Carta para o Futuro #2: os desafios do audacioso Plano de Transição Ecológica do governo Lula

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1º de agosto de 2023

Amigo leitor,

Diante do tamanho dos problemas brasileiros, o debate sobre as mudanças climáticas costuma ficar em segundo plano. Não raro, é tratado como se pouco interessasse aos países em desenvolvimento. O Brasil, porém, tem um papel fundamental neste tema, como detentor da maior parte da floresta amazônica e de um enorme potencial para investimentos em energia limpa e sustentável.


Pensando nisso, CartaCapital se uniu ao Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental, o Proam, para lançar esta Carta Para O Futuro, uma newsletter dedicada à relação entre clima, meio ambiente e sociedade. A cada 15 dias, você receberá um apanhado crítico e analítico assinado por Carlos Bocuhy, presidente do Proam, a respeito do que importa no debate ambiental.


Boa leitura!

Thais Reis Oliveira

Editora executiva

Uma análise crítica do Plano de Transição Ecológica do governo Lula 

Uma implementação bem-sucedida exigirá um compromisso sério e pragmático com a sustentabilidade, a conformidade ambiental e a justiça social

por Carlos Bocuhy

O ambicioso Plano de Transição Ecológica que o governo Lula está a prestes a apresentar pretende reinventar a economia brasileira. A inspiração surge da conferência Rio+20, em 2012, na qual a ONU defendeu uma economia sustentável, focada no bem-estar humano, na igualdade e na redução de riscos ambientais.


Os princípios estabelecidos pela ONU há dez anos entretanto, não estabeleciam limites para o crescimento. E, dada a emergência climática, precisam ser reavaliados. Por isso, é fundamental avaliar a eficácia dos incentivos econômicos propostos pelo governo, bem como o escopo e a amplitude deste plano de transição ecológica.


A responsabilidade de implementar o "pacote verde" cairá nas mãos do Ministério da Fazenda. Conhecido como Plano de Transição Ecológica, o projeto operará em seis frentes, com ênfase especial em incentivos para o mercado de créditos de carbono, energia renovável e bioeconomia.


Embora se perceba uma similaridade com os caminhos da transição ecológica adotados pela União Europeia, existem pontos críticos a serem observados no abrasileiramento deste processo.


Na Europa, a transformação é impulsionada por uma forte demanda social, por crescente consciência dos consumidores – aos quais os parlamentares europeus respondem.


Já o Brasil precisará, em primeiro lugar, estabelecer requisitos mínimos para a transição, que permitam avançar com segurança rumo aos objetivos estabelecidos.


A aplicação da lei sempre foi um ponto fraco nas iniciativas brasileiras. Se considerarmos o volume de infrações ambientais existentes, é evidente que progredir implica em estabelecer um patamar mínimo de regularidade ambiental nas duas regiões mais prejudicadas pela exploração ilegal: a Amazônia e o Cerrado.


O Plano de Transição Ecológica de Lula só terá sucesso se cumprir o requisito fundamental de trazer a Amazônia e o Cerrado à conformidade ambiental. Esta conformidade será alcançada através de fiscalização eficaz e inteligente, envolvendo a Polícia Federal, Ibama, órgãos estaduais e municipais – e, naturalmente, as Forças Armadas.


Se o Brasil não fizer sua lição de casa, continuará enfrentando mais barreiras comerciais no mercado internacional. Além disso, a maior ênfase em todo este processo deve ser a adaptação às mudanças climáticas. Nesse sentido, é crucial entender que o mercado de carbono não é uma permissão para continuar poluindo.


Assim, a implementação bem-sucedida do Plano de Transição Ecológica do governo Lula exigirá um compromisso sério e pragmático com a sustentabilidade, a conformidade ambiental e a justiça social.

Como enfrentar o calor extremo

Seguindo o exemplo do tórrido verão do Hemisfério Norte, o Brasil deverá enfrentar um verão atípico entre 2023 e 2024

por Carlos Bocuhy

As recentes ondas de calor extremo no Hemisfério Norte têm exposto milhões de pessoas a temperaturas elevadas e atípicas, resultando em alta mortalidade. Há duas explicações predominantes: o fenômeno El Niño, que deve influenciar fortemente nosso clima até janeiro de 2024, e o aumento constante da temperatura global média, que já apresenta uma alta de aproximadamente 1,2º C desde o início da era industrial.


A Organização Mundial da Saúde (OMS) já vê uma alta incidência de doenças e mortalidade ligada ao drástico aumento da temperatura corporal humana. Diante deste cenário inédito na história moderna, fica mais díficil para nossos organismos enfrenta regularem suas temperaturas. O resultado é uma cascata de doenças, que vão desde cãibras e exaustão por calor até insolação e hipertermia. As temperaturas extremas também podem agravar doenças crônicas, como problemas cardiovasculares, respiratórios, cerebrovasculares e condições relacionadas ao diabetes.


Embora preocupante, a ciência médica sugere que muitos desses efeitos adversos à saúde podem, em parte, ser evitados. Já há guias para sobrevivência, focando ações preventivas que requerem políticas públicas bem definidas, estratificadas em diferentes níveis, a partir de avaliações estratégicas sobre vulnerabilidade e adaptação.


Seguindo o exemplo do tórrido verão do Hemisfério Norte, o Brasil deverá enfrentar um verão atípico entre 2023 e 2024. Nosso clima apresenta características peculiares, com temperaturas máximas mais relacionadas à secura que sucede os meses de inverno na região Centro-Oeste e picos de temperatura no verão no Sudeste, especialmente em estados como São Paulo.


O Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) destaca a secura do clima no Nordeste brasileiro, não apenas com altas temperaturas, mas também com o avanço da desertificação em diversos estados.


Fica claro, portanto, que o Brasil precisa de um plano integrado para lidar com o calor extremo. A proteção da população precisa ser planejada através de estratégias que envolvam a capacitação da sociedade, e o preparo adequado dos setores de saúde e assistência social.


Essa estratégia de combate ao calor excessivo demandará a cooperação entre diferentes esferas de governo, incluindo federal, estadual e municipal. É fundamental a capacitação e preparação dos municípios, que são responsáveis pelos serviços de saúde essenciais à população.


O Ministério da Saúde, em seu programa Vigidesastres já prevê teoricamente os riscos associados às ondas de calor. Porém, ainda é necessário aprimorar esse planejamento.


Além disso, há segmentos da sociedade que estão em maior risco, como idosos e trabalhadores de áreas abertas e ambientes de trabalho sem refrigeração adequada.


De forma estrutural, é preciso melhorar a habitabilidade de nossas cidades. É crucial que o planejamento urbano, métodos construtivos e melhorias em edificações proporcionem maneiras de amenizar os efeitos das ondas de calor extremo. As áreas urbanas intensamente pavimentadas e de cores escuras, por exemplo, absorvem calor durante o dia e o liberam à noite, exacerbando o fenômeno das ilhas de calor.


Também são fundamentais a proteção dos recursos naturais e a expansão de áreas verdes para refrigeração e sequestro de carbono. A prevenção de incêndios em campos, culturas, áreas naturais e florestais pode proteger a biodiversidade e prevenir a exposição das populações à poluição do ar.


Todas essas ações podem ser integradas em um plano de ação contra o calor extremo, com medidas escalonadas de acordo com a gravidade do risco. É crucial considerar os riscos de insegurança alimentar, especialmente em áreas onde cultivos específicos podem ser vulneráveis a altas temperaturas.


Para ilustrar a gravidade de uma onda de calor extremo, basta olhar para o que está acontecendo nos verões europeus, com as ondas de calor chamadas Cérbero e Caronte. O fato de tais ondas de calor agora receberem nomes, assim como tornados e furacões, é um testemunho da seriedade e da gravidade desses fenômenos.

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