Uma sociedade é tão mais civilizada quanto mais um indivíduo possa se defender, com eficiência e presteza, dos poderosos, dos ricos, dos grandes grupos. E o indivíduo só consegue se defender deles recorrendo à Justiça. A noção de justiça nasceu justamente desse desequilíbrio de forças. Para ser realmente justa, a Justiça não pode se aliar aos opressores do direito individual – tem que lutar sempre contra eles.
Quem foi o principal opressor dos direitos individuais nos últimos anos, no Brasil? A Grande Mídia.
Quantas reputações foram sumariamente destruídas por manchetes irresponsáveis, reportagens falsas, ataques caluniosos, de responsabilidade de autores de editoriais, editores, jornalistas, colunistas e blogueiros? Aqui mesmo neste blogue lemos a história tocante de vários desses casos, vidas jogadas no lixo por causa da conveniência política do momento, do interesse criminoso de determinado grupo, da necessidade de derrubar um grupo do Poder.
E quando esse indivíduo, indefeso ante um poder avassalador, recorre à Justiça, descobre que a Grande Mídia pode não ter licença para matar fisicamente, mas tem licença para matar moralmente. Anos para se conseguir uma notinha de retificação, que muitos vezes nem é publicada. Nenhuma lei de imprensa defendendo o cidadão que, sem o querer, entrou no tiro cruzado do jogo político.
É justamente essa parceria que se renova no julgamento do "mensalão". Para pior. Colocada sob os holofotes, a Justiça parece ter aprendido da Grande Mídia todos os seus truques: a necessidade de show, a arte de jogar para o público, a distorção da própria lógica jurídica (espelhando a distorção da realidade produzida cotidianamente pela Grande Mídia), o apelo às paixões populares, a fabricação de vilões (seletivamente escolhidos, e os mesmos da Grande Mídia), a promessa da catarse que libertará o País da essência do Mal.
E como isso é feito? Agindo-se exatamente como a Grande Mídia, ou seja, desconsiderando os direitos individuais. Todos à fogueira! Ao grupo artificialmente unificado (os "mensaleiros"), que cometeu um crime artificialmente unificado (o desvio de dinheiro público), uma punição artificialmente unificada (a desejada condenação de todos).
Entorta-se o Direito para que provas "tênues" ou mesmo a inexistência de provas signifiquem culpa incontestável. Para pegar os peixões, sem os quais o show não estará completo, arrasta-se a rede e levam-se os peixinhos que estão pela frente.
E o indivíduo que assiste a este espetáculo sem se deixar pautar pela Grande Mídia, o que ele sente? Ficou mais ou menos seguro, em sua desimportância, com essas demonstrações de poder do Judiciário? Sente-se protegido, com essa associação explícita entre o principal agressor dos direitos individuais em seu país (a Grande Mídia) e seu novo aliado?
Esta é a questão. Para agradar à "sociedade", alguns agentes deste julgamento estão escolhendo pisar no indivíduo. E quem pisa no indivíduo pisa na própria noção de Justiça.
Por mais que o ritual a que estamos assistindo se assemelhe a uma prática civilizada, não é este o caminho da civilização.
O Escritor
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