por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa (trecho)
(…)Se já não havia uma diversidade aceitável em cada um deles, agora fica ainda mais patente que os principais meios de comunicação do país atuam como uma só redação, um só corpo editorial orientado por uma visão de mundo dominante e conservadora. Essa característica fica escancarada na forma como os conteúdos de um jornal são complementados e referendados pelos demais, em sequências nas quais uma declaração, um boato ou uma anedota percorre todo o campo midiático, acabando por se afirmar como verdade incontestável.
Seguindo esse roteiro, é possível identificar claramente na narrativa comum e mutuamente referente dos três diários de circulação nacional uma agenda política que tem como eixo central a manutenção de um quadro de crise em torno da presidente Dilma Rousseff, ao mesmo tempo em que se procura minar a reputação do ex-presidente Lula da Silva.
Faz sentido: não é conveniente dar guarida aos manifestantes que pedem o impeachment da atual presidente, se Lula continuar com chances de voltar ao Planalto em 2018. Por isso, a imprensa busca dar consistência ao discurso desses atores recentemente inseridos na cena pública após os protestos do dia 15 de março passado. Repórteres, editores e âncoras de programas de entrevistas procuram tornar compreensíveis e palatáveis as ideias politicamente toscas expressas por tais protagonistas, apresentando-os como exemplos da razão nacional.
Essa ação tem sido mais intensa na Folha de S.Paulo e na TV Cultura de São Paulo – e, por extensão desta, na revista Veja –, mas se repete em entrevistas e artigos nos outros jornais, nos quais se procura apresentar um engenheiro, um adolescente de traços orientais e um jovem negro como representantes da "voz das ruas".
Lidos no original, os discursos dos personagens que a imprensa selecionou para representar esse movimento exemplificam com clareza o que a filósofa Marilena Chauí chamou, há três anos, de "abominações" (ver aqui).
É difícil analisar diretamente as visões de mundo expressadas por esses novos ídolos da mídia, porque, como verdadeiras aberrações do pensamento político, escapam aos paradigmas clássicos. Mas pode-se ler a versão revista e palatável de suas ideias, que a imprensa procura apresentar ao público.
Na edição de quinta-feira (2/4), o Estado de S.Paulo assume, em editorial, a crença de tais personagens, de que há uma orientação "bolivariana" no poder Executivo – o que soa quase como achincalhe à inteligência do leitor mais exigente. Na Folha de S.Paulo, um articulista recomenda que os movimentos que organizam os protestos simplifiquem e unifiquem suas bandeiras, e afirma que eles representam "o que a rua quer".
Esses personagens não representam as ruas. São a expressão da pobreza intelectual que caracteriza a lumpenburguesia, essa extração das classes médias urbanas composta pelos abastados abestados, analfabetos políticos que desprezam a democracia e repudiam a mobilidade social, da qual são beneficiários.
É com essas excrescências que a imprensa produz diariamente seus quitutes.
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