Na peça Galileu Galilei, de Brecht, há uma cena em que, tendo de abjurar ante a Inquisição de suas afirmações de que a Terra não era um corpo estático no Universo, o astrônomo italiano, depois de praticar a confissão desejada de que era fixa , murmura “eppur si muove” (entretanto se move).
A economia mundial e os sistemas de dominação e acumulação de riquezas, também.
E, às vezes, rapidamente.
No início dos anos 90, Estados Unidos e Europa pareciam diante de um período fadado ao seu domínio absoluto sobre o mundo.
Caíra a União Soviética. A unificação europeia caminhava a todo o vapor e se iniciava a formulação de uma moeda continental, lançada uma década depois, o Euro. A esquerda, desbaratada, não tinha força, praticamente, em parte alguma do mundo. Oposição? No máximo um Saddam Hussein a ser corrido do Kuwait com uma operação de guerra tão espantosa quanto desequilibrada.
As economias centrais – EUA, Europa e Austrália – dominavam, então 80% do PIB mundial. Sobravam 20% para os que viriam a ser chamados de emergentes.
Em apenas 20 anos, esta diferença de 60 pontos já se reduziu à metade. E a outra metade, considerado o ritmo atual precisará de apenas seis anos para ser vencida: em 2017, a divisão do PIB no mundo será “meio-a-meio”.
O gráfico publicado pela The Economist mostra a queda do que era invencível e a ascensão do que era inviável.
O mundo dos emergentes, portanto, não é uma abstração de futuro. Em matéria de decisões econômicas, já é presente.
O mundo desenvolvido está fraco, política e economicamente, embora ainda detenha um poder incontrastável: o capital livre e solto que suas economias não conseguem absorver.
Porque o livre comércio de mercadorias, sua causa e bandeira de décadas, voltou-se contra eles próprios. Os EUA já eram mais que deficitários em comércio exterior, mas não a União Europeia. Em 2008, com a crise, já registraram déficit de US$ 40 bilhões. Ano passado, de mais de US$ 200 bilhões. Salva-se, ainda, a Alemanha, com superavit.
O fantasma da dívida pública, que apavora o mundo desenvolvido, não assombra os emergentes: 83% do total está lá, apenas 17% aqui.
Este é o diferencial competitivo de que não podemos abrir mão. O discurso da estabilidade monetária não é desprezível, mas não pode nem deve ser o centro de uma política econômica coerente, salvo nos patamares em que proteja a renda e o consumo internos. O centro está numa política agressiva de investimentos – e nestes países, quem pode investir e dirigir – palavra meio maldita – investimentos é o Estado, não o mercado.
O discurso do livre mercado como melhor guia para as economias não passou no teste do tempo. Teve todo o poder, tornou-se a única forma de pensar a economia e o resultado desta hegemovia incontrastada está lá, na linha descendente de suas economias.
Durante muito tempo todos que pensavam o universo econômico fora dos cânones do neoliberalismo tivemos de andar murmurando, como Galileu.
E o tempo mostrou, bem rápido, que “eppur si mouve”.
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