Não pode haver hesitação quando está em jogo a democracia, O Brasil tem o dever de defender a legalidade e a soberania popular do governo venezuelano de Nicolas Maduro.
Breno Altman, via Opera Mundi
O jornalista Clóvis Rossi escreveu, na Folha de S.Paulo, artigo intitulado “Hora de dizer a verdade a Maduro”, criticando a posição atual do governo brasileiro acerca da crise venezuelana. Seu texto considera, a partir dos números das últimas eleições presidenciais, que o vizinho ao norte está “rachado ao meio”. E conclui: apoiar o presidente Nicolas Maduro seria “dar às costas à metade da população venezuelana, erro que nenhum país sério pode cometer”.
Traz vício de origem o apelo à neutralidade e a eventual papel moderador que poderia desempenhar a diplomacia brasileira. Rossi, com a elegância de sempre, mas desconhecimento sobre o assunto, parece estar abordando situação normal de conflito. Como se fosse, por exemplo, uma competição eleitoral ou um rally pacífico de setores oposicionistas.
O venerando repórter atropela o próprio registro que encabeça sua coluna, ao lembrar do golpe de Estado que derrubou Hugo Chavez em 2002, para vender versão edulcorada e neutra dos acontecimentos em curso, insinuando que se trata de um choque legítimo entre blocos políticos.
Nem mesmo o governador de Miranda e ex-candidato presidencial da direita, Henrique Capriles, acredita nessa lorota. Faz questão de manter distância regulamentar da aventura extremista apelidada de la salida pelos white blocs do golpismo venezuelano. Ali está em curso, novamente, operação violenta e articulada para apear do poder um presidente constitucional.
Não pode haver hesitação quando está em jogo a democracia. Defender a legalidade e a soberania popular é a tarefa fundamental dos governos da região, a começar pela mais importante de todas essas nações. A presidente Dilma Rousseff, ao subscrever nota incisiva do Mercosul e declaração inequívoca da Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), dá demonstração de grandeza e liderança. Contemporizar com o golpismo, como sugere Rossi, seria atitude pusilânime e apequenada.
Os interesses que se movem nas sombras do vandalismo oposicionista são tão perigosos quanto os objetivos dos grupos ensandecidos que fantasiam tomar Miraflores de assalto. A guerra cibernética e midiática, manipulando informações e imagens, sinaliza que o discurso de Barack Obama, alinhado à intentona da direita, não se esgota no palavrório. A Casa Branca dá sinais que considera a derrocada de Maduro, já e agora, um componente fundamental de sua geopolítica para o petróleo e a América Latina.
O silêncio brasileiro, portanto, não seria apenas desfeita à causa democrática que tanto sangue, suor e lágrimas custou ao continente. Nações que desejam construir caminhos autônomos, em aliança com seus parceiros naturais, devem ter na solidariedade uma política de Estado. Fraquejar nessas horas significaria retirar os sapatos diante de quem aspira retornar à época em que esse canto do mundo aceitava ser o quintal de uma potência imperialista.
Por fim, a tese da “divisão ao meio” é falácia para subtrair legitimidade de um governo soberano. Desde quando uma pequena diferença eleitoral torna iguais quem ganhou e quem perdeu na escolha popular? Está correto um jornalista do calibre de Clóvis Rossi omitir que o chavismo venceu 17 das 18 contendas eleitorais que travou desde 1998? Que elegeu 20 dos 23 governadores nas últimas disputas regionais? E 75% dos prefeitos em consulta às urnas há menos de três meses?
O presidente Nicolas Maduro tem reagido com firmeza e equilíbrio para deter a onda de violência e os planos de sublevação. Cumpre obrigação de preservar a democracia e a paz como manda a lei, mas sua aposta principal é convocar às ruas seus compatriotas, em defesa da Constituição. Estende as mãos para quem não compactua com o golpismo, ao mesmo tempo que promete ser implacável contra os que quiserem usurpar o poder pela força.
Não poderia ser outra a atitude do governo que não ombreá-lo na resistência legalista. As correntes reacionárias podem reclamar o quanto quiserem, e Clóvis Rossi pode lhes oferecer consolo, mas a Venezuela não está isolada como o Chile de Allende ou o Brasil de João Goulart, a bel prazer dos que almejam destruir as instituições democráticas.
Breno Altman é jornalista, diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel.
Nenhum comentário:
Postar um comentário