"Fui vencido pela reação e, assim, deixo o Governo. Nestes sete meses, cumpri meu dever. Tenho-o cumprido, dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções nem rancores. Mas, baldaram-se os meus esforços para conduzir esta Nação pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, o único que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.
Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive, do exterior. Forças terríveis levantam-se contra mim, e me intrigam ou infamam, até com a desculpa da colaboração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, e indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo, que não manteria a própria paz pública. Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes e para os operários, para a grande família do País, esta página de minha vida e da vida nacional. A mim, não falta a coragem da renúncia.
Saio com um agradecimento, e um apelo. O agradecimento, é aos companheiros que, comigo, lutaram e me sustentaram, dentro e fora do Governo e, DE FORMA ESPECIAL, ÀS FORÇAS ARMADAS, CUJA CONDUTA EXEMPLAR, EM TODOS OS INSTANTES, PROCLAMO NESTA OPORTUNIDADE. (Grifo meu)
O apelo, é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patrícios para todos; de todos para cada um.
Somente, assim, seremos dignos deste País, e do Mundo.
Somente, assim, seremos dignos da nossa herança e da nossa predestinação cristã.
Retorno, agora, a meu trabalho de advogado e professor.
Trabalhemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria.
Brasília, 25-8-61."
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Foi com esta mensagem que a renúncia de Jânio Quadros foi tornada pública, há exatos 52 anos. Vou reproduzir aqui também a plausibilíssima interpretação que o personagem Tibério Vacariano, do romance “Incidente em Antares”, de Érico Veríssimo, fez dessa enigmática carta-renúncia (às vezes, a ficção literária é uma fonte historiográfica mais eficiente que o próprio “historialismo oficial”). Vamos, pois, ao que nos diz o controvertido coronel Vacariano:
“No meu entender, a coisa toda não passou duma farsa mal representada... O Jânio arquitetou um golpe... Não podia governar com minoria no Congresso, sentia-se de mãos amarradas. Escreveu então a carta de renúncia... que não era pra valer. Vai então entrega a carta ao seu ministro da Justiça pra ele apresentar o documento ao Congresso de tal jeito que ela não pudesse ser submetida aos deputados e por eles julgada em definitivo, no mesmo dia. Depois chamou os ministros militares e disse: ‘Fechem ou amordacem esse Congresso de borra, me dêem poderes extraordinários senão eu renuncio e vocês terão de engolir o Jango Goulart’. Mas, como se viu, a coisa não funcionou como ele esperava. O Congresso pegou o pião na unha. Aceitou logo a renúncia e fechou a questão. O Jânio ficou no aeroporto de Cumbica esperando que o povo brasileiro se erguesse e o levasse de volta ao governo, de charola... Não apareceu ninguém.”
Inegavelmente, é um raciocínio bastante sedutor, não é mesmo? São conjecturas que falam muito de uma versão que até hoje, mais de meio século depois, ainda conta com defensores. As perguntas são muitas: o que Jânio teria ficado fazendo, das 11 horas da manhã, quando deixou Brasília, até as três horas da tarde, horário que havia sido recomendado por ele para a entrega de sua carta ao Congresso? Teria ele ficado confabulando alguma manobra junto com as Forças Armadas, devidamente acarinhadas em sua carta? Conjecturas... As verdadeiras motivações que nos é possível alcançar – além daquelas mais supostamente recônditas e que, se as houve, Jango as levou para o túmulo – estão relacionadas aos interesses das gigantescas petroleiras internacionais, insatisfeitas com a política de nacionalização do subsolo brasileiro, que dava à Petrobras o monopólio da extração do petróleo, e também à regulação das remessas de lucros das multinacionais instaladas no país, que não queriam nenhum tipo de intervenção governamental que as obrigasse a destinar cotas de seus lucros para novas inversões no Brasil. Elas queriam dragar tudo, todo o lucro obtido aqui, com a exploração dos nossos recursos naturais e dos trabalhadores brasileiros, e remeter tudo para suas matrizes.
O fato é que, horas depois do reconhecimento da renúncia pelo Congresso, o presidente da Câmara dos Deputados assumiu provisoriamente a chefia da nação, e um de seus primeiros atos foi o de mandar uma mensagem para o Congresso, comunicando aos representantes do povo que, “por motivos de segurança nacional”, os ministros militares se opunham à volta de João Goulart ao Brasil. Foi decretado o estado de sítio para todo o território nacional.
E o resto da história, a gente conhece. Todo mundo sabe onde tudo isso foi desaguar...
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