A Folha de S. Paulo fala hoje, com apenas parte de todas as letras, de um assunto que já vem sendo comentado nos meios empresariais: a possibilidade de cassação das concessões da ALL – América Latina Logística – que controla uma fatia enorme de nossa malha ferroviária.
Por incrível que pareça, é o ministro César Borges – do PR e ex-PFL – um dos que mais tem colocado a faca no pescoço da empresa para que cumpra suas obrigações contratuais A Casa Civil negociava uma solução acordada, com a devolução de trechos ferroviários sob controle da ALL, mas parece que as coisas caminham para uma medida mais extremada, com a perda das concessões e de um inventário e encontro de contas entre os bens recebidos , obrigações e direitos da empresa.
A concesssionária recebeu boa parte do patrimônio da malha Sul da Rede Ferroviária Federal por algo em torno de R$ 300 milhões. Junto com a concessão, foi para a ALL o que ainda prestava de material rodante da RFFSA nos estados da região Sul para operar 7 mil km de trilhos.
A ALL é uma destas jabuticabas privatizantes paridas no Governo Fernando Henrique. O estado brasileiro fica com boa parte do capital, direta e indiretamente, e entrega o controle da empresa a privados, mais ou menos como ocorreu com a Vale e a Telemar-Oi. BNDES, Previ e Funcef têm perto de 29% do capital, seguidos da neozelandesa Global Markets Investments Limited Partnership, com 21.6%.
A propriedade da ALL é um imbroglio, no qual o participante mais conhecido é o grupo Cosan, império de açúcar e etanol do empresário Rubens Ometto. A Cosan tentou fazer uma "sinergia de negócios" levando a ALL a adquirir a Fepasa e se tornar a operadora de mais 5 mil quilômetros de linhas que cruzam o filé da produção sucroalcooleira de São Paulo.
Claro que não deu certo, como não deu certo que a Vale fosse a operadora das linhas férreas de Minas, porque quando um cliente se torna dono dos meios de transporte, é evidente que os opere apenas de acordo com as suas conveniências, não dentro de um quadro de equilíbrio concorrencial.
Deu "zebra" e conflito entre a Cosan e os demais acionistas da ALL, e não podia dar outra coisa.
E o país pagou a conta da briga, que desmantelou a já pequena capacidade da empresa de logística.
Vamos ver como o caso se desdobra. Dilma parece ter optado pela pulverização do controle, subdividindo os trechos a serem concedidos em 2014. Se houver um mecanismo de arbitramento entre diversos operadores, com obrigações de conexão muito definidas, pode funcionar.
Mas se continuarmos a ter uma operação ferroviária desconectada das necessidades de transporte intermodal, de uso múltiplo da rede férrea e, sobretudo, sem dar capacidade para o poder público regular, controlar e – até – oferecer a opção de transporte ferroviário a produtores e passageiros, o transporte ferroviário continuará a desaparecer da matriz logística brasileira.
O Estado investe pesadamente, estabelece fisicamente as linhas e, depois, elas viram um cartório do operador, que as administra com uma "sinergia de negócios", que é a ineficiência e o monopólio do uso de um bem e serviço público concedido, que tal como os ônibus, têm de transportar a todos com as mesmas regras, disponibilidades e preços.
A obra de FHC nas ferrovias é pior que a de Jânio e as centenas de cidades fantasma que criou, em 61, com a desativação dos chamados "ramais deficitários".
Porque, ao contrário dela, não atinge apenas regiões já decadentes economicamente, por mais cruel que isso tenha sido.
Toca no coração do Brasil produtivo, nas áreas de expansão agrícola .
E, de quebra, ainda leva ao comprometimento dos recursos públicos, obrigando a uma expansão rodoviária cara e urgente, maior do que deveria.
Por Fernando Brito
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