Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
A pressão sobre o ministro Luiz Roberto Barroso, novo relator da AP 470, obedece a uma finalidade óbvia: eternizar o ambiente de perseguição política que Joaquim Barbosa construiu em torno de José Dirceu, José Genoíno e demais condenados pelo STF. Sentindo-se em posição de orfandade, agora que se forma uma nova maioria no tribunal, aliados de Joaquim procuram chantagear o novo relator.
Critica-se Barroso por ter lembrado que quem está preso tem pressa – quando essa afirmação merece elogios, não só pelo aspecto humanitário, mas também por revelar uma compreensão adequada da natureza do Direito. No caso da AP 470, a crítica expressa uma incoerência de envergonhar. As mesmas vozes que passaram meses cobrando “celeridade” da Justiça, aceitando atropelos diversos em direitos e prerrogativas dos réus -- inclusive a manutenção do sigilo sobre o inquérito 2474 com o argumento que ele poderia contribuir para atrasar a decisão -- agora têm coragem de criticar Barroso porque ele prometeu rapidez aos condenados.
Discursos festivos à parte, é preciso cultivar um desprezo profundo pelo direito de homens e mulheres a viver em liberdade para não enxergar o caráter inaceitável de manter uma pessoa presa por 24 horas – ou mesmo uma hora, ou 15 minutos – de forma injusta ou arbitrária.
O que se quer, é claro, não é defender a liberdade nem o direito das pessoas. A caminho da mais disputada eleição presidencial desde 2002, pretende-se manter o ambiente de espetáculo e castigo, com a convicção de que será útil nas urnas. O que se quer é impedir que críticas cada vez mais amplas sobre o julgamento, envolvendo vozes insuspeitas do judiciário e dos meios acadêmicos, despertem a curiosidade e a dúvida de cidadãos e eleitores.
Em qualquer caso, não custa lembrar que, do ponto de vista da Justiça, a decisão já virá com atraso.
Condenado ao regime semi-aberto, José Dirceu já completou sete meses em regime fechado, situação que contraria uma jurisprudência de mais de quinze anos da Justiça brasileira. José Genoíno só retornou a Papuda depois que sucessivas juntas médicas foram convocadas a produzir laudos e mais laudos até que se chegasse a um documento cuja finalidade real não tem a ver só com a medicina, mas com a polícia -- um atestado médico de grande utilidade para evitar denúncias de responsabilidade caso venha a ocorrer um acidente ou mesmo tragédia durante sua permanência na prisão. Não por acaso, o procurador-geral, Rodrigo Janot, já se manifestou a favor de Genoíno.
Outros presos da AP 470 foram liberados e aprisionados de novo ao sabor de conveniências de momento, a partir de denuncias absurdas de privilégios e regalias que jamais foram comprovadas.
São estes casos que Barroso irá examinar nos próximos dias, com a intenção de chegar a uma solução antes do recesso do Judiciário, que começa a 1 de julho. Preparando-se para deixar o STF numa saída que “não poderia ser menos gloriosa,” nas palavras de Merval Pereira, Joaquim Barbosa já recebeu o pedido de colocar o assunto em pauta, na quarta-feira. Poderá fazê-lo, ou não. A pauta é uma decisão do presidente, diz o estatuto do STF. Se não o fizer, levará Barroso a tomar a decisão de forma monocrática, o que é direito do relator. Não surgiram, até agora, razões jurídicas capazes de fundamentar uma decisão contra os réus..
Ao renunciar a posição de relator da AP 470 o ministro Joaquim Barbosa deu explicações que chamam atenção pelo absurdo. O ministro acusou os advogados dos réus de “agir politicamente.” Antes fosse verdade.
Ao longo de todo julgamento a defesa optou por uma atuação de caráter técnico, de quem acreditava que a AP 470 seria um processo igual a todos os outros, com a preservação dos direitos e garantias assegurados aos milhares de brasileiros que, todos os dias, com motivos justificáveis ou não, são levados a prestar contas a Justiça. Os advogados cobraram fatos e provas robustas e, na medida em que eles nunca foram apresentados, apostavam na absolvição da maioria de seus clientes. Não estavam aptos para enfrentar uma ofensiva de conjunto contra os réus. Não imaginaram que iram enfrentar uma força que pretendia arrancar condenações de qualquer maneira.
Num dos momentos culminantes da fase final do espetáculo, quando o recém-chegado Barroso lembrou a denuncia de que as penas haviam sido agravadas artificialmente para permitir condenações em regime fechado, o próprio Barbosa confirmou ao vivo e a cores que havia sido assim mesmo – e ninguém interrompeu o debate, nem pediu maiores explicações, nem achou que era muito estranho nem cobrou nada.
Quem agiu politicamente, no início, no meio e no fim, foi a acusação. A partir da noção de que o país precisava de “exemplos” para deter a corrupção do sistema político, aceitou-se abolir garantias importantes para a defesa dos réus. Negou-se o direito a um segundo grau de jurisdição a toda pessoa que não tem prerrogativa de foro, condição que atingia 90% dos acusados. Durante o julgamento, ocorrido em 2012, um ano eleitoral, os ministros permitiram-se fazer críticas de caráter político ao Partido dos Trabalhadores, chegando a denunciar que pretendia eternizar-se no poder graças a um sistema financeiro de “compra de votos” que “conspurcava” a vontade do eleitor. Contrariando documentos disponíveis nos autos, ministros falavam em desvio de dinheiro publico -- sem que fosse possível apontar um único centavo retirado dos cofres do Banco do Brasil, onde, conforme a acusação, ocorriam as falcatruas.
Derrotado nos embargos infringentes, a atuação recente de Joaquim Barbosa não passou de uma tentativa de revogar, na prática, os benefícios a que os réus teriam direito depois que o plenário do STF retirou a condenação por quadrilha. Mais uma forma de “agir politicamente.”
É neste ambiente que Luiz Roberto Barroso terá a responsabilidade de fazer Justiça.
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