Incendiários e Bombeiros, por Fernando Horta


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Durante a Guerra Fria, havia um cuidado tremendo com a política externa. Dado que o mundo andava no “fio da navalha”, segundo as narrativas da época, cada palavra e cada ato diplomático geravam reações em cadeia. O termo que se usava era “escalada nuclear”. Pequenas ofensas, pequenos conflitos ou mal-entendidos poderiam desencadear uma reação não querida por nenhum dos lados envolvidos, e que não poderia ser contida. Talvez algumas pessoas não saibam, mas o mundo hoje tem MAIS armamento nuclear e meios de uso, do que na guerra fria. E o Brasil, com a monarquia Bolsonaro, se tornou incendiário no sistema internacional ... O prognóstico não é bom.
A História mostra hoje que uma das maiores razões para o racha entre a União Soviética de Stalin e a Iugoslávia comunista do General Tito era a postura incendiária deste último. Tito buscava autonomia, não apenas econômica, mas também política, se afastando da URSS. Acontece que sua visão de “Revolução” de Tito era muito mais pragmática que a de Stalin. Tito agiu na defesa dos comunistas gregos, em seu levante, logo após o fim da segunda guerra. Stalin tinha empenhado a palavra com Churchill de que não atacaria os interesses do Ocidente. Tito trabalhou para desestabilizar toda a região dos Bálcãs, que levou à famosa “Doutrina Truman”, e o fez por cima das ordens de Stalin. As fontes atuais mostram que, na impossibilidade de conter o ânimo de Tito e com o medo de uma escalada nuclear, Stalin foi se afastando do líder iugoslavo a ponto de o ter como “inimigo”.

O mesmo comportamento existiu do lado norte-americano. Pelo menos dois casos são explícitos. Em primeiro lugar, líder vietnamita Ngo Dinh Diem. Após a segunda guerra, o conflito entre o sul e o norte do Vietnã seguia e deixava o palco da Ásia bastante instável. Em 1953, o Vietnã deixou de ser colônia francesa e a disputa política entre o norte e o sul ganhava força. O apoio político popular do norte comunista era maior do que o do Sul. A comunidade Ocidental (com os EUA liderando) sugeriu uma eleição “livre” para resolver as diferenças na região. Em 1955, um referendo foi organizado. O governo americano ordenou que Diem declarasse vitória por 60 ou 65% dos votos apenas. Todos sabiam que as eleições tinham sido fraudadas. Diem declarou que foi vencedor com mais de 98% dos votos. Saigon tinha cerca de 400 mil votantes na época, e Diem afirmou que mais de 600 mil pessoas tinham votado nele naquela cidade. A desmoralização norte-americana era clara. Os incendiários estavam à solta.
Aos poucos Washington foi se afastando de Diem e o mesmo ocorreu com a França, que insistia em travar guerras coloniais pela Ásia. Truman já tinha dado o recado, de não submeter a política externa norte-americana aos delírios de “incendiários” ideológicos, quando desautorizou, e depois puniu e colocou na reserva, o general MacArthur. MacArthur não foi apenas um incendiário na Guerra da Coréia, como seus erros de análise e julgamentos políticos equivocados chegaram a causar a entrada da China no conflito. MacArthur pediu o uso de armas atômicas contra a China. Depois contra a Coréia e, por último, pediu o uso contra a própria URSS. Incendiários, em política internacional, são figuras perigosíssimas, mesmo para grandes potências.
Agora imagine o cenário para o Brasil.
Jair Bolsonaro é um poço de ignorância e despreparo. A cada palavra o dano internacional é imenso. A nomeação de um fantoche do Olavo de Carvalho para o Itamaraty é uma ofensa para a casa de Rio Branco e um perigo para o Brasil. Ao invés de atuar como bombeiro do fascista eleito, o novo chanceler tem seu próprio estoque de gasolina, e já demonstrou que não tem nenhum pudor em jogar nas fogueiras. Mourão é, pasmem, o bombeiro desta turma. Este cenário já é caótico e assustador assim como está descrito. Imaginem com o príncipe-regente, filho do Bolsonaro, andado pelo mundo, colocando bonés e tomando decisões da complexidade da transferência da embaixada para Jerusalém ou sobre “congelar” ativos de outros países?
Eduardo Bolsonaro é assustador. Nem tanto pela sua incapacidade e desconhecimento, mas pelo fato de que sequer consegue entender a própria ignorância e é inútil explicar-lhe o mal que está causando ao país. Em tudo se parece com filhos de ditadores dos anos 80 e 90 que saiam a gastar o dinheiro do país em viagens, hotéis de luxo e outros absurdos, acreditando falarem “pelo país” que o pai governava.
Em pouco mais de 30 dias, a monarquia Bolsonaro já nos colocou na rota dos grupos terroristas, desagradou nossos primeiro e terceiro maiores parceiros comerciais (China e União Europeia) e tudo isto para agradar um presidente que – ao que tudo indica – não será reeleito nos EUA. O que fará Bolsonaro quando (e se) Sanders vier a se tornar presidente dos EUA? O que acharam nossos militares do fato de que nosso presidente bate continência para um sub-assessor de Trump? O que está pensando o Itamaraty com as falas de Macron e de outros líderes europeus sobre a saída do Brasil dos acordos climáticos?
Internamente Bolsonaro pode se manter com fakenews e idiotias olavianas espalhadas aos borbotões a quem não consegue ou não tem vontade de compreender a realidade, mas o sistema internacional é bruto, é pragmático e é real. Mentiras, ignorância, desconhecimento, discursos e bravatas não funcionam, e o Itamaraty sempre soube disto, mesmo com seus chanceleres de direita. Nem a política externa do regime militar deu os sinais catastróficos que o governo Bolsonaro está dando.
O Brasil virou um incendiário no sistema internacional. Bajuladores de Trump, a família real Bolsonaro pode nos colocar em imensos problemas, e não temos meios materiais para respondermos por eles. Nossas forças armadas não são capazes de proteger nosso território e, muito menos, de projetar poder. Nosso poderio financeiro é pífio e tudo o que tínhamos como trunfo internacional era a participação efetiva, pacífica e conciliadora em fóruns internacionais, além de nossa ativa posição como guardiães da Amazônia e defensores dos acordos climáticos.
Os Bolsonaros destroem os pequenos pontos de poder que nossa diplomacia construiu por quase um século, e não ganham absolutamente nada em troca. Parece que eles realmente querem fazer a “América grande novamente”, mas e o Brasil? O Brasil tem General Mourão como bombeiro ... e eu tenho que ler esta frase inúmeras vezes para crer que a escrevi ...
Vida que segue...