Carta para o Futuro #12: Os desafios urgentes para o meio ambiente em 2024

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11 de janeiro de 2024

Para manter vida e qualidade de vida, a humanidade deve adaptar-se a um modelo de sustentabilidade (Foto: iStockphoto)

Os desafios urgentes para o meio ambiente em 2024

Uma correção de rumos exigirá o cumprimento de tratados, acordos e legislações, percepção de novos conceitos para planejamento com aporte científico e, essencialmente, o exercício pleno da democracia


por Carlos Bocuhy

Os desequilíbrios ambientais são globais. Para manter vida e qualidade de vida, a humanidade deve superar o excesso de impactos que gera e adaptar-se a um modelo de sustentabilidade.

 

Novas agendas planetárias em 2024 surgem como desafios urgentes: clima, água, biodiversidade, uso do solo, contaminação do meio ambiente por novas substâncias tóxicas, intensos fluxos biogeoquímicos oriundos de indústria e agricultura, acidificação dos oceanos, lançamento de aerossóis e diminuição da camada de ozônio.

 

Ao lado das agendas globais ambientais, o planeta enfrenta desafios sociais, econômicos e institucionais. Em 2015 a ONU definiu metas mundiais, institucionalizadas nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, compostos por 17 objetivos e 169 metas. Dentre estes destacam-se a erradicação da pobreza, segurança alimentar, agricultura, saúde, educação, redução das desigualdades e muitas outras temáticas. 

 

Abordar expectativas ambientais para 2024 é refletir sobre como transformar o atual modus vivendi civilizatório nessa Era Humana, o Antropoceno. Trata-se de época sensível, marcada pelo "tipping point" em muitas agendas, ou seja, um estado de sensibilidade extremada na condição de ecossistemas que se encontram em zona limite diante da contínua fragilização.

 

Uma correção de rumos exigirá o cumprimento de tratados, acordos e legislações, percepção de novos conceitos para planejamento com aporte científico e, essencialmente, o exercício pleno da democracia, com transparência governamental e ampla participação social.

 

No rol de prioridades está a transformação do modelo econômico, que impulsiona a humanidade desde o crescimento sem futuro até o desejável desenvolvimento. Da economia exige-se qualidade, cujo principal requisito é sustentabilidade: a busca da sobrevivência civilizatória. 


Da sustentabilidade exige-se veracidade, ausência de greenwashing, do faz de conta do marketing ambiental. A economia deve ser demarcada por aspectos qualitativos e intemporais, onde os desejáveis resultados não podem visar apenas o presente, mas também garantir futuro saudável. 

 

Assim, 2024 demanda a remoção de inconsistências e superação de desafios por meio de boas políticas transformadoras. Nesse processo, a correta estruturação da governança ambiental é elemento imprescindível.

 

O papel dos governantes é essencial, pois o Executivo possui poderes discricionários com forte capacidade transformadora. Para mandatários, o grau de consciência ecológica é elemento imprescindível. 


Se observarmos os discursos atuais do presidente Lula, veremos que há convergência com o de vários líderes globais como Emmanuel Macron, presidente da França. Ambos defendem a transição ecológica e o combate à pobreza. Macron defende, assim como Lula, um Pacto Global pelo Clima e reivindica a reforma da governança financeira global para benefício dos países em desenvolvimento. Emmanuel Macron: "Temos de acelerar ao mesmo tempo em termos da transição ecológica e do combate à pobreza".

 

Muitos mandatários concordam que o Acordo de Paris representa a pedra angular estabelecida para a transformação. As falas de Antorio Guterrez, secretário geral da ONU, e da primeira-ministra de Barbados, Mia Motttley, fazem coro a mais de uma centena de países, defendendo transformações dos agentes econômicos, ressaltando macrodiretrizes globais a serem perseguidas, como por exemplo:


  • afastar-se dos combustíveis fósseis;
  • mover a economia rumo ao combate às mudanças climáticas;
  • pautar mudanças globais nos sistemas de financiamento global e suas instituições;
  • democratizar o FMI e o Banco Mundial;
  • acelerar processos de bioeconomia e pagamento por serviços ambientais;
  • financiar a transição e adaptação dos países mais vulneráveis, inclusive prevendo aportes sem juros para evitar endividamentos que venham a sufocar economias locais atingidas por eventos climáticos extremos. 


Nesse aspecto, faz-se fundamental a consolidação do fundo de perdas e danos, atribuindo responsabilidades aos países mais ricos e poluidores sobre as consequências do aquecimento global para países vulneráveis.

 

Outras fronteiras globais ameaçadas estão na mira da proteção, como os oceanos, um gigantesco sumidouro de carbono. Vale citar ainda o aprimoramento dos mecanismos que regulamentam o mercado de carbono, de forma a ser utilizado de forma ética e não como subterfúgio para a manutenção de processos poluidores.

 

Contradições a serem superadas

 

Em 2023 o Brasil assistiu a notáveis avanços no discurso ambiental estatal. A gestão de Jair Bolsonaro valeu-se do poder discricionário do Executivo para alterar centenas de dispositivos infralegais, como decretos, resoluções, portarias e outros, visando à facilitação para setores econômicos como agronegócio, pecuária, garimpo e extração de madeira, o que resultou em aumento da degradação do meio ambiente e da criminalidade ambiental, provocando descontrole territorial, especialmente na Região Amazônica.  

 

Com a entrada do governo Lula, houve uma ação restauradora, porém não suficiente para reparar as insuficiências institucionais causadas na gestão anterior. Isso decorre do clima de extrema sensibilidade política, já que as forças da depredação ambiental sobrevivem no epicentro da política brasileira, encastelada no Congresso Nacional e em cargos do Executivo, onde se inseriram por meio de coalisões do velho sistema "toma-lá-dá-cá", como suposta garantia política de "governabilidade". Nota-se continuidade de conflitos entre o interesse público e privado. 

 

O retorno à ação dos aparatos estatais, como Ibama e ICMBio, provocaram efeitos práticos e pedagógicos sobre a criminalidade, com efeitos mensuráveis na diminuição do desmatamento da Região Amazônica.

 

Em compensação houve aumento de emissões de Gases Efeito Estufa decorrente do crescimento do rebanho bovino, além de aumento do desmatamento para expansão da agricultura e pecuária no bioma Cerrado, no Centro-Oeste e região do Matopiba.

 

Os tribunais de contas dos Estados e da União diagnosticaram deficiências na implementação das políticas setoriais no Nordeste. O diagnóstico das deficiências estatais é um alento para a implementação de políticas setoriais de forma integrada, especialmente para a resolução da velha demanda de combate à seca.

 

Frente às negociações climáticas, o Brasil promete reduzir 48,4% de suas emissões dos gases do efeito estufa (GEE) para 2025. O desmatamento contribui para 48% das emissões e atividades do agronegócio respondem por 27% das emissões, ambos financiados com dinheiro público.

 

No cerrado do Centro-Oeste e Matopiba, onde ocorre o maior índice de desmatamento ilegal, o aporte de subsídios estatais para o agronegócio gira em torno de R$ 16,9 bilhões de reais, sendo, apenas do BNDES, um total de R$ 4,2 bilhões.

 

Produção agrícola e fome 


Nos aspectos relacionados à produção agrícola e o combate à fome, o Brasil continua a manter velhas diretrizes da economia predatória. O economista Ladislau Dowbor afirma que o amplo financiamento subsidiado para o setor do agronegócio e o direcionamento brutal da produção de alimentos para a exportação são decisões políticas equivocadas que apenas beneficiam grandes corporações e seus respectivos intermediários, sem levar em conta a necessidade de produzir em busca da qualidade dos alimentos e da segurança alimentar da população.

 

Dowbor toca no ponto essencial de reduzir desigualdades e no combate à fome: "Na verdade, nosso problema não é a falta de recurso, de saber o que fazer. A realidade é que a nossa produção está sendo exportada porque vende mais, afinal de contas com a Lei Kandir a exportação não paga imposto, não temos uma reorientação necessária da economia para as necessidades". 


Garimpo ilegal


Ao lado do desmatamento para extração de madeira e abertura de mais fronteiras para agricultura e gado, o garimpo ilegal na região amazônica impacta a floresta, a biodiversidade e os povos indígenas. A prática ainda corre solta, apesar do empenho do governo Lula, no início da gestão, para conter os principais hotspots da degradação em terras indígenas.

 

Como se verifica na série de reportagens produzidas pela Folha de São Paulo com apoio do Amazon Rainforest Journalism Fund, em parceria com Pulitzer Center, o descontrole territorial continua em diversos estados, entre esses o território dos nambikwaras (MT). No local, cinco funcionários públicos da Funai e da Força Nacional restam impotentes diante de 2.000 garimpeiros em atividade.  


"A gente quer a retirada desses invasores e indenização pelas áreas arrebentadas. Se fosse em área de branco, de fazendeiro, já teriam conseguido", afirma o cacique geral da terra Sararé, Saulo Kititaurlu. O coordenador da base da Funai, André Rodrigues, aponta a necessidade de mais bases e corpo de fiscalização.

Com explosivos e túneis, garimpo encurrala indígenas e Estado em terra superinvadida em 2023.

 

O Ibama, principal órgão federal de controle e fiscalização da Amazônia, encontra-se em estado lastimável, com efetivo em torno de 2.925 funcionários, com apenas metade (49,2%) em atividade e cerca de 1.000 próximos da aposentadoria.

 

Em passado recente o Ibama chegou a ter 6.200 funcionários. Das vagas ociosas do órgão, 41,6% são de agentes que se aposentaram. Também há aqueles que morreram e/ou tiveram pensões indicadas em seus nomes (cerca de 9,2%). Os dados correspondem a novembro de 2023, o mais recente disponível, e estão no Painel Estatístico de Pessoal do governo federal. Hoje, conforme o painel, há só 2.925 servidores do Ibama da carreira ambiental atuando no País.

 

Durante o episódio da seca e queimadas que assolaram a Amazônia em 2023, a maior seca em 121 anos, a infraestrutura colapsou com transporte fluvial interrompido, falta de alimentos, remédios e frequentes nuvens tóxicas de fumaça que sufocaram Manaus e provocaram danos à saúde pública. Ficou evidente a falta de capacidade operacional para o combate a incêndios e a necessidade de o Brasil se preparar para eventos extremos.

 

Se o governo não aumentar quadros e recursos para o Ibama imediatamente, a atual fragilização notada em 2024 coloca em risco o parcial sucesso de controle da criminalidade, que se apresenta muito mais intensa e organizada do que em períodos anteriores, levantando sérias dúvidas sobre o atingimento da meta de desmatamento zero para 2030.

 

Combustíveis fósseis


Enquanto os efeitos das mudanças climáticas se abatem sobre o Brasil, desde o Vale do Taquari (RS) à seca na Amazônia, de forma paradoxal o governo federal explicitou seu alinhamento à exploração e exportação de combustíveis fósseis em 2023.

 

Além de aceitar participar da Opep+ durante a COP28 (em inacreditável contradição), deu início, em dezembro de 2023, por meio de leilões da Agência Nacional de Petróleo (ANP), à forte expansão para exploração do pré-sal, com mais de 600 novos poços.

 

O setor de petróleo e gás do Brasil tem anunciado que saltará da atual produção de 2,2 milhões de barris/dia para 5,4 milhões de barris em 2029, com perspectivas de sair da 8ª para a 4ª posição mundial como produtor de petróleo. Pré-sal produzirá 7,7 bilhões de barris de óleo em partilha até 2032 | Agência Brasil (ebc.com.br)

 

Se por um lado o Brasil recuperou parte de sua imagem ambiental junto à comunidade internacional, por iniciar com maior efetividade o combate ao desmatamento, de outro lado sofreu desgastes com atuais sinalizações antiambientais do setor de petróleo e gás, acabando por receber o troféu "Fóssil do Dia" durante a COP28. 


Posteriormente, entidades de todo o Brasil e especialistas em sustentabilidade repudiaram, por meio de manifesto, o maciço investimento brasileiro em combustíveis fósseis, incluindo as perspectivas futuras ambientalmente insustentáveis, que retratam intensa contradição entre o discurso ambiental e a realidade da política energética do governo brasileiro.

 

Retrocessos normativos


É preciso urgente correção de rumos em 2024 sobre as ações antiambientais protagonizadas pelo Congresso Nacional, que vêm provocando danos palpáveis para a agenda ambiental brasileira.

 

Imprescindível a necessidade da atuação mais firme e ambientalmente qualificada do poder executivo, frente a um legislativo capturado por linhas predatórias do agronegócio. A produção legislativa nociva caminha na contramão das conquistas sociais. 


Vide o "PL do Veneno", que traz facilitações para as áreas de licenciamento para agrotóxicos; a execrável criação do Marco Temporal, que retira segurança jurídica para os assentamentos indígenas com data posterior à Constituição Federal de 1988; o PL do Licenciamento Ambiental, com facilitações de autolicenciamento e liberalidades gerais, como anistias e outros artifícios que conspiram contra a própria essência da avaliação de impacto ambiental.

 

Todos esses retrocessos encontram-se longe do respeito às balizas legais constitucionais, e sua correção exigirá firme atuação do Judiciário, e consonância com posturas republicanas e constitucionais do executivo.

 

Políticas ambientais em 2024 


Não resta dúvida sobre o fato de que o Brasil precisa agir em 2024 para remover inconsistências e insuficiências de sua política ambiental.


Será preciso se livrar das dicotomias inaceitáveis, como por exemplo:

  • estímulo e financiamento prioritário da matriz energética fóssil;
  • a incongruência redobrada sobre a política de combustíveis fósseis ao perseguir exploração em áreas ambientalmente frágeis (foz do Amazonas, Atol das Rocas, Fernando de Noronha, etc.);
  • superar a insuficiência de quadros, recursos e articulação política para combater o desmatamento; melhorar a capacidade de enfrentamento efetivo da criminalidade ambiental na Amazônia;
  • reverter a permissiva continuidade do uso extensivo de agrotóxicos e a falta de banimento dos que já foram banidos no exterior em função de comprovada periculosidade, processo agora facilitado por lei que abranda processos de registro e utilização;
  • ampliar a capacidade de interlocução proativa que apresente bons resultados entre o Ministério do Meio Ambiente e o Legislativo Nacional;
  • superar a falta de estruturação adequada da Agência Nacional de Águas e Saneamento e de recursos hídricos, que segue sob a gestão inadequada do Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional, assim como do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que inexplicavelmente segue sob competência do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos;
  • sanear passivos importantes na área de participação social, como reavivar o cadastro de entidades ambientais do Conama e realinhar a composição do conselho livrando-o da atual insuficiência democrática;
  • reedição da resolução que estabelece padrões de qualidade do ar em conformidade com os valores indicadores da OMS, evitando a morte de dezenas de milhares de brasileiros, especialmente crianças e idosos;
  • e, em aspecto dos mais prioritários, implementar democrática adaptação climática, contemplando, capacitando e empoderando comunidades vulneráveis para agir em sua defesa, já que são as principais depositárias dos crescentes impactos dos eventos extremos.


Ressalte-se que, para a solução das pendências nas agendas ambientais será necessário contar com acompanhamento e firme atuação da sociedade civil, do Ministério Público e da Defensoria Pública, em defesa dos interesses difusos e das comunidades mais vulneráveis; e dos Tribunais de Contas da União e dos Estados, responsáveis na promoção de uma "Administração Pública efetiva, ética, ágil e responsável".


O ano de 2024 é um ano extremamente oportuno. A atual gestão federal ambiental já contou com tempo suficiente para avaliar o estado da arte e fazer a lição de casa ao menos dentro do poder discricionário estatal.


É preciso perseguir, de forma operacional, os prazos e metas assumidos diante do atual estado de urgência climática, assim como o atingimento dos ODS previstos para 2030, especialmente contando com momento político favorável por sediar a COP30 em 2025, em Belém do Pará.


Para atingir esses objetivos, em 2024 o Brasil deve transformar a retórica ambiental em ações efetivas, potencializando participação social e intervenções práticas na realidade, de forma transformadora, transparente e mensurável.


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