Do Observatório da Imprensa, por Luciano Martins Costa
Os limites da indignação da imprensa
A crise suscitada no interior do governo federal pelas denúncias envolvendo o deputado André Vargas (PT-PR) tem como epicentro o doleiro chamado Alberto Youssef. Trata-se de personagem esquivo dos bastidores do poder, atuante em variadas instâncias, com aparições fantasmagóricas aqui e ali, sempre em papel de coadjuvante, mas definidor da trama. Por alguma razão, as investigações sobre suas atividades nunca chegaram a um ponto conclusivo.
No presente episódio, Youssef aparece novamente como suspeito de ser o nó central de transações obscuras envolvendo políticos. Mas pode-se apostar que, seja qual for o desfecho do caso que envolve o deputado Vargas, o doleiro seguirá agindo nas sombras do sistema, com mais um processo nas costas e disposto a inventar novas maneiras de continuar prestando seus serviços.
Nem a imprensa, nem os partidos políticos parecem ter interesse em aprofundar as investigações que agora apontam para o deputado André Vargas, porque mexer com Youssef é revirar um lixo que ninguém quer ver exposto.
Um inquérito destinado a documentar a movimentação financeira de Alberto Youssef desde os anos 1990 poderia trazer a público evidências de que a lavagem de dinheiro é prática que extrapola os quadrantes de Brasília, alcançando não apenas o mundo político, mas também empresários, executivos, jogadores de futebol, artistas, chefes de igrejas e até mesmo organizações jornalísticas e celebridades da televisão. Antes dele, o mesmo esquema foi tocado por outros protagonistas, hoje inativos ou mortos, e a pista vai se diluir na obscuridade dos tempos.
O noticiário indica que a renúncia do deputado André Vargas parece ser a melhor solução para todos, inclusive a imprensa. Entre acusados e acusadores que frequentam as páginas dos jornais, há um limite claro para o escândalo: a participação do doleiro no chamado caso Banestado.
No entanto, o leitor ou a leitora atenta dificilmente vai ter o privilégio de ler uma reportagem que apanhe essa ponta e destrinche o novelo. Simplesmente porque, em algum momento, o acusador poderá se ver sentado no banco dos réus. Por isso, até mesmo a indignação manifestada por uns e outros na imprensa é relativa.
As confrarias do poder
Um repórter suficientemente obstinado, com tempo e recursos, poderia limpar essa trilha, destrinchando os empreendimentos tocados por Youssef em variados setores, por onde, segundo tem sido divulgado nos últimos anos, trafegaram muitos milhões de reais, transacionados no sistema de financiamento de campanhas eleitorais ou simplesmente levados para abrigos seguros em contas no exterior.
Youssef tem todas as características de ser um homem profundamente honesto no campo restrito das ações delinquenciais que lhe são atribuídas: sempre absorveu os golpes, sem nunca apontar o dedo para seus sócios. Por isso, caro leitor, cara leitora, leia com espírito aberto tudo que sai nos jornais por estes dias sobre o escândalo da hora.
O deputado André Vargas vai fazer um enorme favor ao governo federal, ao Partido dos Trabalhadores, à oposição e à própria imprensa se aceitar a oferta de renunciar ao mandato. O noticiário das edições de quarta-feira (9/4) indica que nem mesmo a acirrada disputa pelo poder central é capaz de quebrar aquilo que define a teleologia da política, ou seja, a finalidade, o propósito, da política, que é manter a própria política.
Há, evidentemente, o risco de a Polícia Federal insistir em levar às últimas consequências essa investigação, quebrando o pacto silencioso que une acusadores e acusados e determina o ponto até onde os atores da contenda sabem que podem conduzir um escândalo sem matar a galinha dos ovos de ouro. Mas essa hipótese só tem valor se a imprensa estiver disponível para manter o assunto nas primeiras páginas, ou se estiver disposta a dedicar a ele o horário nobre dos telejornais.
Portanto, estamos assistindo a um episódio emblemático na história de um país que conseguiu superar a ditadura mas não foi capaz de construir sobre ela um sistema que fosse ao mesmo tempo democrático, eficiente e provido de defesas contra a corrupção.
A imprensa poderia contribuir para romper esse círculo de confrarias, se não fosse parte delas.
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