há quem goste de poema-cabeça e quem sabe que é impossível recitá-lo para uma mula sem cabeça…

mas, quando é o poema que dá cabeçadas
aí, não tem jeito…
ou bate prego na parede
o crava flexa no peito...

o sentimento mais frio cega o coração
nenhuma motivação se põe ao seu alcance
nenhum romance lhe dá alternativa
nenhuma alternativa te apoia uma emoção

… quando o poema dá cabeçadas,
não há ninguém com quem você possa dividir a solidão
muito menos compartilhar uma alegria
abafar uma melancolia
pois não há uma só alma
que deseje partilhar contigo uma derrota
que dirá uma vitória ou um empate…

… quando o poema dá cabeçadas,
é só olhar em volta para constatar…
o telefone que ninguém liga
não te ilumina um número que você possa ligar
a TV só passa filmes dos quais você não presta atenção
a festa que você vai está cheia de inimigos sorridentes
reina a mediocridade e você se sente
um estrangeiro em seu próprio país…

… quando o poema dá cabeçadas,
a sensação de que estás sendo traído e humilhado
é tão lúcida quanto arrepender-se de um pecado
a certeza de que ninguém se importa com sua agonia
só não é maior do que a sua desesperança
e na sua frente, as incertezas estão todas impassíveis
não lhe sobra nenhuma garantia de que pode estar certo ou errado
os sonhos estão entulhados de pesadelos redundantes
a paranóia te informa que você não está sendo perseguido
e a psicose te confirma: você está sendo abandonado!

… quando o poema dá cabeçadas,
o universo conspira a favor da sua desonestidade
seus desejos vão sendo imobilizados um a um
a infâmia te avisa que não terás o benefício do perdão
e você torna-se incapaz do arrependimento
e cede diante da ausência de misericórdia
à mercê do mais implacável castigo das horas
que passam por você como um tempo perdido
cuja busca será uma aventura imprudente e inglória…

… quando o poema dá cabeçadas,
a impotência se impõe diante dos teus desafios
a miséria aproxima-se da sua vida pessoal
sua individualidade fica cindida
e as desgraças dão o ar de sua graça
enquanto o pior dos medos te consome
você esquece seu nome e trata-se por um pronome
não consegue tocar na primeira pessoa do plural
nem enviar na primeira, um grito de socorro que ninguém escuta
perdendo a batalha sem ter como ir à luta…

… quando o poema dá cabeçadas,
a solidão te oferece uma fome sem comida
a sede te impõe a ausência da água
o ar te falta enquanto te sufoca
as desvantagens são suas únicas aliadas
a liberdade não lhe se serve pra mais nada
a sorte te vira a cara e te deixa numa roubada
em que nem mesmo a morte se anima a fazer sua derradeira jogada…

… quando o poema dá cabeçadas,
o poeta tá fudido e a poesia que lhe escapa
só lhe envia uma última mensagem…
resta-lhe agarrar-se a sua última chance
a mais intransferível de todas
a mais íntima das tuas verdades: a vida!

… quando o poema dá cabeçadas,
só a vida pode ser sua aliada…

… só a vida e mais nada!

 

Tavinho Paes é poeta e compositor. Como poeta publicou mais de 100 títulos em edições independentes. Fez parte da chamada "geração mimeógrafo" dos anos 70. Como compositor, assina letras de mais de 200 músicas gravadas por artistas como Caetano Veloso, Gal Costa, Bethânia, Marina Lima, Marisa Monte, Gilberto Gil, Lobão, Rita Lee, Ney Matogrosso. Foi editor de O Pasquim e Rio Capital. Tavinho é um poeta multimídia, tem mais de 10 canais ativos na web e figura emblemática da cena poética do Rio de Janeiro. 

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