O deputado Eduardo Cunha (RJ), líder do PMDB na Câmara, atribuiu a “um ato atabalhoado” do petista Aloizio Mercadante, a crise que se instaurou nas relações do Planalto os deputados peemedebistas. “Foi o ato de estreia, foi o primeiro ato do Mercadante como chefe da Casa Civil”, disse o deputado em entrevista ao blog, na noite desta quarta-feira (6).
Reunida por quase quatro horas, a bancada do PMDB decidiu divulgar uma nota para expressar sua insatisfação com os rumos da reforma ministerial de Dilma Rousseff. No texto, anota que “prefere não indicar” novos titulares para as pastas do Turismo e da Agricultura. Deixa a presidente “à vontade à para contemplar outros partidos em função das suas conveniências políticas e/ou eleitorais.”
Eduardo Cunha contou que, na véspera, comparecera à cerimônia de posse de Mercadante, no Planalto. Entrou na fila dos cumprimentos. Ao apertar a mão do novo chefe da Casa Civil, ouviu dele um apelo para que “ajudasse no processo” de substituição dos ministros. Respondeu que a proposta feita pelo governo ao PMDB era “inaceitável”. E informou que a bancada de deputados do partido estava “em rebelião”.
Terminada a solenidade, Mercadante foi à presença de Dilma. A presidente, então, tocou o telefone para o vice-presidente Michel Temer, presidente licenciado do PMDB. “Ela ligou para o Michel como se eu tivesse dito ao Mercadante que a bancada do PMDB iria romper com o governo”, relatou Eduardo Cunha. “Eu nunca falei isso. Eu não disse isso para ele. Esse ato atabalhoado dele acabou acirrando a confusão.”
De acordo com Eduardo Cunha, Dilma informou a Temer que, em função do relato que ouvira de Mercadante, iria “parar as negociações” com o PMDB. O comentário acendeu o pavio da revolta que levaria à confeção da nota da bancada de deputados do partido de Temer. A proposta que o líder tachara de “inaceitável” previa a acomodação do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) na pasta da Integração Nacional. Em troca, o partido entregaria ao PTB o Ministério do Turismo, hoje um pedaço da Esplanada que integra a “cota” do PMDB da Câmara.
“O PMDB estava levando a fama de fisiológico sem ser”, queixou-se Eduardo Cunha na entrevista. “E o governo às vezes faz questão de colar essa fama no PMDB. Mas na realidade quem tem o maior espaço guloso no governo é o PT, não o PMDB. Nessa reforma, o PT resolveu a vida dele rapidamente: Saúde, Educação, Casa Civil. Foi tudo resolvido e empossado! Com o PMDB, tudo é um grande estresse. Não tem sentido tratar um aliado desse jeito.”
Na nota, os deputados do PMDB reiteram “a disposição de manutenção de apoio ao governo”. Na entrevista do líder, a “disposição” governista é, por assim dizer, atenuada: “Já fiz muitos apelos para a bancada votar coisas que ela não queria votar. Talvez os meus apelos não sejam mais atendidos daqui pra frente”. Vai abaixo a íntegra da conversa com Eduardo Cunha:
— A nota não do PMDB informa que a bancada da Câmara não indicará mais nomes para os ministérios, mas não rompe com o governo. Qual é o objetivo prático da manifestação? Não posso romper com um governo que ajudei a eleger. Mas o PMDB também não vai ficar com a pecha de fisiologista, de que está rompendo porque ameaçaram tirar um ministério. O que a gente não está aceitando mais é esse jogo de fingir que participamos de um negócio que não temos. Fica essa especulação em cima da gente de que vai tirar cargo para atender ao partido ‘a’, ‘b’ ou ‘c’, sempre em cima do PMDB como se o partido estivesse contemplado. E ninguém se sente contemplado. A bancada do PMDB da Câmara não se sente no governo.
— Como assim? Se você for ver o que o PMDB tinha no governo Lula, só na Câmara nós tínhamos Saúde, Integração Nacional, Agricultura, diretoria da Petrobras, Furnas, Funasa, Secretaria de Atenção à Saúde Básica, duas diretorias do Banco do Brasil… Todos esses cargos foram tirados do PMDB. Ficamos com dois ministérios horrorosos: a Agricultura, que já tínhamos, e o Turismo. Perdemos todos os cargos de segundo escalão, a diretoria da Petrobras, as vice-presidências do Banco do Brasil…
— Mas a bancada da Câmara ficou com as pastas da Agricultura e do Turismo, não? No Turismo, a Embratur ficou com o PCdoB. E na Agricultura, a Conab, que era do PMDB, ficou com o PTB.
— A perspectiva de perda da pasta do Turismo provocou a nota? Já tiraram tudo. A gente não tem nada e fica com a fama de ter fome de cargos. E ainda ficam especulando que vão tirar o que o PMDB não tem. A bancada concluiu: já que a gente não tem nada, vamos ficar sem nada. E não vamos deixar de apoiar o governo por causa disso. Até porque foi um governo que a gente ajudou a eleger. Vamos cumprir a nossa missão até o fim.
— Dizia-se que a bancada poderia migrar para uma posição de ‘independênca. Mas ao que parece ficará tudo como está hoje, é isso? Nós vamos ficar como está hoje. Mas, obviamente, o tempo vai passando… Acirrando-se o processo eleitoral, acaba acirrando também no plenário da Câmara.
— Então, qual é o objetivo da nota? É o seguinte: já que a presidente está fazendo tanta questão de contemplar outros partidos e o PT tem poucos cargos, não pode ceder nada para ninguém, o PMDB está entregando o que ele tem. Se ela precisa do Turismo para atender outro partido, pode usar a Agricultura também. Vai ajudar um pouco.
— O PT tem 17 ministérios, é isso? É. Você vê que o PT tem muito pouco. O PT tem pouco espaço no governo.
— Se a presidente da República chamar os senhores para uma conversa esse quadro de contrariedade pode mudar? Quaquer coisa que vier eu levarei para a bancada. Não decidi nada sozinho. Quem tomou a posição foi a bancada. Eu fui bombeiro. A bancada estava muito mais radical do que eu. Para você ter uma ideia, eu estava light.
— Os radicais defendiam o quê? Queriam uma nota mais dura, que devolvesse todos os cargos e anunciasse uma posição de independência. A maioria da bancada estava querendo isso. Eu realmente tive muito trabalho. Levei quatro horas para convecer a bancada a aceitar os termos de uma nota que eu tinha mais ou menos entabulado.
— Então, a bancada queria a independência? Sim, devolvendo todo e qualquer cargo. Era um caminho para o rompimento.
— Essa nota não deixa mal o vice-presidente Michel Temer? Não foi esse o objetivo. Acho que quem fica mal é o governo, que trata mal o PMDB.
— O que significa tratar mal? Você acha que tem sentido o PTB, com 17 deputados, tomar o Ministério do Turismo do PMDB, que tem 76 deputados? E ainda ficariam com a Conab na Agricultura, único ministério que ficaria com o PMDB da Câmara. Isso não tem sentido.
— Acha que falta lógica à reforma ministerial? A lógica é a de buscar o tempo de televisão.
— Essa nota do PMDB terá algum desdobramento? Essas coisas você sabe como começa e não sabe como acaba. É igual CPI. É o início de um processo. Vamos ver aonde vai dar.
— Acha que vai longe? Qualquer bola dividida que vier, vamos pensar duas vezes antes de entrar de sola. Obviamente, vai ficar mais difícil daqui pra frente, vai ter coisa em que a bancada não vai concordar comigo em atender ao governo. Já fiz muitos apelos para a bancada votar coisas que ela não queria votar. Talvez os meus apelos não sejam mais atendidos daqui pra frente.
— Esse movimento pode ter reflexos na convenção de junho, que decidirá sobre a renovação da aliança com o PT? São 76 deputados, todos convencionais, todos com mais de um voto.
— Diria que a renovação da aliança está ameaçada? A renovação da aliança está em xeque não em razão de composição de ministérios. Ela está em xeque por causa das coligações estaduais. E tentaram resolver um palanque estadual em cima da participação do PMDB da Câmara.
— Refere-se à oferta de Dilma para que o senador Eunício Oliveira assumisse a pasta da Integração Nacional? Toda a crise foi criada por acharem que poderiam resolver o problema de um palanque estadual do Ceará em detrimento da bancada do PMDB na Câmara. Se queriam resolver o palanque deles, que resolvessem em cima do PT, não do PMDB.
— O nome que estava negociado com o PMDB da Câmara era o do senado Vital do Rêgo, não é isso? Com um ministério a mais, teria nosso apoio incondicional. Mesmo que fosse nomear o Vital, num processo que implicasse a perda de um ministério da Câmara, os deputados não acetariam. Ninguém tem nada contra o senador Eunício ou o senador Vital. A gente apoiou o nome do senador Vital dentro de um contexto em que haveria mais um espaço para reconhecer o tamanho do PMDB e aproximá-lo da participação que tinha no governo Lula.
— Essas negociações foram feitas sem a participação da Câmara? Estávamos completamente à margem.
— Os senhores não se consideram representados nas reuniões pelo deputado Henrique Alves? O Henrique, quando foi chamada para a reunião, não foi informado sobre esse processo. Foi comunicado sobre a possibilidde de troca do Turismo pela Integração Nacional. A bancada poderia aceitar, mas não trocando a participação da Câmara pela do Senado. O nosso acordo é que a gente apoiaria a entrega de mais um ministério para o Vital. Isso teria o nosso apoio.
— Esse processo de negociação foi conduzido pelo ministro Aloizio Mercadante? O Mercadante cometeu um grave erro na terça-feira. Gerou uma tensão desnecessária. Fui à cerimônia de transmissão do cargo da Gleisi [Hoffman] para o Mercadante, na Casa Civil. Fui cumprimentá-lo na fila que se formou após a transmissão do cargo. E ele tocou num assunto. Eu dei uma resposta. E ele levou essa resposta para a presidente. E ela ligou para o Michel [Temer] como se eu tivesse dito que a bancada do PMDB iria romper com o governo. Eu nunca falei isso. Eu não disse isso para ele. Esse ato atabalhoado dele acabou acirrando a confusão.
— O que o ministro Mercadante lhe disse na fila de cumprimentos? Quando eu o cumprimentei, ele me pediu que ajudasse no processo. Eu disse que essa proposta que tinha sido colocada era inaceitável e que a bancada estava em rebelião. Foi o termo que eu usei. E ele simplesmente levou isso para a presidente como se eu estivesse querendo romper com o governo. Eu não disse isso.
— E a presidente ligou para Michel Temer para dizer o quê? Ligou para dizer que ia parar as negociações em função disso. Foi isso que gerou a tensão toda. A tensão vem de um ato atabalhoado do Mercadante. Ninguém discute um assunto dessa gravidade numa fila de cumprimentos.
— Foi em função desse entrevero que a bancada decidu se reunir? Sim. A crise do PMDB foi o ato de estreia, foi o primeiro ato do Mercadante como chefe da Casa Civil. O PMDB estava levando a fama de fisiológico sem ser. E o governo às vezes faz questão de colar essa fama no PMDB. Mas na realidade quem tem o maior espaço guloso no governo é o PT, não o PMDB. Nessa reforma, o PT resolveu a vida dele rapidamente: saúde, educação, Casa Civil. Foi tudo resolvido e empossado. Com o PMDB, tudo é um grande estresse. Não tem sentido tratar um aliado desse jeito.
— Na manhã desta quarta-feira, Michel Temer o chamou para uma conversa em seu gabinete, não? Chamou.
— Nessa conversa, ele lhe pediu para abortar a nota da bancada PMDB? Ele não pediu e não tinha espaço para pedir. Por delicadeza, mostrei a ele a ideia. Não sabia se a bancada aprovaria ou não.
— Ele aprovou os termos da nota? Não posso atribuir a ele essa responsabilidade. A responsabilidade disso é minha, não dele.
— Depois da divulgação da nota houve alguma reação do Planalto? Desconheço até agora.
— Acha que, mantido o padrão de relacionamento nos Estados, pode haver reflexos na convenção nacional do PMDB? Hoje, a vontade de todos nós é de permanecer na aliança e tentar resolver os problemas. Mas é óbvio que as dificuldades regionais poderão levar a um acirramento, com influência na renovação da aliança. Não trabalhamos para isso, mas pode acabar acontecendo. Essa é uma outra discussão.
— Em vários Estados, entre eles Rio e Ceará, dois colégios eleitorais com grande número de delegados na convenção do PMDB, a situação está perdida, não acha? O caso do Ceará foi agravado nesta semana com esse gesto [de convidar o Eunício Oliveira para um ministério com o objetivo de retirá-lo da disputa pelo governo do Estado]. O Rio já está perdido. Mesmo que a posição do governador [Sérgio Cabral] seja de declarar que pode apoiar, o partido no Rio de Janeiro não pretende apoiar. É um problema sério. Não estou dizendo que eu, Eduardo, vá fazer isso. Tenho que tomar cuidado em razão da posição de líder. Não gosto de misturar as coisas. Não se pode misturar o caso da convenção com essa situação de hoje. São duas coisas distintas. O problema da conveção vem dos palanques estaduais. O risco já existia independentemente da posição que a bancada tomou hoje.
— A intenção dos senhores de realizar uma pré-convenção em março ou abril para aferir a posição dos Estados está em pé? Essa proposta persiste. Essas coisas, em política, não têm segredo. Ou se realiza uma composição ou as coisas acabam acontecendo mesmo.
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