Esqueça um pouco da grana |
Comecemos do começo. Você já parou pra pensar por que damos valores diferentes para as coisas? Não se prenda na noção econômica, em que a demanda influencia o preço ou a quantidade de trabalho empregado terá relação com seu custo.
Vamos para um pensamento hipotético: se não existissem pessoas para julgá-lo, como você daria valor as coisas?
Quem sabe acharia que o justo seria pagar muito menos por uma assinatura de TV a cabo do que por uma escova de dentes? É provável que pagasse muito mais em um x-salada do que em uma gravata. Aliás, é provável que você nunca sequer comprasse uma gravata.
É interessante notarmos que nossa noção de valores é uma característica que deriva muito mais da hereditariedade do que da experiência. Somos constantemente movidos pelo senso comum, que nada mais é do que a proposição superficial de que algo seja normal, baseado em uma compreensão que herdamos de outras gerações.
Pensando assim, podemos chegar a conclusão de que o maior mantenedor de valores durante grande parte de nossas vidas seja o senso comum. Faz ainda mais sentido se pensarmos nele como um tipo de vantagem adquirida, algo que nos auxilia e favorece em uma espécie de seleção natural 2.0.
É fato que, na natureza, características favoráveis hereditárias tornam-se mais comuns ao longo das gerações e o inverso ocorra com as desfavoráveis, mas seria possível termos pregado uma peça em nós mesmos ao tratarmos as tradições como vantagens e reguladoras de valores?
A resposta a para essa pergunta é um tanto quanto nublada. Por um lado, as tradições nos facilitam uma vida comum, sem riscos e com o mínimo de julgamentos negativos. Elas nos indicam o que fazer quando a escola acaba, a época que devemos casar, a maneira com que nos relacionamos com nossas mulheres. Nos dizem que o preço de um carro deva ser maior do que de uma viagem e que devemos usar calças e não saias. Isso nos faz evitar muitas “complicações sociais”, com certeza.
Resumindo, as tradições nos poupam de um caminhão sem fim de problemas e de questões que gastaríamos muita energia para decidirmos a respeito.
Olhando por este lado, a noção de valor derivada das tradições é bastante atraente e pode ser tida como legitimamente melhor para grande parte da população. Acontece que nem só da maioria se vive o todo. Existe, e sempre existirá, uma parte de seres desajustados da atualidade. Não me refiro a pessoas que queiram viver “como antigamente”, tipo um Clint Eastwood em seu Gran Torino, nem aos Stevies Jobs que gostariam de criar o futuro.
Falo de uma parcela de pessoas que quer viver o presente, mas, mesmo tentando, não conseguem se adaptar às tradições (e, por consequência, valores) da sociedade. Esses “outsiders” tendem a fazer e ver as coisas de maneira diferente apenas pelo fato de, por não se sentirem confortáveis em diversas situações, sentem-se compelidas a “adaptar” seu cotidiano em busca de uma felicidade mais genuína.
É aquele seu amigo que, ao invés de um cão, tem uma tartaruga. Seu tio que, em vez de ter um apartamento, preferiu passar a vida viajando e nunca teve filhos. Eles são, na maioria das vezes, pessoas comuns com atitudes incomuns e são posturas como essas que nos tiram do piloto automático, que nos fazem questionar o valor regulamentado pelas tradições.
Não que elas nos façam preferir jabutis no lugar de cães, mas com certeza são estas ações que nos fazem refletir por que preferimos um animal a outro. São estas situações que nos permitem estimar o que nos cerca e que, para outros, poderia não ter apreço algum.
Mesmo nos livrando do valor hereditário das coisas, é inegável que só compreendemos o quanto algo realmente vale com o auxílio de outra pessoa. Raramente este tipo de entendimento é obtido de maneira solitária. E esta é a maior virtude da existência da sociedade, permitir que a visão do outro torne a minha ainda mais clara, abrangente e rica.
Se o dia a dia costuma amortecer nossos olhos, se a rotina tende a transformar o fantástico em banal e se o cansaço é um larápio de belezas, que o estranhamento alheio nos auxilie a enxergar como nossa vida realmente é, permitindo que notemos o valor de coisas que, usualmente (ou “tradicionalmente”) não daríamos muita atenção. É uma chance mesmo de expandir o olhar.
Por fim, tenho três recomendações:
- O livro Walden, do escritor americano Henry David Thoreau;
- O filme Waking Life (2001);
- O pensamento de que seu pai vai morrer amanhã (sim, isso mesmo).
E por hoje é só, amigos. Como sempre, espero que tenha sido útil ou, ao menos, divertido.
BRUNO PASSOS
Estilista e dono da Conto Figueira. Ama livros, filmes, sol e bacon. Planeja virar um grande pintor assim que tiver um quintal.
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