A vida tem sentido?

Entardecer: a viagem ao começo da noite
“Vi o fim de mil vidas, de jovens e velhos. E cada um deles estava tão seguro de sua realidade, de que sua experiência sensorial formava um indivíduo único, dotado de propósito, de significado, tão seguro de que era mais do que um fantoche orgânico. Bom, a verdade sempre aparece, e todo mundo percebe que, quando as cordas são cortadas, todos caímos.
Não importa se eles já estão mortos, você ainda consegue ler em seus olhos. E o que você vê? Que eles deram boas-vindas à morte. Não no início, mas exatamente no último instante.
Isso é um alívio inconfundível, pois antes eles estavam com medo e aí percebem pela primeira vez como é fácil simplesmente se entregar.
E eles percebem naquele último nanosegundo que eles, que você, você mesmo, que todo esse grande drama não passa de um ajuntamento de presunção e de tola vontade, e que você pode finalmente se deixar levar, agora que não precisa suportar tudo com tanta firmeza, e ver que sua vida, que todo seu amor, seu ódio, suas lembranças, sua dor, tudo isso foi uma mesma coisa: tudo o mesmo sonho, um sonho que você teve dentro de um quarto trancado em sua cabeça, um sonho sobre ser uma pessoa.”
Ao lermos essas palavras, ditas pelo personagem Rustin Cohle (interpretado pelo vencedor do Oscar, Matthew McConaughey) do seriado True Detectives, é quase impossível resistir à tentação de clicarmos em outra aba do navegador, consultarmos outra notícia qualquer ou qualquer atualização no Facebook.
Os mais descuidados em relação às suas próprias vidas, os menos interessantes dentre os seres humanos podem até esboçar uma frase padrão como “bobagem, o importante é deixar a vida me levar” e recorrer a alguma difusa lembrança sobre suas convicções espirituais — mas nada muito complicado ou sério porque cansa.
Trata-se de puro instinto de autopreservação.
As palavras do personagens são quase tóxicas, radioativas para nossos egos, ciosos que somos de nossa importância.
Porém, há uma desonestidade fundamental em lermos essas palavras e desviarmos nossos olhos delas sem ao menos uma detida reflexão. E se trata do pior tipo de desonestidade: aquela que cometemos contra nós mesmos.
É desonesto não porque as palavras de Rustin sejam necessariamente verdadeiras, mas porque só podemos ser francos diante de nós próprios após experimentarmos a visão de mundo que nos é duramente proposta por elas, encarando a questão sobre se tais palavras descrevem ou não uma verdade. Afinal, o personagem Rustin e todos aqueles pensadores e filósofos reais que ele representa não pretendem expressar uma opinião, mas descrever um fato.
Então, se a descrição feita for falsa, apenas perderemos um pouco de nosso tempo com uma bobagem. Mas se a descrição for real, então nossa desonestidade resultará em que só descobriremos a verdade sobre nossas próprias vidas quando esse conhecimento não for de utilidade alguma.
E acontece que mesmo uma verdade dura, amarga, é mais útil e preciosa para nossas vidas do que todas as ilusões coloridas que possamos ter a respeito dela, e acredito nisso pois tenho um lema que me guia: às vezes há uma grande potência em reconhecer o quão pouco se pode. Leia mais>>>