Os ricos e os sonegadores podem dormir aliviados

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Os ricos e os sonegadores podem dormir aliviados


Há muitos anos o Brasil figura na dianteira dos rankings de desigualdade. De acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, só perdíamos para o Catar em concentração de renda no fim de 2019. Mais recentemente, em 2021, o World Inequality Lab, codirigido pelo economista francês Thomas Piketty, apontava o País como o segundo mais desigual do G-20, atrás apenas da África do Sul. 


À época, revelou o laboratório de Piketty, os 10% mais ricos no Brasil controlavam 58,6% da renda nacional. Já o diminuto grupo do 1% mais rico abocanhava mais de um quarto dos ganhos (26,6%). O patrimônio está ainda mais concentrado. Em 2017, a ONG Oxfam revelou que seis bilionários brasileiros possuíam a mesma riqueza que a soma dos bens de 100 milhões de habitantes, a metade mais pobre da população.


No último país das Américas a abolir a escravidão, a concentração de renda e propriedade tem raízes profundas, históricas, mas o disfuncional sistema tributário brasileiro contribui para agravar o problema. Regressivo, ele atua como uma espécie de Robin Hood às avessas, impondo uma carga leve para os abastados e pesada demais para quem ganha menos. Não por acaso, os 10% mais pobres do Brasil gastam 32% de sua renda com tributos, enquanto os 10% mais ricos despendem 21%, segundo a Oxfam.


A razão da disfunção é clarividente. O Brasil cobra muitos impostos sobre o consumo, e quem é pobre gasta tudo que ganha para sobreviver, não tem condições de fazer reservas, como as classes média e alta. Além disso, o País taxa de maneira injusta o patrimônio e a renda. Um exemplo? Todos os proprietários de veículos automotores, inclusive os carros populares e as motos dos entregadores de aplicativo, pagam IPVA todos os anos. Já os donos de jatinhos e iates estão isentos de qualquer cobrança.


Não é tudo. A alíquota máxima do IR no Brasil é de 27,5% e incide sobre todos os cidadãos com renda superior a 4.664 reais. Nos países desenvolvidos da OCDE, as alíquotas máximas variam entre 40% e 50%, e costumam atingir contribuintes com renda superior a 44 mil reais, segundo uma nota técnica do Ipea divulgada em 2022. Graças à isenção concedida por FHC, o Brasil é um dos raros países que não tributam lucros e dividendos – apenas a Estônia e a Letônia praticam o mesmo desatino, de acordo com um levantamento feito pela Tax Foundation.


Nenhuma dessas disfunções foi, porém, corrigida pela Câmara dos Deputados. A reforma em discussão no Congresso apenas simplifica a cobrança de impostos que incidem sobre o consumo, criando o Imposto Sobre Valor Agregado, conhecido pela sigla IVA. Os ricos e os sonegadores podem dormir aliviados, pois não serão alcançados.


Propostas como a criação de novas alíquotas do Imposto de Renda, a retomada da taxação sobre lucros e dividendos, a criação de um imposto sobre as grandes fortunas e uma maior taxação sobre o patrimônio foram convenientemente deixados para um segundo momento, a depender da boa vontade de Arthur Lira para colocar a pauta em discussão na Câmara, como revela a reportagem de capa de CartaCapital desta semana. E como é de conhecimento público, a boa vontade de Lira sempre tem um custo alto.


A exemplo do ocorrido nas reformas trabalhista e da Previdência, que suprimiram direitos dos trabalhadores e dificultaram o acesso à aposentadoria, a chamada grande mídia ignora os argumentos dos críticos e celebra o IVA – uma inovação necessária, mas que contempla, sobretudo, os interesses de empresários. Não esperem a mesma festa quando o governo Lula apresentar as propostas para taxar o andar de cima. 


A julgar por experiências passadas, como a tentativa de criar um imposto sobre movimentações financeiras para bancar a saúde, a gritaria será generalizada. Não se descarta a possibilidade de patos de borracha se multiplicarem pelas vias públicas, para expressar o repúdio dos ricos e dos sonegadores a qualquer forma de taxação.


Como de hábito, CartaCapital estará onde sempre esteve: na trincheira por uma reforma que promova justiça fiscal e assegure os recursos necessários para o financiamento de serviços públicos essenciais, como saúde, educação e assistência social.


Esta não será uma batalha fácil e temos consciência de que, por defender os interesses da maioria dos brasileiros, sobretudo daqueles em situação de vulnerabilidade social, não podemos contar com o apoio de grandes grupos financeiros e empresariais. Para manter esta cobertura crítica da reforma tributária, contamos exclusivamente com o apoio dos nossos leitores.


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