Estamos, mais uma vez, em dezembro. Andando pela avenida inaugurada recentemente, limpa e bem sinalizada, passo pela entrada de uma favela. É uma viela mal calçada e tortuosa. Um sorriso quase adolescente, amarelado e falho, destaca-se na boca do cortiço. A cena é comum nesse Brasil tão rico, tão perverso, tão contraditório. Mas sempre me choca, sempre me causa indignação e, às vezes, medo.
Permaneço caminhando, faço-me uma indagação e suponho obviedades. De que sorria o garoto?... Faltava-lhe o mínimo em casa; o pai, analfabeto e desempregado, talvez andasse pelos botecos da vida a mendigar uns tragos; a mãe poderia estar esmolando com o filho mais novo ao colo ou por moedas trocando o corpo ou, ainda, no limite de sua ascensão social, trabalhando como faxineira.
Decerto, algo motivara o sorriso do menino. Afinal, o sorrir é uma exclusividade da condição humana, embora dela ele esteja na categoria dos banidos.
Duas quadras adiante, um enorme centro comercial estava engalanado para os festejos natalinos. Aquele imenso altar do consumismo, decorado com agressivo e duvidoso gosto, parecia delimitar a fronteira que nos separa dos excluídos do sistema.
É triste e angustiante constatar facilmente que, na segunda década do terceiro milênio da Era Cristã, a Idade Média ainda nos circunda. E o que é pior: não apenas na miséria do garoto, mas também, e principalmente, na mente da nossa elite tacanha, preconceituosa e insensível.
Do sorriso do garoto à farra do consumo, nada, nada mesmo, lembrava sequer a sombra do Espírito de Natal.
Tarcísio Furtado Arruda
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