por Wagner Iglecias
O que leva um homem auto-intitulado de bem, pagador de impostos, gerente de alguma coisa em uma empresa qualquer, a sair à janela de sua casa e gritar a plenos pulmões, na presença de mulher e filhos e para todos os vizinhos ouvirem, palavras como "vaca", "p..." e "vadia", rerefindo-se à Presidente da República? E em pleno Dia Internacional da Mulher? Estaria certa em sua tese aquela outra mulher, a Professora Marilena, que tempos atrás atraiu para si duras críticas ao chamar a atenção para aquele que seria o caráter violento e reacionário da classe média brasileira?
Fato é que a Ciência Política, com suas reflexões sobre o Poder, e a Sociologia, com suas contribuições sobre as transformações na sociedade, continuam centrais mas talvez precisem ser acompanhadas de outras ferramentas para que se possa compreender-se o atual momento da vida brasileira. A Psicanálise, a Psicologia Social e as diversas teorias da comunicação têm de fazer parte da análise. Porque ao que tudo indica amplos setores da classe média tradicional estão à beira de um ataque de nervos. O sujeito não recebeu aquela promoção de cargo na firma, está com problemas no casamento ou estourou o limite do cartão de crédito na última viagem a Miami? Adivinhem em quem ou para quem ele está canalizando a culpa disso?
É patente que muita gente está farta e indignada com as tantas denúncias de corrupção que jorram na imprensa dia e noite envolvendo o PT. Ainda mais o PT, que um dia, num passado longinquo, apresentou-se como o partido da ética na política. Mas se só corrupção fosse a medida nosso bom homem de bem de classe média pagador de impostos estaria indignado com os politicos como um todo. E não está. Cala-se diante dos inúmeros escândalos de corrupção envolvendo o principal partido de oposição. E quando indigna-se com alguma denúncia que vá além do petismo é para fustigar um ou outro aliado dos petistas, como Sarney ou Renan. E só.
Se corrupção não é a causa única para a histeria da classe média tradicional neste momento, o outro motivo deve ser o medo. E não me refiro ao medo de crise econômica, pois apesar da inflação alta e do PIB próximo de zero, os shoppings, supermercados, bares, restaurantes e aeroportos continuam lotados. E o desemprego nunca esteve tão baixo. O medo, no caso, é menos conjuntural e mais profundo. Nossa classe média adora os EUA. Mas entra em pânico ao se imaginar, por exemplo, tendo de viver numa sociedade onde só os muito ricos podem ter empregados domésticos.
O ódio a Dilma, a Lula e ao PT em geral deita raízes nas denúncias de corrupção e no bombardeio diuturno sobre o assunto ao qual a classe média está submetida. Mas guarda relação também com transformações mais estruturais, que têm abalado de maneira contundente um segmento social que, se percebe que jamais vai alcançar o sonho de ficar rico, ao menos até outro dia se sentia confortável em seu infinito particular de muros e grades, carros com vidros escurecidos ou mesmo blindados e o ar condicionado dos escritórios, shoppings e condomínios.
Não é a toa que o panelaço deste domingo contra Dilma foi feito da janela das casas. E nos bairros mais abastados. O Brasil um dia inventou o samba de apartamento. Agora acaba de inventar o protesto de apartamento. Será que nos próximos dias as panelas da classe média tomarão as ruas e vão se misturar a esse ser tão distante e incompreensível aos olhos do nosso homem de bem pagador de impostos chamado povo?
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Nenhum comentário:
Postar um comentário