse novo "mix".
O controle mais estrito do gasto público dividiria com a política monetária a responsabilidade pelo combate à inflação, permitindo a redução da taxa básica de juros. Com o tempo, a queda da Selic diminuiria o ingresso de capitais externos no país em busca de ganhos de arbitragem com os juros internacionais.
Para trilhar esse caminho de forma mais rápida, porém, não bastaria voltar aos 3,3% do PIB de superávit, que representa reduzir despesas ou aumentar receitas de quase um ponto percentual do PIB. O esforço teria que ser maior e, aí, começa o impossível. Não há como cortar R$ 35 bilhões nos gastos e atender à demanda infinita da sociedade por políticas públicas (educação, saúde, estradas, segurança).
Ciente dos limites que a equação política do novo governo vai impor à adoção de um regime fiscal mais austero, a proposição que se mostra mais sensata é a que combina um pouco de cada uma das alternativas.
O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), na "Carta" que divulga na próxima semana, chama a atenção para o fato de que o país precisa, agora, de uma ação "mais drástica" em relação à questão cambial e aborda algumas possibilidades para administrar esse que é o problema mais complicado que se coloca para o próximo governo: a excessiva valorização do real que pode, no limite, varrer setores industriais inteiros da economia brasileira, e fomentar o surgimento de bolhas de ativos imobiliários e financeiros.
Uma das sugestões, segundo Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre, é estender de forma horizontal o IOF de 6% (ou até maior) para toda a conta financeira e para as transações correntes do balanço de pagamentos do país, não deixando isento nenhum canal por onde possa entrar dólares burlando a taxação.
A ideia é ousada, pois inclui no rol dos dólares tributados os gerados pelos exportadores, na medida em que podem ser usados para entrar em aplicações financeiras domésticas, e os ingressos para operações em bolsa de valores.
A isso se agregaria, ainda, uma pitada de imprevisibilidade na atuação do BC no mercado de câmbio. O que seria possível com a redução na acumulação de reservas cambiais. Deixar a taxa mais volátil nesse momento criaria incertezas e risco de prejuízos aos investidores externos na hora da saída, diz Schymura.
Essas são propostas que vão no caminho inverso ao da "Carta do Ibre" de fevereiro, quando advogou maior abertura da economia e livre movimento de capitais, na linha do modelo australiano. "A situação se complicou bem mais nos últimos seis meses", avalia Schymura. Ficou clara a imensa liquidez internacional e acirrada a briga entre os países consumidores (que geram déficits em conta corrente) e os poupadores (que acumulam superávits nas transações correntes), num mundo em que hoje a produção é maior do que o consumo. E mesmo a Austrália, que servia como modelo de inspiração, já está impondo controle de capitais.
As medidas para regrar o ingresso de dólares, porém, esbarram num outro aspecto importante das contas externas: o Brasil vai precisar de pelo menos US$ 60 bilhões para financiar o déficit em transações correntes em 2011. Para um país que depende da poupança externa, impedir que ela entre em excesso "é um delicado exercício de sintonia fina", salienta a "Carta do Ibre".
No conjunto de possibilidades, restariam algumas outras, como: deixar como está e assistir à valorização do real sem intervenção do BC na compra de reservas. O efeito desinflacionário da apreciação cambial poderia permitir a queda dos juros e a consequente redução nos fluxos de capital; e a "saída argentina", com a adoção de uma meta de câmbio e esterilização apenas parcial dos reais correspondentes emitidos para a compra de dólares. Os juros tenderiam a cair pela injeção de liquidez na economia e o regime de metas para a inflação acabaria. Por razões óbvias, essas são propostas fora de cogitação.
Os sinais já emitidos pelo novo governo indicam que a opção será pela associação de um reforço fiscal que for possível com a ampliação dos controles do ingresso de capitais e continuidade no processo de acumulação de reservas.
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