Dê-lhe poder
Por J. Berlange
Eduardo Cunha, na posição de presidente da Câmara dos Deputados, eleito pelo baixo clero com apoio da oposição unificada pelo inconformismo de PSDB, DEM e PPS, comporta-se como ditador e atropelador da República, assumindo-se justiceiro e vingador. Demagogicamente, carrega a bandeira do moralismo (falso, hipócrita) numa mão e, na outra, a lança com a qual promete destituir o governo e 'destruir a raça do PT' (idealismo, voluntarismo).
Com base em anunciados resultados de "pesquisas de opinião pública", assume-se como uma legião que transporta a vontade maioritária do povo. Só que o número do papel divulgado pelos institutos tem sido, reiterada e progressivamente, negado pelo volume das massas que comparecem à rua marchando no sentido inverso das decisões que a maioria da Câmara tem empurrado, a golpe de força e de astúcias de seu presidente, goela abaixo da minoria parlamentar.
A arrogância, o autoritarismo, a fraqueza de caráter e o oportunismo rastaquera que o impulsionam levaram Eduardo Cunha (e sua tropa) a condição de vilão nº 1 da República: o cavalheiro do cavalo vermelho da democracia, uma verdadeira máquina individual de destruir consensos.
O demagogo Eduardo Cunha apresentou-se, assim, como alternativa ao lulo-dilma-petismo: o líder poderoso e autoritário que 'tratora' adversários, ignora a Constituição e as leis, subverte e anula o Regimento da Casa e vai impondo os (des)valores da velha política dos coronéis: a lei aqui sou eu! A única decisão aceitável será aquela que expressar a minha vontade.
Neste quadro, o demagogo não apenas ameaçou a presidenta do País de arrancá-la do cargo a que foi eleita por mais de 54 milhões de eleitores, mas, também, meteu a mesma faca no pescoço de todos os brasileiros democratas, que consideram indispensável desenvolver seus negócios e experimentar a sua vida dentro do ambiente de um Estado Democrático de Direito, submetido igualitariamente ao império da Lei e não à vontade arbitrária dos homens.
É a questão central que define a necessidade social de segurança jurídica, sem a qual não pode haver construção de expectativas, portanto de se fazer planejamento para a atualização e sustentabilidade do futuro do País.
O Poder Judiciário cumpre a função jurisdicional com o objetivo de reduzir, ao máximo possível, o problema dos riscos que interferem como complexidade na quebra das expectativas já previamente organizadas e reguladas. Essa função não pode ser suprimida por nenhum poder social, que não seja o revolucionário, e assim mesmo, este não a suprime; quando muito, suspende ou transfere temporariamente o seu exercício.
Essa, a essência do conflito que foi levado ao conhecimento e decidibilidade do STF: Eduardo Cunha, prenhado de poder voluntarista, estava submetendo a hermenêutica da lei à leitura astuciosa - pautado por seus caprichos pessoais -, como forma de alcançar objetivos políticos e vantagens pessoais, ora manipulando o funcionamento das instituições, ora chantageando as pessoas escolhidas para exercer decisões sobre a lisura de seu comportamento como deputado e como presidente da Câmara. Portanto, incomodamente aético.
Por muito menos (meras cogitações desprovidas de seriedade), um senador da República teve decretada a sua prisão em flagrante.
O fato é que o STF resolveu adequadamente o problema que o empoderamento de Cunha estava causando às instituições legislativas, executivas e jurisdicionais, aos mercados e à sociedade civil organizada, que se levantou no modo, a tempo e a hora oportuna para influenciar nos rumos dos acontecimentos.
A crítica que os partidários de Cunha fazem é porque o voto vogal vencedor propôs encaminhamento de resposta diferente daquele feito pelo relator, que conservava o sistema de governança arbitrária exercido autoritariamente na Câmara, como forma de fazer avançar a ameaça do impeachment. Os fatos demonstram que essa resposta não tem o apoio da maioria dos atores políticos da sociedade civil organizada.
O ministro Luis Roberto Barroso demonstrou, com argumento convincente e técnica jurídica apurada, que a resposta de manutenção do sistema arbitrário não convinha ao Estado Democrático de Direito e nem à sociedade a que ele organiza.
O fundamento de sua proposta de solução para o problema – que é fático, real e concreto, enquanto percebido como conflito de interesses – foi exatamente a necessidade de o STF garantir a Segurança Jurídica do Estado e da Sociedade, tanto para a fluência das relações econômico-financeiras dos mercados, quanto para a experimentação da vida social e cultural na dimensão de sua pluralidade e diversidade.
Foi claramente esse o sentido da decisão proferida no acórdão do colegiado daquele Supremo Tribunal. Acórdão quer dizer acordo, consenso de manifestação de vontade, pelo qual a maioria adere aos fundamentos de uma resposta jurídica, julgando-a adequada à solução do problema que é apresentado à turma julgadora como caso que transporta carga conflituosa.
Não adianta, depois da decisão, ficar procurando firulas nos vídeos que exibem o desenrolar dos debates, principalmente, quando a coerência do discurso do voto é interrompida por narrativas de terceiros, fazendo com que o assunto sofra interseção, desembocando em breves e inacabadas divagações paralelas ao eixo das proposições que interessam à argumentação jurídica.
O Tribunal decide. A decisão está compreendida no acórdão. Este afirma sua existência por meio de sua fundamentação fático-jurídica e de seu dispositivo de resposta ao caso concreto. Só nos limites formais desse ato normativo, configurado por protocolo técnico, será lícito fazer crítica consequente e séria e, mesmo assim, somente depois de publicado oficialmente o ato – porque sujeito a revisões técnicas antes disso.
A decisão é para ser cumprida. As regras e normas de cumprimento podem ser avaliadas e criticadas: em primeiro lugar, quanto ao valor técnico-jurídico do conteúdo da solução proposta ao critério da subsunção ao ordenamento jurídico. Depois, é de se investigar e criticar o valor administrativo da execução da resposta (circunstância que, provavelmente, tenha motivado a ida de Eduardo Cunha ao gabinete da Presidente da Corte, porém, prematuramente).
Finalmente, a decisão de um Tribunal deve tributo aos valores históricos das escolhas de seus membros ancestrais, decisões que funcionam como referências paradigmáticas que interferem na formação das expectativas dos agentes econômicos, políticos e sócio-culturais.
Não há dúvida. É o comportamento irracional e ressentido no estamento político, ampliado pela Mídia familiar, que está atuando como causa ou fator principal de instabilização das relações econômicas e sócio-culturais, prejudicando seriamente as tomadas de decisões empresariais e, pois, a economia nacional. Nesse sentido, o STF trabalhou o caso do impeachment Cunha-Dilma com o máximo de rapidez e diligência para cumprir a função de contrapeso.
Respondeu com segurança jurídica de fundamento jurídico-administrativo-histórico. Essa é a função social necessária do Direito para a conservação e o desenvolvimento da vida em sociedade.
Neste momento da história parece que a insanidade resolveu tomar de assalto o protagonismo midiático. Aumenta a dimensão do papel político-social da função jurisdicional. Essa missão só pode ser cumprida se exercida com foco na verdade factual, na coragem pessoal e independência institucional. Portanto, acima e ao largo deste perigoso e irresponsável Fla-Flu que assola o País.
O poderoso voto de Luis Roberto Barroso honra a jurisdição brasileira.
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