Todo mundo tem uma história para contar

Quando a gente ainda é moleque, tem uma cadeia de acontecimentos que acabam fundamentando os critérios que vamos adotando durante a vida.
O acontecimento que vou contar se deu naquela fase em que nossos pais estão morrendo de medo de nos tornarmos vagabundos e nos empurram para o primeiro emprego que surgir pela frente.
Em uma dessas nada glamourosas vagas, acabei me deparando com essa figura que acabou representando pra mim a imagem clássica do chefe. Ele era uma espécie de J. J. Jameson, sempre irritado, pronto a fazer brincadeiras desconcertantes e, principalmente, para dar broncas. Praticamente todos os dias alguém entrava pela porta do seu escritório e ele ouvia as justificativas para quaisquer eventuais falhas ou atrasos.
Para ele, não importava se a mãe de alguém tinha morrido, se o ônibus quebrou, se houve um alagamento que engarrafou a cidade inteira ou se o prefeito resolveu começar uma obra em alguma importantíssima via. Ele sempre fazia o julgamento que achava necessário, dizia o que tinha que dizer e, depois, quando o tal funcionário saia pela porta, dizia: “todo mundo tem uma história pra contar.”
Fiquei com essa frase na cabeça um bom tempo. Eu tinha a nítida impressão de que ele falava aquilo com bastante desprezo, julgando todo mundo como preguiçoso.
Agora, anos depois, encontrei essa tirinha. O autor, Luke Pearson, tentou submetê-la em um concurso de quadrinhos do The Guardian. Porém, o destino não sorriu amigavelmente para ele e a história foi rejeitada.
De uma certa forma, ela me lembrou a frase do meu velho chefe, mas por um outro viés. A gente está por aí, andando pelo mundo, errando, mandando mal, cobrando, sendo cobrado, se apegando, travestindo isso de amor, recebendo foras, odiando, as coisas estão saindo dos nossos planos, insistimos, choramos, choramos, choramos… mas a gente está fazendo o nosso melhor. Mesmo que esse melhor às vezes seja bem ruim.
Se a gente parasse pra ouvir ao invés de ficar tão preocupado com nosso próprio ponto de vista, ia ver que, realmente, todo mundo tem uma história pra contar.
Luciano Ribeiro


Editor do PapodeHomem, ex-designer de produtos, apaixonado por ilustração, fotografia e música. Ex-vocalista da banda Tranze (rock’n roll). Volta e meia grava músicas pelo Na Casa de Ana. Escreve, canta, compõe e twitta pelo @lucianoandolini.

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