A quadrilha de cada um, por Sergio Saraiva

Como em uma quadrilha, Eduardo Cunha, Aécio Neves, Sergio Moro, Gilmar Mendes e o STF podem estar em passos diferente, mas dançam a mesma música. J. Pinto Fernandes é o maestro.

João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. E há ainda J. Pinto Fernandes que manipula os cordames dessa quadrilha e manobra para que tudo mude para ficar como está.
É assim, como uma combinação entre o poema “A quadrilha” de Drummond e o “O Leopardo” de Lampedusa que podemos entender o aparente caos do momento político brasileiro em que vivemos. Momento, no qual, as regras do jogo estão sendo questionadas.
O deputado Eduardo Cunha, o senador Aécio Neves, o juiz Sergio Moro e o ministro Gilmar Mendes mais o STF são personagens representativos desse momento. Representam, cada um ao seu modo, uma faceta do questionamento como um todo. Mas não estão, nenhum deles, no comando do movimento. Se há comando e se alguém comanda, esse alguém é J. Pinto Fernandes. Aliás, como sempre.
As regras do jogo são o financiamento privado das campanhas eleitorais, pedra angular dos nossos sistemas político e de poder e fonte primária da depravação que os caracteriza. Em torno delas, há os que jogam conforme as regras, os que querem mudar as regras, os que querem impedir que as regras mudem, os que querem quebrar as regras e os que fazem suas próprias regras.
Aécio e os que querem quebrar as regras
Às 17hs01min do dia 26 de outubro de 2014, quando Willian Bonner comunicou à nação que Dilma Rousseff estava reeleita, ficou claro para J. Pinto Fernandes que, com regras democráticas, a direita e o conservadorismo brasileiros não voltariam tão cedo ao poder federal.
O conservadorismo e a direita têm mantido J. Pinto Fernandes no poder desde a República Velha. E, então, tomado de um lacerdismo redivivo, J. Pinto Fernandes decidiu que Dilma candidata e eleita não deveria tomar posse e, se empossada, deveria ser derrubada.
Golpe é o nome disso e outros houve quando necessários foram.
Aécio torna-se o rosto do inconformismo e J. Pinto Fernandes convoca “seu povo” às ruas.
Esse povo é a ponta de lança com a qual J. Pinto Fernandes busca derrubar uma presidente eleita democraticamente. Só que as regras não o permitem. Busca então quebrar as regras. Regras que foram seguidas até a derrota de Aécio, o candidato de J. Pinto Fernandes, nas urnas. Mas que, a partir daí, deveriam ser modificadas para serem mantidas. Agora, valendo apenas para um dos lados da disputa. O lado de J. Pinto Fernandes.
Sergio Moro surge, então, como um aliado involuntário de J. Pinto Fernandes. Dá-lhe o mote necessário.
Não se trata mais de um golpe e sim de luta contra a corrupção. E a corrupção começou com o PT, se mantém com o PT e seria extinta com a retirada do PT do poder. Há os que querem sinceramente acreditar nisso e se indignam, ainda que seletivamente, com a corrupção exposta por Sergio Moro.
J. Pinto Fernandes fornece os meios necessários para que a indignação instrumentalizada tome  as praças e avenidas do país, mas de modo controlado. Sabe que esse jogo é tão perigoso quanto manusear uma faca sem cabo.
Sergio Moro e os que fazem suas próprias regras
Não acredito que Sergio Moro tenha qualquer simpatia pelo PT. Tampouco acredito que ele tenha agido para prejudicar o PT. Os resultados da Operação Lava Jato, até aqui, parecem confirmar essa impressão. Creio que Moro esteja imbuído do real desejo de contribuir para um Brasil menos corrupto. O problema são seus métodos.
“Desgraçado o país que necessita de heróis”. Essa é a maldição que esse jovem juiz tem de buscar evitar a cada dia. Capas de revistas e premiações recebidas não colaboram para a ideia de que Moro esteja conseguindo.
Moro acabou por encarnar no imaginário popular um personagem próximo ao do super-homem que não precisa se subordinar nem à lei da gravidade. Aparenta comandar a um só tempo a investigação, a acusação e o julgamento dos envolvidos na Lava Jato. O julgamento, nem tanto, já que seus prisioneiros não foram a julgamento e, mesmo assim, são prisioneiros.
Esses prisioneiros são, paradoxalmente, amigos de longa data de J. Pinto Fernandes. Impensável, não fora os seus envolvimentos com o PT, que estivessem presos.
J. Pinto Fernandes sabe que, por isso, Moro é o personagem mais sensível desse momento.
Porque a Lava Jato é, com o perdão do trocadilho inevitável, uma quadrilha dentro da quadrilha. Moro que conhecia Youssef que conhecia Janene que conhecia Aécio.
Não, J. Pinto Fernandes já mandou avisar que com essa música a quadrilha não dança.
A melodia correta seria Moro que conhecia Youssef que conhecia Costa que conhecia Vaccari que conhecia o PT.
Mas a lista que Moro enviou para Janot, o Procurador Geral da República, não pegou o PT. No sentido de que o PT é Lula e Dilma. Pegou o PP como um todo, pegou o PSDB nas figuras de Aécio e Anastasia. Em relação a Aécio, Janot, por enquanto, achou por bem segurar a investigação junto com uma cartolina onde se lia “Janot, você é a esperança do Brasil”.
Mas Moro também pegou dois próceres do PMDB. O eterno Renan Calheiros – presidente do Senado e a revelação do ano, Eduardo Cunha, o presidente da Câmara dos Deputados.
E aqui se entrelaça outro participante da quadrilha.
Cunha e os que jogam conforme as regras
As regras podem ser sujas, mas são, ou eram, consensuais, ainda que tácitas. Não foi Cunha quem as inventou e sempre jogou por elas. Cunha é ético e democrata – segundo essas regras.
O mesmo pode se dizer do PT, com quanto isso possa desiludir o petista barbudo de calça jeans e camiseta branca com a estrela vermelha no peito. O PT não chegou ao poder pela via revolucionária do velho “PT de Lutas”. Chegou pela via democrática do “PT do Lula lá”. E, para isso, seguiu as mesmas regras que todos seguiram.
Cunha sabe que deve seu poder a J. Pinto Fernandes. E J. Pinto Fernandes jamais se desagradou de Cunha. Por mais que nutram entre si os sentimentos recíprocos da desconfiança comum entre os “bons companheiros”.
O que desagrada a J. Pinto Fernandes é o “PT de Lutas”, mas não exatamente o “PT do Lula lá”. Porém, como J. Pinto Fernandes não é capaz de distinguir quando é um ou outro PT que governa, quer os dois fora do poder.
Acuado por Moro, a esperança de Cunha é o poder que J. Pinto Fernandes tem de ser persuasivo e que esse poder convença Janot a deixar que, nesta quadrilha, Cunha faça par com Aécio.
Para tanto, Cunha tenta mostrar a J. Pinto Fernandes que é bom de trabalho e entrega o prometido. Se para isso precisa espancar trabalhadores ou mandar meninos para cadeia, ossos do ofício. Deles Cunha não depende.
Quanto aos que querem quebrar as regras, percam as ilusões com Cunha. O impeachment que o interessa tem de esperar o governo Dilma-Temer completar meio mandato mais um dia. E claro, Cunha ser reeleito presidente da Câmara – o que não lhe é difícil. Ocorre que entre os defeitos de Cunha está o de não ser sutil. Pior para Cunha, Temer o é.
Cunha, portanto, necessita que as regras do jogo sejam mantidas. Mas Moro não o ajuda e, assim como dá subterfúgios aos que querem quebrar as regras, dá argumentos aos que querem mudar as regras do jogo.
O STF e os que querem mudar as regras
O STF está em uma situação dicotômica. Moro o desafia quando parece fazer suas próprias regras. Deveria ser cobrado por isso, mas J. Pinto Fernandes dá sinais de que apoia Moro. Ainda que esse apoio seja para e enquanto Moro faça suas regras e rigor valerem apenas para o PT.
De outro modo, o STF já percebeu que as regras do jogo estão vencidas pela cidadania. Mesmo pela cidadania auto enganada que quer quebrar as regras ao invés de mudá-las.
As regras do jogo precisam ser mudadas. O poder econômico tornou-se absoluto em relação ao poder político. E se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. Esse poder corruptor tem nome: J. Pinto Fernandes.
O STF decidiu que do poder político, ou seja, da cidadania, deve emanar todo o poder. Aliás, nada diferente do determina o artigo primeiro da Constituição de 1988 que o STF tem como dever proteger.
E isso significa o fim do financiamento privado de campanha. Mas o fim do financiamento privado de campanha seria, se não o fim, pelo menos, uma enorme redução do poder de J. Pinto Fernandes.
E J. Pinto Fernandes tem trunfos poderosos para que isso não ocorra. Um deles é Cunha, outro é Gilmar.
Gilmar e os que tentam impedir que as regras mudem
Os que tentam manter as regras como estão é J. Pinto Fernandes. E enquanto o ministro Gilmar Mendes não devolver o processo já vencido em que o STF acaba com o financiamento privado de campanha, J. Pinto Fernandes estará no poder de facto.
No poder para marcar o ritmo da quadrilha e garantir que Cunha mantenha as regras como estão, para tentar que Moro faça com que elas valham para Aécio, mas não para o PT. E para que, ao som da música e dos passos ritmados, o “seu povo” se divirta em domingueiras mensais previamente programadas.



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