De queda em queda ou se correr o bicho pega; se ficar o bicho come

Se não virar a mesa com determinação, a presidente Dilma Rousseff ficará refém do jogo sujo dos podres poderes



"A corrupção dos governantes quase sempre começa com a corrupção dos seus princípios".
Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu, pensador francês, autor do antológico "Espírito das Leis" (1689-1755)

Feito herói de fancaria, o PM milionário João Dias foi dispensado de depor na Câmara sobre  esquemas de corrupção, já que o ministro Orlando Silva havia caído. Quer dizer: com a queda, não precisam mais das suas "denúncias".


Ladrão de carteirinha pego com a mão na massa, transformado em herói de fancaria pela VEJA e pelo o que há de pior na oposição,  o soldado PM João Dias Ferreira ia depor nesta quarta-feira numa Comissão da Câmara Federal juntamente com o cúmplice Célio Soares Pereira para fazer "novas revelações" sobre o "mar de lama" no Ministério dos Esportes "do PC do B".

Como se soube ao meio dia que o ministro Orlando Silva recebera bilhete azul, o "delator" comunicou que não tinha mais o que fazer na Câmara. E os deputados que conseguiram aprovar sua convocação, "aproveitando-se de um cochilo na base governista" também desistiram do seu depoimento. Sua contribuição já  não se fazia necessária.
 
Isto é, incautos: tudo o que se queria era derrubar o ministro e, se possível  arrancá-lo do PC do B, abocanhando  qualquer coisa no ministério, que vai pras cabeças, garantindo o bom e o melhor em casa, comida e roupa lavada.

As  propaladas denúncias foram enfiadas na sua região condizente, enquanto a confraria dos boçais da mídia tratava de fazer o epitáfio do "cachorro morto", dizendo assustadoras sandices sobre causas e efeitos de mais uma queda no governo da primeira mulher presidente.

No fundo, no fundo, cumpriu-se o script de uma trama escrita pelos ladrões do outro lado, os mesmos que abafam um monte de trapaças no governo de São Paulo e que, com uma maioria comprada a peso de ouro, barram lá qualquer tentativa de CPI.

E se isso acontecer será uma pena, porque ela, até prova em contrário, está querendo tão somente dar um chega pra lá no uso lascivo dos podres poderes. Mas a súcia de adversários e falsos aliados não trata de outra coisa senão de miná-la e transformá-la e refém dos maus hábitos inerentes à democracia representativa. Se ela não percebe, pior para ela e para os que vêem nela as mais puras intenções.

Está claro que o Ministério dos Esportes deu mole na terceirização de recursos para "ONGs amigas" e adjacentes. Essa prática de favorecer particulares com dinheiro público é um desatino que vem de longe, desde quando os cérebros do sistema dominante montaram a macro-estratégia da cooptação de potenciais lideranças e de diplomados sem vaga no mercado e sem interesse pelos míseros vencimentos dos servidores públicos concursados.

Se um partido ou grupo assentou-se num determinado ministério, negociou-se a sua justaposição nos governos estaduais e municipais. Mesmo sem poder levantar suspeitas gratuitas, qualquer um estranha a "especialização partidária" em cadeia. Com o Ministério dos Esportes, o PC do B tem as secretarias do mesmo naipe em vários Estados e prefeituras, como no Rio de Janeiro. Em São Paulo, do conservador Gilberto Kassab, os comunistas ganharam a Secretaria Especial da Copa e passaram a integrar sua base de apoio.
Nas recentes composições do poder as fórmulas terceiristas de última geração ganharam contornos harmonizantes. Fatiou-se o poder em pencas sequenciadas, fomentando interesses em escala.

Essa doutrina serial não é exclusiva do partido que tem uma história de lutas e sofrimentos por abraçar "as bandeiras do proletariado". Na área do Ministério do Trabalho, que hoje é apenas o gestor dos recursos bilionários do FAT, a harmonia se opera mesmo em governos locais fora do bloco nacional. O secretário estadual do Trabalho do Rio saiu da "cota" do PDT, assim como o secretário municipal da capital. Mas em Caxias, de Zito, tucano até outro dia, o secretário municipal do Trabalho também é pedetista.

A mesma fórmula se aplica a outros partidos e a outros segmentos da administração. Pode ser uma "boa idéia", mas dificilmente será uma prática fundada em boas intenções.

A "porteira fechada" não é necessariamente a mazela mãe dos maus hábitos na gestão governamental. Antes dela e maior do que ela é o sistema de favorecimentos que beneficia principalmente empreiteiras e fornecedores dos governos.

É pública e notória a existência da "bola da vez" na disputa de obras públicas. Isto é, os empreiteiros se entendem previamente sobre quem deve ganhar a próxima concorrência. E nem essa mídia farisaica, nem os políticos que posam de honestos usam suas ferramentas para desvendar tal "compadrio".
As empreiteiras formam quadrilhas reluzentes e raramente são incomodadas. Quando foram, como no caso da "Operação Castelo de Areia", que levou executivos da poderosa Camargo Corrêa por alguns dias para a cadeia, o STJ tornou sem efeito todo o trabalho do Ministério Público e da Polícia Federal, alegando que as investigações partiram de denúncias anônimas.

O mesmo acontece em relação às empresas de ônibus, que têm suas bancadas nas câmaras e assembléias mediante "mensalões" generosos. E outros tantos ramos que lidam com o poder público, na condição de prestares de serviços ou concessionários.

Nesse ambiente de corrupção consentida e enraizada, o aparecimento de "organizações não governamentais" com as mais sofisticadas roupagens e encabeçadas até por figuras de prestígio caiu como luvas nas mãos sujas dos gestores corruptos.

De 2003 a 2010, o número de ONGs saltou de 25 mil para 320 mil e já se fala na maior sem cerimônia que elas têm donos, como se fossem empresas privadas. Pode ver: esse PM que tem uma vida nababesca é apresentado como "dono" de duas ONGs. A coisa chegou a tal depravação que essas entidades são vendidas por anúncios em jornais.

Mais fácil do que simular licitações para favorecer empresas é destinar recursos para entidades, sem qualquer processo seletivo. O negócio é tão bom que muitos parlamentares têm suas próprias ONGs, irrigadas com dinheiro público para financiar seus "serviços sociais" instalados com fins absolutamente eleitoreiros.

Disse essas coisas acima para alertar a presidenta sobre a roda viva em que se encontra, à qual tende a se render diante da chantagem da governabilidade. Não vai ser a demissão de mais um ministro que a livrará do complô que investe no enfraquecimento do governo e do próprio Estado.
Orlando Silva caiu e o PC do B ficou mal na fita, mas o alvo mesmo é a presidenta, às voltas com um formato de governabilidade urdido pelo mais depravado jogo de poder. De tanto ter de livrar-se dos malfeitos dos outros ela vai acabar escorregando numa casca de banana sem ter como explicar porque seu governo abriga tantos malfeitores.
O uso de ONGs como artifícios de malandragem também não é exclusividade dos políticos. A pretexto da "responsabilidade social", muitas empresas - grandes ou médias - descobriram nelas um viés de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. Mas são raríssimas as investigações de tais práticas.
Neste momento, uma carga de pessimismo corrosivo me faz acreditar que vamos de mal a pior. Nunca se aplicou tão adequadamente aquele dilema "se correr, o bicho pega, se ficar, o bicho come".

A única coisa que eu diria à presidenta hoje seria "se tiver de errar, erre com seus próprios erros". Não se deixe rolar aos ventos de quem não está nada interessado na erradicação da corrupção, até porque nela também faz seu pé de meia.

E vá fundo na criação de mecanismos inibidores das práticas deletérias que fazem do poder público o melhor negócio privado do mundo. Ir fundo quer dizer virar de cabeça para baixo esse sistema programado para estimular o enriquecimento ilícito, às custas do erário.
 
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