Mas, não: em 27 de junho de 1969, quando era o CHEFE DE REDAÇÃO da censuradíssima TRIBUNA DA IMPRENSA, fui seqüestrado de madrugada e levado para lugar ignorado . Todo mundo sabia que estavam me metendo o cacete, mas nem a notícia da minha "prisão". No dia 16 de julho, o Cenimar (Servilço secreto da Marinha) exibiu 38 prisioneiros - eu, inclusive - apresentando-nos como os terroristas que queriam derrubar a ditadura de 180 mil soldados das três armas.
Samuel Wainer, que já estava de volta mediante negociações com os generais, pôs a minha foto na primeira página da ÚLTIMA HORA, o jornal onde dei os primeiros passos profissionais, com a legenda: "AGENTE DO AL-FATAH". Isso mesmo, para agradar os senhores do poder, o ex-exilado não fez por menos. Arranjou-me um epíteto de agente internacional de organização revolucionária, por minhas simpatias à causa palestina. Pior: entre os subordinados do patrão oportunista havia ex-colegas meus, que, bem, cala-te boca....
Aqui, tivemos ditadura, mas não se fala em ditador
Aliás, há algo muito despropositado na nossa mídia. Ela agora se refere à ditadura militar, via de regra a criminaliza, mas de forma original: não vi em nenhum órgão da imprensa escrita, falada ou televisada alguém se referir aos generais d'antão como ditadores. Concito-o a achar nessa mídia uma referência ao ditador Castelo Branco ou ao ditador Figueiredo, ou aos outros. Registra-se que tivemos ditadura, mas não se nomina nenhum general como ditador.
Afinal, quem é e quem não é ditador?
Insisto: quem é e quem não é ditador no mundo? Onde realmente se pode falar em democracia, no sentido original do termo, umbilicalmente ligado à idéia de liberdade, patrimônio existencial da humanidade?
Liberdade é o quê, caro parceiro? É essa pirâmide social desumana em que 10% dos brasileiros detêm 75,4% de toda a riqueza? Pobre goza do exercício da liberdade? Como? Pend urando-se nas migalhas dos programas sociais compensatórios? Se tem liberdade, o pobre é burro? Sim, porque 80% dos parlamentares eleitos não têm nada de pobre. Fazem parte, paradoxalmente, do topo da pirâmide, daqueles 10% que estão por cima da carne seca.
Segundo Márcio Pochmann, presidente do IPEA, órgão do governo federal, o Brasil, a despeito das mudanças políticas, continua sem alterações nas desigualdades estruturais. O rico continua pagando pouco imposto.
Democracia das elites é uma mentira
Trocando em miúdos, quem paga a conta nesta democracia onde reina a minoria é a maioria que vive com a corda nos pescoço. Dizer que um país socialmente piramidal vive numa democracia é uma grosseira fraude semântica. Ou então a democracia é um regime de aparências, fundado na desigualdade e na lei do (bolso) mais forte. Mas não é só nestas praias que a ressaca da realidade desautoriza o palavreado h ipócrita. Joseph Eugene Stiglitz, badalado economista dos EUA (foi chefe da equipe econômica de Clinton), escreveu esta semana sobre o "catalisador tunisiano":
"Apesar das virtudes da democracia - e a Tunísia mostrou que ela é muito melhor que a alternativa - não devemos esquecer das falhas daqueles que reivindicam seu manto, e que há muito mais na democracia do que eleições periódicas, mesmo quando conduzidas limpamente.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a democracia foi acompanhada por uma desigualdade crescente, a tal ponto que os que estão entre os 1% mais ricos abocanham cerca de 25% da renda nacional".
Bem, perguntar-me-ão os parceiros, e o Egito, como é que fica? Já que se descobriu agora que estava mergulhado numa ditadura há 30 anos, o que virá com a renúncia de Mubarak, finalmente apontado no dicionário midiático como ditador?
O que quer afinal a multidão egípcia que ganhou a praça, inspirada talvez por Castro Alves? Que lição o mundo tirará desse levante dos cidadãos desarmados que em 18 dias derrubaram no grito um governante armado e cheirado pelos EUA há exatos 10 mil 950 dias?
Qual será o próximo "presidente" a sucumbir à jihad que devasta os tentáculos da corrupção, da cumplicidade e da hipocrisia?
É certo que essa unanimidade festiva sobre a queda de hoje é da boca pra fora. Todo mundo está na maior saia justa, porque, como os 10 milhões de tunisian os se livraram do "presidente" Bem Alli, o véu de mistério cobre as mil e uma noites dos 80 milhões de egípcios e pode transmitir outras novidades mágicas ao mundo, além dessa barricada que desmascarou a hipocrisia semântica e pôs alguns pingos nos is.
É esse amanhã que vai sinalizar uma nova referência para o mundo.
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