Uma boiada sob as barbas de Lula

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26 DE MAIO DE 2023

Na quarta-feira 17, ao embarcar no avião presidencial com destino a Hiroshima, para participar da reunião do G7, Lula foi surpreendido com a notícia de que o Ibama negou licença para a Petrobras explorar poços na bacia da foz do rio Amazonas, no Amapá. Nos anos 1970, a empresa chegou a perfurar 95 poços na região, descobriu apenas gás natural e com o tempo abandonou a empreitada devido às dificuldades operacionais. Agora, com a descoberta de gigantescas reservas de petróleo no Suriname e na Guiana e os avanços tecnológicos obtidos nas últimas décadas, o interesse pela região ressurgiu. "É uma chance de ouro que se perde", lamentou o presidente da Petrobras, ao comentar a proibição.

Para Prates, o projeto é fundamental para renovar as reservas brasileiras com o declínio da produção do pré-sal a partir da próxima década. A possibilidade de perder investimentos no Amapá mobilizou políticos e contribuiu para a saída do senador Randolfe Rodrigues da Rede, partido ao qual estava filiado desde 2015. Trata-se da mesma legenda da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que na terça-feira 23 reafirmou que o veto do Ibama precisa ser respeitado. De acordo com o órgão de proteção, faltaram estudos para avaliar o impacto ambiental da atividade em uma região tão sensível, inclusive sob o olhar internacional.

Incomodado por não ter sido informado antes sobre a licença negada, Lula pouco pôde fazer diante da queda de braço travada entre o Ibama e a Petrobras. Estava a mais de 18 mil quilômetros de distância. Ao retornar para Brasília na terça-feira 23, deparou-se com outra disputa para mediar. Aproveitando-se da dissonância instalada no governo, o deputado Isnaldo Bulhões, relator da MP que reestruturou a administração federal, amputou braços dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Depois, ruralistas e parlamentares do Centrão sacramentaram a "boiada" em uma comissão da Câmara. E com o voto dos governistas, preocupados com o prazo de validade da medida provisória. Caso o Congresso não a aprove a tempo, a Esplanada dos Ministérios voltará a ter a configuração deixada por Jair Bolsonaro, com 23 pastas, e não 37.

Com a mutilação do Ministério do Meio Ambiente, a Agência Nacional de Águas passou para a tutela do Desenvolvimento Regional, pasta comandada por Waldez Góes (PDT), indicado por parlamentares da União Brasil para o cargo. O Cadastro Ambiental Rural, instrumento essencial para combater a grilagem de terras e controlar o desmatamento, também foi retirado das mãos de Marina Silva. Felizmente, não voltou para o Ministério da Agricultura, historicamente chefiado por representantes do agronegócio, como era na gestão de Bolsonaro. Foi incorporado à estrutura da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, liderada pela economista Esther Dweck, com quem Marina Silva tem boa relação. O texto transferiu, ainda, a Funai e toda a estrutura de demarcação de terras indígenas para o Ministério da Justiça, esvaziando as atribuições de Sônia Guajajara.

Como a própria ministra do Meio Ambiente admitiu, o problema é que Lula tem uma base muito frágil no Parlamento. Ciente disso, os ruralistas tentam, a todo instante, impor a agenda do governo anterior, que saiu derrotado das urnas. Ciente das dificuldades, o presidente busca minimizar o desgaste, fazendo acenos a Marina ao mesmo tempo em que negocia com o Centrão de Arthur Lira, presidente da Câmara. "É do jogo", resumiu Lula, "o que não pode é se assustar com a política".

No caso da Petrobras, o veto do Ibama não é irreversível. Apenas faltam estudos mais consistentes de avaliação dos impactos ambientais. Se eles forem feitos e indicarem que a operação é segura, a licença pode ser liberada. Na edição que começa a circular nesta sexta 26, CartaCapital alerta, porém, que há áreas mais rentáveis e com menor risco ambiental para explorar no litoral nordestino – revelação feita ao editor Carlos Drummond pelo geólogo Luciano Seixas Chagas, aposentado da estatal e sócio fundador da Quarzo Consultoria em Exploração de Petróleo.

Em todo caso, Lula deve redobrar a atenção para não permitir que novas boiadas passem sob suas barbas. Uma das principais ameaças é a tese do "marco temporal", inventada por fazendeiros e seus juristas, segundo a qual, para reivindicar uma área, os indígenas deveriam provar que a ocupavam em outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A tese chegou ao Supremo em 2016. Em 9 de maio, a presidente do tribunal, Rosa Weber, marcou a data para o plenário apreciar a causa: 7 de junho. 

A tendência é que a Corte sepulte, de uma vez por todas, a exótica tese, mas a bancada ruralista busca um atalho para impor sua vontade. Uma amostra do estado de ânimo em torno do tema foi vista na quarta-feira 24. Os deputados carimbaram como "urgente" uma lei escrita pela bancada ruralista para legalizar o "marco temporal". Com essa lei, a ser votada a qualquer momento na Câmara, tentará neutralizar o julgamento do Supremo, como explica o repórter André Barrocal na edição impressa. 

Célia Xakriabá, deputada indígena pelo PSOL mineiro e colunista de CartaCapital, define a iniciativa como um "genocídio legislado", por ameaçar a sobrevivência dos povos originários e a preservação do meio ambiente. "Trata-se de um projeto que permite a retomada de 'reservas indígenas' pela União, que usa critérios completamente subjetivos e coloca em risco ao menos 60 territórios. Falamos aqui de cerca de 70 mil pessoas e de uma área total de 396,3 mil hectares", escreveu em sua coluna.

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