Subitamente, setores da sociedade brasileira querem que o povo saia às ruas. É preciso qualificar esses “setores da sociedade brasileira”. São aqueles que foram apeados do poder político no início dos anos 2000 e que tiveram sua agenda política e econômica dilacerada pela realidade. A globalização econômica cantada em prosa e verso nos anos 1990 revelou-se um fracasso retumbante. A globalização financeira, a única que houve, afundou em uma crise dramática que drenou bilhões de dólares da economia real, conta que, agora, está sendo paga por quem costuma pagar essas lambanças: o povo trabalhador que vive da renda de seu trabalho.
Durante praticamente duas décadas, nos anos 80 e 90, a esmagadora maioria da imprensa no Brasil e no exterior repetiu os mesmos mantras: o Estado era uma instituição ineficiente e corrupta, era preciso privatizar a economia, desregulamentar, flexibilizar. A globalização levaria o mundo a um novo renascimento. Milhares de editoriais e colunas repetiram esse discurso em jornais, rádios, tvs e páginas da internet por todo o mundo. Tudo isso virou pó. Os gigantes da economia capitalista estão mergulhados em uma grave crise, a Europa, que já foi exemplo de Estado de Bem-Estar Social, corta direitos conquistados a duras penas após duas guerras mundiais. A principal experiência de integração regional, a União Europeia, anda para trás.
No Brasil, diante da total ausência de programa, de projeto, os representantes políticos e midiáticos deste modelo fracassado que levou a economia mundial para o atoleiro, voltam-se mais uma vez para o tema da corrupção. Essa é uma história velhíssima na política brasileira. Já foi usada várias vezes, contra diferentes governantes. Afinal de contas, os corruptos seguem agindo dentro e fora dos governos. Aparentemente, por uma curiosa mágica, eles são apresentados sempre como um ser que habita exclusivamente a esfera pública. Quando algum corrupto privado aparece com algemas, costuma haver uma surda indignação contra os “excessos policiais”.
No último domingo, o jornal O Globo publicou uma reportagem para questionar por que os brasileiros não saem às ruas para protestar contra a corrupção (aliás, o MST respondeu à pergunta, mas não teve sua resposta publicada). O Globo sabe a resposta. Como costuma acontecer no Brasil e no resto do mundo, o povo só sai às ruas quando a economia vai mal, quando há elevadas taxas de desemprego, quando as prateleiras dos super mercados tornam-se território hostil, quando não há perspectiva para a juventude. Não há nada disso no Brasil de hoje. Há outros problemas, sérios, mas não estes. A violência, o tráfico de drogas, as filas na saúde, a falta de uma educação de melhor qualidade. É de causar perplexidade (só aparente, na verdade) que nada disso interesse à oposição. Quem está falando sobre isso são setores mais à esquerda do atual governo.
Comparando com o que acontece no resto do mundo, a economia brasileira vai bem. Não chegamos ao paraíso, obviamente. Longe disso. Há preocupações legítimas em nosso vale de lágrimas que deveriam ser levadas a sério pelo governo federal sobre a correção e pertinência da atual política cambial e de juros, apenas para citar um exemplo. O Brasil virou mais uma vez um paraíso para o capital especulativo e a supervalorização do real incentiva um processo de desindustrialização.
Nenhum comentário:
Postar um comentário