Dos efeitos trágicos da "SATANIZAÇÃO" do outro, por Eduardo Ramos

(...) e da "legitimação da exceção"

Para que uma sociedade aceite como algo natural o genocídio de um outro grupo social sem que isso traga qualquer sentimento de culpa ou perda moral ou disposição de lutarmos contra o que normalmente consideraríamos uma ignomínia, um horror, o PRIMEIRO sentir que nos incutem, NECESSARIAMENTE será a "ausência de valor humano" em relação ao grupo a ser exterminado, ou tratado como "grupo (des)humano de exceção" - as pessoas sobre as quais posso agir, ou me acostumar a assistir sem pressões morais de quaisquer espécie, toda a sorte de humilhações, violência, injustiça, degradações

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Um modo terrivelmente fácil de se conquistar esse feito sobre uma parcela imensa da sociedade, de uma nação inteira, é criar um estigma "que cole" na pele das pessoas do grupo a ser destruído e sobre esse estigma, finalmente, sua "SATANIZAÇÃO ABSOLUTA", não apenas DESPROVÊ-LO DO RESPEITO HABITUAL que naturalmente temos por nossos semelhantes, MAS DESTRUIR NA MENTE DE QUEM QUERO MANIPULAR justamente essa semelhança: não é imoral, afinal, odiarmos ou desprezarmos quem não tem valor, quem não merece o nosso respeito.
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A religião cristã usou isso largamente para justificar genocídios e dominação humilhante sobre povos inteiros, a maioria já dizimados, no Brasil, por exemplo, acreditava-se que "os índios não tinham alma", eram "animais", portanto não havia grande problemas em que fossem mortos ou usados como escravos.
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O mesmo princípio, com ou sem o uso da religião aplicava-se tanto aos índios como aos negros nos Estados Unidos, palco de medos, nojos, fanatismo, ódios, indescritíveis, mancha vergonhosa na história desse país.
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Outro exemplo clássico é a Alemanha de Hitler. O que ocorre hoje no Brasil, aliás, particularmente me deu uma noção muito nítida de como é fácil elevar as piores emoções dos seres humanos, manipular seus medos e preconceitos arraigados, a maior parte deles inconscientes, criar um clima que favoreça o florescer de paroxismos cada vez mais intensos, e um dia chega-se ao fim do processo, maligno, perverso, demolidor da humanidade mais básica das pessoas, levadas ao que chamo hoje de ESTADO DE FANATISMO ABSOLUTO - quando, na área atingida pela doença, a pessoa, antes comum, com defeitos e virtudes como a maioria de nós, torna-se uma ESPONJA VIVA DE DEJETOS, alimenta-se deles, passa a ruminá-los, interiorizá-los de tal modo, que SUA RAZÃO É RACHADA, literalmente, e surge então O SER SOCIAL ESQUIZOFRÊNICO, parte dele racional, vivendo seu cotidiano, seus valores, suas virtudes, e a outra parte servindo apenas para retroalimentar sua enfermidade, seu fanatismo, seu incomensurável DESPREZO E ÓDIO daquele outro, daquele grupo a que acaba de SATANIZAR em sua alma.
Ora, se falamos que o objetivo do manipulador é "DESPROVER O OUTRO DE RESPEITO HUMANO, DE SEMELHANÇAS COM O QUE É HUMANO", que vitória maior, que clímax mais perverso, absoluto do que esse, a SATANIZAÇÃO do outro ser...?
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Voltando às semelhanças entre o nazismo e o movimento antipetista no Brasil, essencialmente em nossa elite social e classes médias, mas pegando rebarbas em todos os setores, percebemos que assim como os alemães foram aos poucos aceitando a DOUTRINA de que os judeus eram a ESSÊNCIA DO MAL para o seu país, no Brasil, de modo SISTEMÁTICO E MASSACRANTE, nossa grande mídia apresentou a doutrina pela qual Lula e o PT trariam ao Brasil uma "nova Cuba", "a Venezuela de Chaves", "o Bolivarianismo", a censura, o aparelhamento do Estado para a perseguição dos adversários políticos, e um "projeto de poder", ou seja, no fundo uma DOUTRINA, onde apenas desgraças sociais, morais, opressões e perdas "terríveis" de liberdades diversas nos aguardavam.
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Hoje, pensando no termo eterno criado por Hannah Arendt, "a banalização do mal", percebo como são ingênuos os que pensam que aquela geração de alemães era composta por "pessoas ruins", "sem caráter", "malignas", em especial, como se um acaso tivesse juntado naquele espaço e naquele tempo, "monstros em forma de gente...." - E Hannah nos diz que NÃO! Que eram pessoas comuns, como eu e você, os alemães - falando do povo, da sociedade civil... - que foram aos poucos acreditando "no mal representado pelos judeus", no "salvador", Hitler - como temos os nossos, incensados pela mídia, os Joaquins, os Aécios, os Moros..... - e que pessoas comuns, SE DESPERTAMOS SEUS MEDOS, SUAS IGNORÂNCIAS, SEUS PRECONCEITOS, E OS EXACERBAMOS NUM PROCESSO PERVERSO, um dia o fanatismo chega, e com ele o bloqueio da mente, da alma, e até o ÓDIO é apenas um pulo.
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Será que é preciso desenhar que não há diferença alguma entre o alemão que ria dos judeus que no início eram cuspidos nas ruas, levavam socos, e os milhares que festejaram a jovem universitária cega pela PM de Alckmin, vejam bem, SERES HUMANOS SE VANGLORIANDO DISSO, porque a jovem era uma "petralha"?
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O MECANISMO de PERVERSÃO de tudo o que nos humaniza, é o mesmo! Os alemães mantiveram sua capacidade de se horrorizarem, se uma tragédia acontecesse com SEUS SEMELHANTES, as pessoas que amavam. O que ocorre de mais MALIGNO no fanatismo que envolve a SATANIZAÇÃO do outro é justamente essa CISÃO de caráter, valores, ética, solidariedade, tudo, enfim. Cria-se no ser fanático o que chamo de "LEGITIMAÇÃO DA EXCEÇÃO" - quando legitimo internamente falas, ações, comportamentos dirigidos a uma pessoa ou grupo social, que se ocorressem aos que considero meus SEMELHANTES, os mesmos eventos, ficaria horrorizado, teria compaixão, ou me revoltaria contra aquela injustiça, etc. etc.
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Em relação aos países que enfrentaram tais fraturas sociais, a História nos ensina: todo tipo de horror, tudo o que há de mais bárbaro capaz de ser elaborado e tornado comportamento pelos mais baixos instintos, aos poucos vem à tona. Sempre há um abismo a mais, uma tolerância a mais ao que antes, como pessoas e sociedade humana jamais permitiríamos, o SENSO COMUM não permitiria. Sempre haverá "a primeira cuspida no rosto de um judeu", como a primeira agressão verbal a uma autoridade do PT, num Restaurante - estimuladas pela mídia - Sempre haverá a primeira prisão ilegal de um judeu, como houve no Brasil a primeira condução coercitiva, antes de virar triste rotina.
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É NECESSÁRIO compreendermos que são cidadãos NORMAIS, os que nessa primeira fase vão se acostumando com O NOVO SENSO COMUM, logo, aquilo que escandalizaria, já não causa efeito algum, logo, aquilo que antes o ser lúcido rejeitaria horrorizado, passa ele mesmo a fazer, a assumir o comportamento, a fala, o discurso, ou apoiar quem por ele faz, representando seu novo pensar, seu novo sentir.
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E assim, comemora-se a perda de visão de uma jovem de vinte anos..... Comemora-se a degradante e desnecessária condução coercitiva de um ex-presidente da República, por puro prazer, sem que haja NEXO ALGUM entre o ato em si e a Justiça sendo feita com a isenção e a dignidade que dela se espera. Não estaria totalmente enferma uma nação em que milhões se alegram com essa violência, essa insanidade, que quebra todos os direitos fundamentais do homem, aquilo que nos faz ser - ou não - civilizados?

Tantos exemplos caberiam aqui.... Todos conhecemos amigos e familiares que apresentam em seu COMPORTAMENTO SOCIAL ESQUIZOFRÊNICO, exatamente essa fratura, essa cisão: normais em suas relações outras com a vida, pessoas, grupos sociais, aqueles onde "ENXERGA A SEMELHANÇA" - portanto, respeita.... - e fanáticos odiosos, toscos, malignos, injustos, sem nenhum amor à verdade, apenas o ódio, o desejo intenso da HUMILHAÇÃO do INIMIGO - ou seja, O OUTRO TRANSFORMADO EM SATANÁS PESSOAL E SOCIAL.

É o que vivemos em nosso espaço-tempo, nós, brasileiros, hoje, em nosso país!
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E essa CIÊNCIA é fundamental para os que quiserem minimamente se perguntar: "Como chegamos até esse ponto? Como descemos a esse pântano moral, essa barbárie, essa incivilidade absoluta, esse império da farsa, do nonsense, da caricatura, como chegamos a esse horror....?