Existem lugares no mundo onde o encontro de duas pessoas de lugares diferentes e que não se viam há mais de quarenta anos é praticamente impossível. A possibilidade é quase como ganhar em uma mega-sena acumulada. Sozinho. Pois bem, a mega-sena não foi o caso, mas o encontro, sim. Preferia a sorte na loteria.
Imagine um lugar chamado Bamiyan, a quase uma hora de avião de Kabul e eu estava ali por acaso. Aliás, por acaso, não. Havia planejado, mas não naquele dia, naquela hora, naquele minuto. De repente, desço da caminhonete surrada do meu guia, Zhee, para fazer uma fotografia bem composta naquele cenário único, no vale dos Budas de Bamiyian e noto, quase no mesmo instante, a figura de um homem, cujo rosto minha memória foi buscar sem muita dificuldade no baú onde colocamos lembranças que teimamos nunca esquecer. Essa teimosia, por conta de uma mudança brusca no destino da minha vida, àquela época, quarenta e poucos anos atrás, me fez assumir um caminho de volta para casa desde o país em que morava, deixando metade do meu coração do outro lado do Oceano Atlântico, que depois se confunde com o Adriático. Por mais de quatro décadas, esse homem habitou o terreno em brasa onde estão fincadas as minhas raivas mais profundas, meus ódios santos.
São bem poucos, é verdade, mas me pegaram à traição, mudaram o curso da minha vida. Um deles estava ali, em cores vivas e o outro, nem distante, que ainda rasteja, feito cobra única de veneno verde sempre à mostra no canto da boca vincada na cara ruim. Lentamente, como nos efeitos especiais que se agrega a um filme antigo que se remasteriza para melhor visualização, caminhamos em direção ao outro para desfazer uma dúvida sobre quem éramos na verdade.
Primeiro ele: "Antonio?" Ao que respondi com o cenho franzido pela raiva acordada: "Senhor Sensi?" Era impossível que o encontro estivesse acontecendo. Por que não no lugar onde tudo começara, na Roma dos Césares, na Itália? Por que ali, sem razão lógica, sem explicação, no meio do coisa nenhuma, fora de contexto? E o mais incrível. Bem aos pés do nicho de onde um dos Budas de Bamiyan, esculpido há mais de 1.800 anos, havia sido explodido pela irracionalidade radical de homens fechados em si, nas suas razões mais absurdas, os Talibã! "Antonio, procurei você desde quando soube que você havia partido... Primeiro, na busca para encontrar um momento e as palavras certas para lhe dar as explicações pelo que aconteceu; depois, a forma de colocar as questões para não acusar Maria, minha mulher..." Pesaram sobre as costas daquele infeliz toda a minha raiva pela separação radical de menina de rosto bonito que encontrei na cantina da Universidade Internacional de Roma, a Pro-Deo, onde estudei jornalismo. "Acusar Maria, Sensi? Acusar Maria? Foi você o culpado. Você fez tudo para me separar da pessoa que eu amava..." E tive ímpetos de esbofetear-lhe o rosto, descarregando toda a minha raiva guardada e curtida ao longo de tanto tempo. "Antonio, eu nunca fiz absolutamente nada para lhe separar da minha filha. Por ela seria capaz de tudo, desde que fosse para ela ser feliz. Pergunte a Laura!" E sumiu na minha frente, como sempre somem os fantasmas... Como sumiram os Budas, transformados em pó pela loucura de homens ignorantes. Maria, por incrível que pareça, ainda vive. Resta-lhe pouco tempo de vida e o tempo que passei querendo bem a ela como se ela fosse a mais ingênua das criaturas não me deu forças para transferir um sentimento ruim para ela. Antes de virar fumaça naquela visão momentânea, gravei o rosto de Oreste com a expressão serena e sincera de quem pede perdão pelo que nunca fez...
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