A Eminência Parda, por Fernando Horta

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O termo é bem conhecido de historiadores. Trata-se da figura que realmente detém o poder num governo e que prefere uma estratégia de anonimato para não ter que pagar os custos da utilização deste poder. Quem é a “eminência parda” de Bolsonaro?
Dentro do período da chamada “Belle èpoqué” (séculos XV ao XVIII), quando do absolutismo e mercantilismo na Europa, havia uma aliança aberta entre Igreja e Nobreza. Após um período grande de rusgas e disputas entre reis e papas (na Idade Média), a consolidação do Estado Nacional Moderno foi orquestrada de forma a ter no seu centro uma parceria entre as duas castas mais poderosas. À nobreza cabia o exercício duro do poder, frequentemente baseado na força das armas, e à Igreja era requerido, em primeiro lugar, a legitimação deste poder e das ações envolvidas e o controle das populações por meio da ideologia religiosa. A vantagem era mútua: os religiosos tinham assegurado seu espaço de existência, sem quaisquer questionamentos (e a Igreja católica atacou sem freios todas as críticas e os grupos desviantes), e a nobreza via sua dominação ter um custo político cada vez menor, na medida em que a força das armas só era empregada em último caso.
Nos momentos de maior resistência a este sistema, no caso francês ainda no século XVII, os reis Luís XIII e Luís XIV perpetraram níveis altíssimos de violência contra a própria nobreza e Igreja. Foi atacando os rivais que os criticavam que os reis franceses construíram o imenso poder que a história reconhece. O que pouca gente sabe é que para todas essas decisões e julgamentos havia, nas sombras, a figura de um Cardeal preceptor. No caso de Luís XIII chamava-se Cardeal Richillieu, e com Luís XIV, Cardeal Mazzarino. Ambos os reis iniciaram seus governos ainda muito jovens, sem muita legitimidade pessoal e inexperientes. Durante algum tempo, o poder era controlado por “suas Eminências” (pronome de tratamento dos cardeais) que se mantinham “nas sombras” e, assim, receberam o adjetivo “pardas”. O custo da violência perpetrada pelos jovens reis, a mando e indicação dos cardeais, recaía inteiramente na figura real.
O presidente fraco e inexperiente que é Bolsonaro retoma aliança semelhante. Sem qualquer plano de governo, sem experiência ou mesmo grupo intelectual que lhe cerque, Bolsonaro está apostando tudo em suas “eminências pardas”. Onyx pensou que exerceria este espaço, mas já foi colocado de lado. Mourão e Malafaia são hoje os que lutam pelo papel. Um é um religioso milionário de moral questionável, envolvido em inúmeros escândalos e lavagem de dinheiro e mesmo corrupção. Agressivo, inculto e autoritário, comanda uma legião de fiéis alienados que deram a Bolsonaro, ao arrepio da lei, a vantagem decisiva nas eleições de 2018. O outro é um general truculento, inexperiente e narcisista que tem planos próprios de revanche histórica e uma rede de relações inominadas com as forças de seguranças do país. Foi o Exército que permitiu Bolsonaro vencer as eleições, mantendo o STF cativo e Lula preso.
Ocorre que ambos são autoritários e egocêntricos, e não estão dispostos a partilhar poder. Fraco, o fascista eleito não será capaz de se opor a nenhum deles e o Brasil vai assistir às disputas intestinas entre os “conselheiros rei”. Mourão se veste com a farda da anti-corrupção, Malafaia usa o manto “de Cristo” e Bolsonaro está nu. Em cada decisão, em cada nomeação e em cada disputa o país tremerá entre o ruim e o pior. Nomes que poderiam normalizar esta situação como o general Heleno ou Moro não têm força suficiente para disputar com os dois primeiros. Moro deixou de ser juiz e verá que sua força ficou toda na toga. Será rapidamente descartado. Heleno, embora mais centrado e nacionalista que Mourão, não tem a verve do vice-presidente. Mourão age e está disposto a pagar o preço pelas ações. Heleno não, prefere um caminho de menos atrito.
Esqueçam Bolsonaro, ele, em 20 dias, já deu mostras ao Brasil, ao legislativo e aos seus próprios apoiadores de que não tem capacidade alguma de tomar decisões simples e informadas. Não tem capacidade de justifica-las ou mesmo sustenta-las à luz da racionalidade. Ficará como “presidente decorativo”. O foco é em Mourão e Malafaia. Eles governarão o país. E isto é o pior cenário possível para uma democracia. O poder nas mãos de próceres não eleitos e que não respondem diretamente por ele. Seremos uma República Neopentecostal do Dízimo ou uma Ditadura velada e truculenta com ênfase na extração de trabalho de todos para o enriquecimento de alguns? E isto se Malafaia e Mourão continuarem antagonizando ... o cenário pode ser muito pior se entre eles surgir alguma “aliança de ocasião” ...
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