Montaigne escreveu, nos Ensaios, que um dos problemas trazidos pela má memória é que você esquece as mentiras que contou.
Isso cabe perfeitamente para Gilmar Mendes na entrevista que ele concedeu a Jorge Bastos Moreno, blogueiro do Globo.
O assunto era a infame carona que Gilmar pegou com Temer no avião presidencial.
Gilmar estava tentando desesperadamente justificar o injusticável quando Lula apareceu na conversa.
Gilmar disse que Lula nunca lhe pediu nada quando presidente. Gilmar colocou Lula na entrevista a Moreno para dizer que mantém com Temer o mesmo padrão de relacionamento "republicano".
Mas um momento.
Não foi Gilmar que foi procurado secretamente por Lula, às vésperas do Mensalão, com um pedido abjeto de postergar os julgamentos para que o PT não fosse prejudicado nas eleições de 2012?
A mídia massacrou Lula. A Veja, particularmente, tratou do falso pedido por semanas intermináveis.
Você pode imaginar o tom dos textos. Lula não era acusado de procurar Gilmar. Ele tinha procurado Gilmar. Não era uma denúncia, segundo a Veja: era um fato consumado.
Nas reportagens, ou melhor, nas pseudo-reportagens sobre o caso, Gilmar era um heroi da República. E Lula, bem, Lula era um corrupto para o qual não havia limites.
Gilmar jamais esclareceu a história. Nunca saiu do pedestal para dizer que Lula nunca lhe pedira nada.
Não lhe convinha. Ele provavelmente gostou do papel de mocinho que lhe deram na trama.
Passados anos, eis que a verdade emerge. Ou a mentira submerge.
Quantas outras calúnias a Veja publicou? Cem, duzentas?
O certo é que a revelação tardia de Gilmar ajuda a entender melhor Lula, a Veja, a mídia plutocrata, o golpe — e sobretudo o próprio Gilmar.
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