Dançando com 2 pares


A presidente da República usa retórica para dar o ritmo da reconcentração de poder. Num momento, flerta com a ideia de estar em curso a tal faxina. Noutro, cita Roma, Joana D’Arc e o que mais for para acalmar os preocupados e sugerir que não haverá caça às bruxas.

Na resultante, apenas a constatação de a suposta faxina continuar o que sempre foi. Um mecanismo legitimador da retomada do controle sobre a máquina, pulverizada por razões defensivas ao longo dos anos de Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto.

Esta é uma operação na qual vale a regra orwelliana da Revolução dos bichos. Todos são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros. E o que torna uns mais iguais? A densidade do candidato a faxinável e a conveniência da dona da caneta. Variáveis interdependentes.

No episódio do Ministério dos Transportes, o ministro do PR recebeu sinal claríssimo de que deveria pedir o boné. O sub foi chamado ao palácio para reunião de rotina, contornando a autoridade do chefe, que nem sequer tinha conhecimento da atividade.

O episódio dos Transportes fundou a ilusão sobre a faxina ampla, geral, irrestrita e sem freios.

Nos movimentos a partir dali a coisa não segue sempre o mesmo script. Mas o resultado final é um só. Sai o alvejado e entra alguém mais próximo da presidente. Aconteceu na Agricultura, onde o ministro do PMDB já havia se transformado num ônus político para o padrinho, o número 2 da República.

Como também na única troca até agora que nada teve a ver com acusações de malfeitos, no Ministério da Defesa.

No PP, o verbalmente ousado ministro das Cidades sentiu o bafo quente do tigre e resolveu mostrar os dentes. Encomendou para si uma passagem de volta à Câmara dos Deputados.

Aos alvos da vez, resta torcer para estar do lado certo, conforme a conveniência momentânea da presidente. Que pode dançar com a opinião pública ou com a base parlamentar.

Mas ela está é bailando com os dois dançarinos, cada um a segurar uma mão presidencial. Certa hora Dilma olha para um, depois para outro. Conforme a necessidade.

E cada um deles se acha, no seu momento, o tal.

Não há maior risco à estabilidade do governo, pois nem a opinião pública, nem a oposição somariam fileiras com vítimas da faxina para colocar em questão a liderança presidencial.

Pode haver uma turbulência aqui, uma rebeliãozinha ali. Ocuparão algum espaço no noticiário, mas Dilma prosseguirá fazendo só o que bem entende.

Substituirá quando for para substituir, segurará a onda quando as águas no Congresso parecerem agitadas demais, deixará ao relento os personagens de que não gosta ou que pretende enfraquecer. Especialmente se o alvo veio como herança.

Fingirá não ser com ela quando o vespeiro parecer arriscado demais. Mas quem se interpuser no caminho estará marcado. 
por Alon Feurwerker