O compositor e cantor cearense de Sobral Belchior, conhecido pelo bigode farto e pelas letras como “navalhas” que relatam a realidade sócio-política latino-americana da década de 70, imortalizado na voz de Elis Regina em “Como nossos pais”, ganhou uma aura mítica desde que desapareceu, em 2009.
O seu paradeiro, desde então, permanece desconhecido. Há boatos de que Belchior vive no Uruguai, ou no Rio Grande do Sul; que decidiu sumir por conta do amor de uma mulher; que deve milhares de reais acumulados ao estacionamento de um aeroporto brasileiro, onde deixou seu carro; que se dedica a uma tradução da Divina Comédia, de Dante – não nos esqueçamos que uma de suas canções se chama Divina Comédia Humana.
Conspirações à parte, no próximo dia 26 de outubro Belchior completa setenta anos e uma pequena homenagem foi organizada para o seu aniversário. Para Belchior com amor (Miragem Editorial, 96 páginas) é uma compilação de catorze contos e crônicas, de escritores cearenses, inspirados em canções do compositor. Sob a organização do escritor cearense Ricardo Kelmer, o livro traz textos de autores como Xico Sá e da professora/pesquisadora sobre Belchior Josely Teixeira.
Um dos destaques é o conto Coração Selvagem, de Cleudene Aragão, em que um suposto encontro ocorre entre a escritora e Belchior, em uma praia deserta do Ceará, onde o compositor revela seus planos e suas andanças.
A palavra é reinventada a partir de versos conhecidos de Belchior, como no trecho de Apenas um rapaz latino-americano, de José Américo Bezerra Saraiva: “mas toda a insubmissão de rapaz latino-americano eu vi cifrada mesmo foi na sua veemente recusa a se curvar a qualquer injunção que lhe quisesse regular o modo de produzir canção. Você nunca fez canções como prescreviam alguns figurinos da moda, canções corretas, brancas, suaves, muito limpas, muito leves, simplesmente porque sons, palavras sempre foram navalhas para você”.
Uma boa aposta é ler o livro ouvindo como trilha sonora a canção que intitula cada conto/crônica.
A publicação do livro Para Belchior com amor logo após a divulgação de que o vencedor do Prêmio Nobel de Literatura é o compositor norteamericano Bob Dylan reacende a polêmica sobre os limites entre a literatura e da música. Apesar de compositor, as letras de Bob Dylan são verdadeiros poemas e nos remetem à oralidade dos poetas da Antiguidade, que recitavam e representavam seus textos, como declarou a própria academia sueca.
O mesmo se pode dizer de Belchior. Para o organizador do livro Ricardo Kelmer, “Belchior é um literato, antes de ser músico. Ele mesmo afirma isso. Ele estudou literatura, poesia e filosofia, e suas letras revelam claramente isso”. E complementa: “Faça um teste: leia as letras sem pensar na melodia e você se dará conta de que aquilo é poesia, e de boa qualidade”.
Por fim, cabe lembrar alguns versos de Lou Reed, este também músico e poeta, que fala sobre a indescritível sensação de desvanecer: “It must be nice to disappear / To have a vanishing act / To always be looking forward / And never looking back / How nice it is to disappear / Float into a mist / With a young lady on your arm / Looking for a kiss”. Para Belchior, onde quer que esteja, o nosso carinho e gratidão por ter iluminado uma época turbulenta, as décadas de 70 e 80, que parecem ecoar ainda nos dias de hoje.
por Luiza Gadelha
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