No dia do aniversário "Bem", ela ganhou o telefone com que tanto sonhava: um iPhone! "Leãozinho" deu o aparelho, mas esqueceu de anotar o número que estava já instalado nele. Tinha nada, não, assim que "Bem" voltasse da viagem de urgência que faria a Buenos Aires, acompanhando uma tia doente, se falariam. Um mês passaria depressa. Acostumara-se a chamar a amante de "Bem" porque era assim que tratava a esposa e não haveria risco de trocar os nomes. A mulher tinha um nome comum, mas o de "Bem", era meio estranho: Jopsla! Ninguém sabia a origem do nome, mas não vinha ao caso. "Bem" estava de bom tamanho. Novo telefone, chip novo, pré-pago, e o número não importava, pois sempre que "Bem" ligava, o que aparecia na tela de "Leãozinho" era "número confidencial" que era para disfarçar no caso da patroa atender. Por uma questão cultural, toda patroa se acha no direito de atender o celular do seu esposo e se o telefone dele tocasse assim, no meio de qualquer hora do dia, ela perguntava em tom de exigindo uma resposta:
- Quem é, meu filho!
Se o "Leãozinho" ficasse dizendo "alô! alô!", no terceiro "alô", já estava combinado, "Bem" desligaria imediatamente sem falar". E aí, ele respondia sem alterar, o batimento cardíaco ou inventar uma desculpa mais complicada:
- Sei lá, Bem, é número confidencial.
E a "Bem" da paixão ligaria meia hora depois. Tudo certo, tudo combinado, e nunca falhou. Ele, por sua vez, nunca ligava para ela, para evitar de deixar gravado um número que podia ser questionado por sua patroa há mais de trinta e cinco anos. "Bem", a bem da verdade, nasceu quinze anos após o casamento de Leãozinho com sua patroa. Ela, virgem donzela, casara-se com ele de véu e grinalda e levava muito a sério esse negócio de "até que a morte os separe", senão...! Tolerância zero! Marcação cerrada. Os encontros dos dois sempre eram pela manhã, três, quatro vezes por mês, quando Leãozinho tinha, digamos, permissão para uma caminhada na Beira-Mar. Aliás, por falar em Beira-Mar, certa vez Bem se engraçou de um cordão de ouro que recebera da esposa e ele, muito afoito, tirou do pescoço e colocou no pescoço dela. Em casa, juntou o útil ao agradável dizendo que um marginal conhecido na área havia arrancado com alguma brutalidade. "Olha aqui, olha aqui..." - apontando para a marca roxa do beijo dado só para infernizar, Bem era assim mesmo, bem moleca. Pois bem, "Bem" ganhou o telefone chique e viajou com a tia doente a Buenos Aires. A tia doente era um senhor também já entrado na idade, como Leãozinho. Bem foi, mas não gostou de Buenos Aires, reclamou que não entendia a língua e mais ainda detestou o frio. Melhor para "a tia doente" que ficou a maior parte do tempo no quarto do hotel barato perto da Calle Florida! Na outra ponta, Leãozinho contava os dias. "Assim que você chegar, quero que vá me encontrar com aquele vestido curtinho, mas vá só de vestido..." "Combinado, Leãozinho, pode deixar...". Quando Bem chegou, ligou. Mas quem atendeu? A patroa. Bem estava no banheiro... Lá de dentro, quase dá a maior bandeira ao gritar entre o ansioso e o desesperado:
- Quem é? Quem é? É confidencial?" - deixou escapar. "É, por quê?" respondeu a patroa emendando "por acaso está esperando alguma ligação confidencial?" Bem não ligou depois de meia hora, mas se ligou ele não soube. A patroa não só desligou o telefone como fez pior: tirou a bateria.
by A. Capibaribe Neto no Diário do Nordeste
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