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O incrível e inacreditável Luis Fernando Veríssimo

“Incrível” e “inacreditável” querem dizer a mesma coisa — e não querem. “Incrível” é elogio. Você acha incrível o que é difícil de acreditar de tão bom. Já inacreditável é o que você se recusa a acreditar de tão nefasto, nefário e nefando — a linha média do Execrável Futebol Clube.
Incrível é qualquer demonstração de um talento superior, seja o daquela moça por quem ninguém dá nada e abre a boca e canta como um anjo, o do mirrado reserva que entra em campo e sai driblando tudo, inclusive a bandeirinha do córner, o do mágico que tira moedas do nariz e transforma lenços em pombas brancas, o do escritor que torneia frases como se as esculpisse.
Inacreditável seria o Jair Bolsonaro na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara em substituição ao Feliciano, uma ilustração viva da frase “ir de mal a pior”.
Incrível é a graça da neta que sai dançando ao som da Bachiana nº 5 do Villa-Lobos como se não tivesse só cinco anos, é o ator que nos toca e a atriz que nos faz rir ou chorar só com um jeito da boca, é o quadro que encanta e o pôr de sol que enleva.
Inacreditável é, depois de dois mil anos de civilização cristã, existir gente que ama seus filhos e seus cachorros e se emociona com a novela e mesmo assim defende o vigilantismo brutal, como se fazer justiça fosse enfrentar a barbárie com a barbárie, e salvar uma sociedade fosse embrutecê-la até a autodestruição.
Incrível, realmente incrível, é o brasileiro que leva uma vida decente mesmo que tudo à sua volta o chame para o desespero e a desforra.
Inacreditável é que a reação mais forte à vinda de médicos estrangeiros para suprir a falta de atendimento no interior do Brasil, e a exploração da questão dos cubanos insatisfeitos para sabotar o programa, venha justamente de associações médicas.
Incrível é um solo do Yamandu.
Inacreditável é este verão.
Luis Fernando Veríssimo é escritor.

Crônica semanal de Luis Fernando Veríssimo

“Incrível” e “inacreditável” querem dizer a mesma coisa — e não querem. “Incrível” é elogio. Você acha incrível o que é difícil de acreditar de tão bom. Já inacreditável é o que você se recusa a acreditar de tão nefasto, nefário e nefando — a linha média do Execrável Futebol Clube.

Incrível é qualquer demonstração de um talento superior, seja o daquela moça por quem ninguém dá nada e abre a boca e canta como um anjo, o do mirrado reserva que entra em campo e sai driblando tudo, inclusive a bandeirinha do córner, o do mágico que tira moedas do nariz e transforma lenços em pombas brancas, o do escritor que torneia frases como se as esculpisse.
Inacreditável seria o Jair Bolsonaro na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara em substituição ao Feliciano, uma ilustração viva da frase “ir de mal a pior”.
Incrível é a graça da neta que sai dançando ao som da Bachiana nº 5 do Villa-Lobos como se não tivesse só cinco anos, é o ator que nos toca e a atriz que nos faz rir ou chorar só com um jeito da boca, é o quadro que encanta e o pôr de sol que enleva.
Inacreditável é, depois de dois mil anos de civilização cristã, existir gente que ama seus filhos e seus cachorros e se emociona com a novela e mesmo assim defende o vigilantismo brutal, como se fazer justiça fosse enfrentar a barbárie com a barbárie, e salvar uma sociedade fosse embrutecê-la até a autodestruição.
Incrível, realmente incrível, é o brasileiro que leva uma vida decente mesmo que tudo à sua volta o chame para o desespero e a desforra.
Inacreditável é que a reação mais forte à vinda de médicos estrangeiros para suprir a falta de atendimento no interior do Brasil, e a exploração da questão dos cubanos insatisfeitos para sabotar o programa, venha justamente de associações médicas.
Incrível é um solo do Yamandu.
Inacreditável é este verão.

Ser menos insubstituível

Há muito tempo, em uma galáxia muito distante, a Outra Significativa (minha companheira) era uma pessoa-que-trabalhava-em-prédio. Um pouco insolente, ela vivia pedindo aumento. um dia, a chefa olhou para ela e disse:
"olha aqui, menina, o seu trabalho eu arrumo vinte que fazem igual. ninguém é insubstituível!".
Aquilo calou fundo. a chefa estava coberta de razão.

Crônica

É o calor

por Luis Fernando Veríssimo

Alguém tem que assumir a culpa, minha filha! Sensação térmica de 51 graus, alguém tem que ser responsável’
Pode acontecer. A moça do tempo na TV entra no bar com um grupo de amigos. É recebida com óbvio desconforto pelos frequentadores do bar. Ouve-se um zum-zum-zum de desaprovação à sua presença. O grupo da moça ocupa uma mesa. Depois de algum tempo, um homem da mesa ao lado não se contém e pergunta:
— Você não é a moça do tempo, na TV?
A moça diz que é, sorrindo, mas o homem não sorri. Pergunta:
— Até quando vai esse calor?

— Pois é — diz a moça, ainda sorrindo. — Está difícil de prever. Tem uma zona de pressão na...
— Não — interrompe o homem. — Não me venha com zona de pressão. Chega de enrolação.

Uma mulher de outra mesa se manifesta:
— Há dias que você põe a culpa pelo calor nessa zona de pressão. E não toma providências.

— Minha senhora, eu...

Outros começam a gritar.

Administrando o tempo

Como aproveitar um dia de folga 
Temos uma rotina de incontáveis coisas e situações e o tempo só querendo a gente o tempo todo, gritando por nossa atenção. É o Facebook, o Twitter, o vídeo de só 5 minutos no Youtube, uma passada de olho na timeline do Instagram. É mãe ligando, chefe pedindo refação porque o cliente reprovou, a Ana Maria Braga chamando aquela reportagem de dicas de decoração que sua irmã disse ser legal.
Isso porque você ainda nem saiu de casa.
Uma hora e meia de ida, uma hora e meia de volta.
Uma hora e meia de ida, uma hora e meia de volta (imagem: Dan Park)
Talvez gerenciamos o nosso tempo bem demais, já que estamos aí, fazendo tudo isso ao mesmo tempo e ainda levando o cachorro para passear e tirando selfies no espelho do elevador indo pra academia. Nossa geração conseguiu acelerar tanto que, em 24 horas, fazemos 72.
Faz muito sentido quando temos um domingo sem nada na agenda ou o feriado abençoado de meio de semana — que não emenda — e tudo o que queremos é uma hibernação repentina.
Ficar de preguicinha, colocar as séries em dia, ficar de pijama o dia todo, ver filmes, dormir de conchinha, zerar — finalmente! — o jogo preferido da vez. Um feriado de quarta-feira, descompromissado, acaba servindo só para o seu relógio, que está fazendo hora extra nos dias normais, chegar no zero a zero.
Mas e se encarássemos esse feriado, esse dia solitário, como algo especial? Se tratássemos o dia como “Parabéns! Você é o humano 105.373.322.919! Você acaba de ganhar um dia a mais de vida. Como quer gastá-lo?”
Eu sei como gostaria de gastar esse dia. Adoraria fazer coisas que nunca fiz antes e acharia fantástico se você fizesse o mesmo. Uma coisa que te dê medo, qualquer coisa que nunca pensou em fazer antes. Algo que, lá no fundo, você sabe que seria marcante na sua própria história.

Enfrente algo

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Eu morro de pavor — fobia mesmo — de altura. Tenho medo até de elevador panorâmico.
Imagine o que significaria na minha vida pular de paraquedas. É um Muro de Berlim que eu quebraria, algo significativo de verdade que eu poderia planejar uma semana antes — afinal, com o tanto de tempo que temos, dá pra tirar meia horinha para isso — e usaria esse dia para algo significativo para mim.
Você, que sempre teve vontade de fazer um almoço especial para demonstrar para sua família o quanto você os ama, mas nunca teve coragem ou tempo para preparar. Um feriado de meio de semana ou um domingo. Aí é perfeito!
Tire uns minutinhos daquelas 36 horas e escolha a receita. Entrada, prato principal e sobremesa (por favor). Compre os ingredientes e surpreenda todo mundo. Se tiver muito medo ou nenhuma habilidade, faça um teste escondido antes. Ninguém nasce sabendo cozinhar e poucas coisas são tão deliciosas quando alguém gosta do que você fez com suas próprias mãos.

Livre-se de algo

Doe livros, cara
Doe livros, cara
Não aguenta mais o tanto de CDs inúteis que a vida pré-MP3 te fez comprar? Esse é o dia certo para arrumar as tralhas, jogar tudo fora ou vender em um sebo qualquer. O mesmo com os filmes, livros e aquele tanto de papel que você acumulou da faculdade.
Livre-se disso. Dê uma arrumada na casa, mude os móveis de lugar. Você vai dormir com dor no corpo todo e morto de cansado, mas, ao apagar as luzes, estará completamente renovado.

Crie algo

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Há anos você diz que vai escrever um roteiro de longa-metragem, começar um romance, criar o seu blog. Os amigos já cobram e você sempre arruma uma desculpa. Desligue o modem, a TV, o celular e enfrente a página em branco. Escreva algo novo para alguém, nem que seja para você mesmo, mas coloque essa roda em movimento. Vai que tem um bestseller aí louco para nascer, uma série, um filme!
As possibilidades são infinitas e a desculpa do tempo não cola mais.

Aprenda algo

Link YouTube | Como aprender qualquer coisa: as primeiras 20 horas
Quer aprender uma língua nova? Quer aprender a tocar Ukulele? Quer aprender a fazer embaixadinha?
Você pode.
Esse cara aqui ensinou no TED que aquela história de 10.000 horas para aprender alguma coisa é balela. Você só precisa de 20 horas para aprender algo. O Messi precisou dessas 10.000 horas para ser o que ele é e você não precisa ser o Messi. Procure uma vídeo-aula ensinando cantonês, ou alemão, um site colaborativo como o Livemocha, um lugar que te ensine algo em um dia, como os cursos do Cinese.
O Ukulele tem quatro cordas, não é tão difícil.
Nós temos tempo. Nós fazemos o nosso tempo e podemos usá-lo para assistir 33 temporadas deDoctor Who ou aprender algo novo — não que você não aprenda com o Doutor, Alons-y! — fazer algo que você nunca fez.
Se nós já fizemos uma ode à preguiça, hoje quero que você vença o monstro da procrastinação e produza algo. Não para o seu chefe, não para a empresa que você trabalha, não para seu parceiro ou parceira. Para você.
Me diz aí:, o que você gostaria de fazer e nunca “teve tempo”?

Mecenas: Nivea Men

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Todos os dias, ao acordarem, homens fazem o que precisa ser feito. A insatisfação existe, é verdade, mas  aprendemos, trabalhamos, caímos e nos levantamos. Suamos a camisa, em contínuo aperfeiçoamento.
Neste canal especial do PapodeHomem, teremos diálogos e debates sobre diversas questões do homem. A conversa também acontece no Facebook oficial de Nivea Men, eles tem dito coisas bem interessantes por lá.
Mecenas PdH: Você leu um texto apoiado por uma empresa. Conheça nossa política de transparência e conteúdo livre de amarras.
Pedro Turambar

Pedro tinha 25 anos e já foi publicitário. Ganha a vida fazendo layouts, sonha em poder continuar escrevendo e, quem sabe, ganhar algum dinheiro com isso. Fundou o blog O Crepúsculo e tem que aguentar as piadinhas até hoje. No Twitter, atende por @pedroturambar.

Outros artigos escritos por 

Por que ironia e sarcasmo são tão devastadores

“Oi, Guilherme, tudo bem. Tenho uma curiosidade. Por que você tem aversão à ironia? às vezes eu penso ate que é exagerada essa sua vontade de ‘sem ironias por favor’ por aqui. Não que eu ‘seja’ irônico (em verdade, quando sou, tento ser de forma bem humorada) pois tenho certo problema quando percebo que hoje a ironia é utilizada por alguns como uma forma de demonstrar “inteligência” ou qualquer outra qualidade.
Mas qual é o seu problema com a ironia?”
- Anônimo
Começando pelo começo, e aproveitando para agradecer pela excelente pergunta, as definições:
Ironia: figura de linguagem através da qual se expressa o oposto daquilo que se diz.
Sarcasmo: é o uso ofensivo da ironia, com intuito de escárnio e gozação.
A ironia, em contextos de confiança, sejam digitais ou presenciais, pode ser bem divertida. Quando não há confiança ou as pessoas se conhecem menos, facilmente é interpretada como agressão ou escárnio.
Não é incomum vermos também ironia e sarcasmo como preguiça argumentativa ou uma forma mais sutil e supostamente inteligente de ofensa. Por vezes, parecem nascer de um cinismo ou ceticismo com relação a possibilidade de comunicação.
Link YouTube | Use o recurso caption, no canto inferior direito, para ativar legendas em português

Essas figuras de linguagem, ótimas para apontar e desmontar ilusões, podem ser libertadoras – tomando a forma de poderosos discursos políticos, sociais e artísticos. Mas quando se tornam fins em si mesmas, nos aprisionam.

Quando a ironia e o sarcasmo nos fodem

“Você precisa entender que esse negócio [ironia, sarcasmo, cinismo] permeou a cultura. Se tornou nossa linguagem; estamos tão afundados nisso que sequer nos damos conta que é apenas uma perspectiva, dentre muitas outras possíveis. A ironia pós-moderna se tornou nosso ambiente.”
(trecho retirado de “Conversation with David Foster Wallace“)
Dialogar cara a cara já é difícil pacas. Eu não te ouço, você me suporta, cuspimos palavras apressadas, contaminadas por vieses dos quais nem nos damos conta e, assim, de maneira bastante rudimentar e grosseira, vamos passando o tempo.
Digitalmente é dez vezes pior.
Além da usual falta de paciência, abertura e curiosidade com o outro, entram em campo a dificuldade em nos expressar com a escrita, angústias suprimidas, o manto do anonimato, avatares e apelidos espertinhos no lugar de nomes e fotos reais.
Isso destrói o propósito do PdH.
Se vemos sentido num espaço e gostamos de frequentá-lo, é natural estimular sua continuidade.
Nosso propósito é oferecer conversas significativas, aquelas que nos ajudam a crescer.
Nascemos, há sete anos, de um grupo de homens perdidos buscando se ajudar. Estamos, até hoje, tentando ir além da cultura do mero entretenimento, o que é bem distinto de viciar milhares de pessoas em nos lerem, em transe. Somos duros, buscamos estimular pensamento crítico e a ação.
Essa é nossa razão de existir. Fazemos isso por meio de artigos publicados todos os dias, aprofundados em conversas nas caixas de comentários. Quando proveitosas, tais conversas nos conectam a novos autores e ideias para textos. A comunidade se retroalimenta, num ciclo orgânico. Ou seja, dependemos do diálogo e do cultivo de relações autênticas com as pessoas. Vamos à falência sem isso.
Porém, na maior parte do tempo, transformamos nossa comunicação em disputas de poder e convencimento.
Nos dedicamos pouquíssimo, quase nada, a reais diálogos. Puxo aqui a definição proposta por Humberto Mariotti, da qual gosto bastante:
É um método de conversação que busca melhorar a comunicação entre as pessoas e a produção de idéias novas e significados compartilhados, sem procurar analisá-los ou julgá-los de imediato.
Objetivos do diálogo:
  • Abrir questões
  • Estabelecer relações
  • Compartilhar ideias
  • Questionar e compreender
  • Ver as relações entre as partes e o todo
  • Revelar a pluralidade das ideias
É raro praticarmos esse nível de abertura em nossa abertura. A maioria das caixas de comentários, fóruns e grupos web afora se tornam reflexos de nossa inabilidade, tensão e fechamento: ambientes profundamente tóxicos.

Opa, o que seria um ambiente digital tóxico?

Aquele no qual os poucos comentários lúcidos e articulados são sufocados por dezenas de outros agressivos, erráticos, ansiosos, histéricos e auto-centrados.
Esses contextos diminuem a probabilidade de comentários saudáveis surgirem, cada vez mais afundando a conversa num ciclo de negatividade e agressões. Logo, todos vão embora, sem que haja qualquer troca significativa. Todos perdem, alguns poucos egos se estufam.
Uma agressão feita nos comentários costuma ser dirigida a uma única pessoa, mas afeta várias. Há centenas ou milhares de espectadores lendo cada comentário.
As que concordam com a agressão se sentem validadas e estimuladas a manter seu posicionamento, se afastando de um olhar mais aberto e sereno.
A pessoa atacada pode se sentir humilhada e sofrer bastante, conheço relatos terríveis de bullying digital. Pode revidar, tão agressiva quanto conseguir. Ou pode ser silenciada, não mais retornando à conversa e bastante ressentida.
As que não concordam com a agressão tendem a tomar as dores, se sentem como parte do “outro time” e, não raro, revidam.
Agressões em ambientes digitais públicos são como granadas cujos estilhaços se espalham em todas as direções.
Ironia e sarcasmo costumam ser subterfúgios com um tempero satisfatório ao ego, em tese, mais espertos do que um ataque direto. Porém, são tão devastadores quanto. Por não estarmos frente a frente, é fácil interpretar um leve tapa como um murro na boca do estômago.

Como nos comunicar e cultivar um ambiente mais favorável então?

Entendendo que estamos engatinhando em cima dos teclados, na infância do diálogo digital.
Entendendo que nossa intenção é diferente daquilo efetivamente interpretado pelo outro. E há grandes chances da nossa interpretação de sua resposta ser distinta do que se tentou comunicar.
São ruídos naturais de uma conversa.
Antes de criticar, pergunte, isso não é sinal de fraqueza. É abertura e generosidade, com o autor e os envolvidos na discussão.
Na dúvida sobre algo? Dê crédito, cheque. Abra suas percepções e explique por qual motivo interpretou a afirmação alheia de tal modo.
Raivoso? Respire fundo e vá dar uma volta. Grandes chances de, quando voltar, enxergar a questão com outros olhos.
Evite agir baseado em pressupostos – aliás, essa é uma boa prática pra vida, não só para comentários na web.
Por aqui estamos nos esforçando bastante pra construir e manter um espaço que privilegie a comunicação tão direta e clara quanto possível entre as pessoas. Parte disso passa por evitar ao máximo evitar subterfúgios – sejam eles de quaisquer tipo, estéticos, estilísticos, sofismáticos, emocionais ou lógicos.
Não que haja um problema com as linguagens estilísticas em si – naturalmente, a gente pode escolher falar assim.
O problema é que isso pode se tornar uma camada desnecessária, que atrapalha a comunicação. Um obstáculo que a pessoa tem de transpor pra conseguir nos entender – se eu não entendo perfeitamente o seu código, não entendo o que você quer comunicar.
Ou um manto protetor, no caso de apelidos e avatares fictícios, que nos distanciam do outro e facilitam sermos brutos e irônicos de um modo que jamais seríamos cara a cara.
Como estamos lidando com muitas pessoas diferentes, com visões diferentes, nós tentamos limpar ao máximo, facilitamos pro outro para que sejamos entendidos.
A tendência é que os diálogos se tornem cada vez melhores por estarmos ali, “presentes”. Os laços de confiança entre as pessoas se fortalecem. Passamos a conhecer quem está do outro lado. Procuramos falar com atenção e realmente ouvir, por assumirmos de saída que nossa prioridade máxima é a comunicação, não os jogos de linguagem.
Esse é um exercício diário e nada fácil, não basta ler esse texto e magicamente absorver as letrinhas. O verdadeiro desafio é, em sua próxima visita aos comentários, seja aqui ou em qualquer outro site, largar velhos hábitos. Assim a comunidade avança e todos ganham.
Espero ter respondido à pergunta do leitor anônimo.
Grande abraço!
Guilherme Nascimento Valadares

Interessado em boas conversas, redes e novos modelos de trabalho e negócios. Na interseção desses pilares, surgiram o PdH, o Escribas e o lugar. Formado em Comunicação, atuou alguns anos como estrategista digital.

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Estrelas esquecidas

Havia tempos que não nos falávamos, mas as lembranças dos últimos momentos que passamos juntos nunca esmaeceram. A primeira vez que a vi chorar de verdade foi no aeroporto, quando assistiu o etiquetar das malas. Pela quantidade, ela se deu conta de que a partida tinha dia marcado, mas a volta estava fora de cogitação. "Por que para tão longe e qual a razão do lugar e sem passagem de volta?"
Explicar certas coisas muito íntimas não é fácil, principalmente quando se deseja guardar segredo para o próprio coração, esconder detalhes até da alma. "Um dia eu explico..." - respondi, depois de pigarrear discretamente, para evitar que ela desconfiasse que estava mentindo. "Quero saber agora, acho que mereço, afinal de contas..." - e deixou, depois das reticências, todo um rosário de motivos que nunca esqueci.
A casa velha fora demolida e a casinha nova mudou de endereço, de inquilino, não importava mais, não contava mais, mas existiam outras razões... Não muitas, talvez duas ou três, talvez apenas uma, mas tinha uma explicação, beirava ser uma justificativa. Nada na vida é eterno. Tudo é passageiro, embora sempre voltemos às origens, mesmo quando viramos pó, o pó das estrelas das quais viemos e de quem somos filhos ingratos.
Não me considero tão ingrato assim, porque de uns tempos para cá, tenho cuidado muito bem delas. Na verdade mesmo, elas cuidaram mais de mim porque me escutaram apenas brilhando, piscando em sua forma de entender e serem cúmplices no contexto das confissões que fiz, muitas vezes, madrugada adentro.

São Paulo eu te amo

Mas assim oCê me fode

Já escrevi dois textos nos dois anteriores aniversários da cidade de São Paulo. Nesse ano (em que a cidade completa 460 anos) eu não em empolguei para escrever outro desse.
Pudera. Tá um calor irritante por aqui.  Ilha de calor, cimento que tosta e rebate tudo quanto é raio solar diretamente na moleira do cara de terno, da menina de jeans e do coitado que, cheio de roupas e trapos e tinta, tenta levar umas moedas se fingindo de estátua. Nesses dias de mormaço e abafado cercado de vidros reluzentes e filas de carro, o paulistano queria mesmo era uma praia ou a piscina do clube de campo, até mesmo a neve do hemisfério norte. E sei que, quando chegar aquele frio medonho e depressivo, nego vai é pegar as crianças e correr pra Maragogi, Cancún, Alabama.
Eu vejo, todos os dias, São Paulo sugando japoneses e coreanos e filhos de italianos e mineiros e baianos e mastigando tudo e cuspindo restaurantes e shoppings e shoppings e shoppings. Boliviano não pode, sair de Sapopemba não pode, reclamar por conta de vinte centavos não pode. Da garoa pode reclamar.
Garoa? Aqui o que se tem é chuva caudalosa de nuvens irritadas que, de tanta pressa, se batem e se chocam — feito a gente no metrô — e a derrota mútua resulta em gotas que enchem copo d’água e granizo e dor de cabeça. A água enche a rua, leva o carro e a molecada fica ilhada tomando gelo na cabeça.
Puta pé no saco, meo.
Dia desses eu fui ao otorrino, um daqueles retornos de quem trata há anos uma rinite que não cede nunca. Ele disse que, como sou um cara esperto, sei que, assim que eu puder, vou-me embora de São Paulo. O ar aqui não dá mais.
Foi-se o horizonte, o vento, o corredor de ônibus, a noção de integração e de integridade. Resta o luto.
Afinal, estamos em cima do túmulo do samba e do rolezinho. Caetano, eu também estou triste, tão triste, você no frio do Rio e eu na histeria deprê de essepê.
Queria ter pensado antes na melodia e na letra, passando apenas de Nova Iorque pra cá: “São Paulo eu te amo, mas assim cê me fode”.
Queria falar que aqui é que ainda as coisas acontecem, mas tá mais barato ir ver o Lollapalooza no Chile que aqui. Queria falar das livrarias alexadríacas que só a gente tem, mas seria infantil ficar de comparação com outra cidade brasileira e ridículo comparar a nossa megalópole com outras metrópoles mais bem abastecidas.
Resta a pizza sem ketchup, o pastel da feira.
São Paulo, eu preciso de ajuda e você também. Essa Síndrome de Estocolmo, essa vontade de morar em ti e de viver você a qualquer custo derruba. A gente gosta de apanha, a gente elogia e leva ferro, a gente acha que fez certo e tu vem e faz errado. Duas vezes. Três, se deixar.
A gente fica duas horas na fila do MIS, a gente corre de SESC em SESC pra comprar aquela lá do Jorge Ben ou então dos Racionais. A gente ainda desce a Augusta, a gente ainda sove lá na Vila Madalena, a gente ainda tenta evitar o trânsito, a gente come o hambúrguer gourmet e o brigadeiro diferenciado e a gente ainda entra na moda do ceviche e das bicicletas e deixa de comprar na Zara.
A gente tá tentando, São Paulo.
A gente tá tentando. Mas assim, cê me fode.
Com todo amor,
Jader Pires.
Jader Pires

É escritor e editor do Papo de Homem. Prometeu que, se um dia ganhar na loteria, vai doar cem reais para caridade. E não há cristo que o faça pensar o contrário.


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Luis Fernando Veríssimo - A beleza maior

A beleza da Itália conspira contra os seus cineastas. Por mais dramáticos que sejam os filmes, eles serão sempre, antes de qualquer outra coisa, belos folhetos turísticos. E, por mais que tentem retratar a crise moral do nosso tempo, sempre acabam retratando um estilo de vida invejável, uma doce crise.
Você saía do filme seminal do Fellini sobre Roma como metáfora para o apocalipse iminente menos impressionado com a devassidão e o desespero dos seus personagens do que com o alegre rebuliço de um começo de noite na Via Veneto, e quem não queria ser Marcello Mastroianni, descrente de tudo mas comendo todas?
Os filmes do Antonioni também se esforçavam para nos dar angústia, mas nunca o vazio existencial foi tão fotogênico. Você não duvidava que os personagens de Antonioni em filmes como “A aventura”, “Noite” e “Eclipse” sofressem com a falta de sentido da vida, mas todos pareciam saídos de uma edição da “Vogue”. Eram elegantemente perdidos. E que cenários!

No filme “A grande beleza”, o diretor Paolo Sorrentino nem finge ignorar os cenários contra os quais desfilam seus personagens. Usa Roma, conscientemente, como personagem também. Convoca o cenário como cúmplice nas suas histórias cruzadas. 

E usar a beleza de Roma assim, descaradamente, é covardia. A sequência final de “A grande beleza” é a câmera passeando sob as pontes do Tevere enquanto aparecem os créditos, e no dia em que vimos o filme muita gente que normalmente já teria saído do cinema ficou no lugar para se deliciar um pouco mais com o cenário.

O personagem principal do filme, Jep Gambardella (vivido por Toni Servillo, com sua cara de nobre romano num afresco mal pintado), é o Marcello Mastroianni depois de “A doce vida”, em estado de cinismo terminal. É um escritor de um livro só, e diz para quem lhe cobra outro livro que está esperando uma “grande beleza” para inspirá-lo. Enquanto isso, vai curtindo, além dos prazeres da decadência, as pequenas belezas de um cotidiano romano. Mas a beleza maior é a própria Roma, que se não inspira o personagem certamente inspirou o diretor.

O maior defeito do filme é a sua duração. Pode-se imaginar Sorrentino agoniado com a perspectiva de ter que cortar algo que filmou e no fim decidindo incluir tudo, dane-se a metragem. Você sabe que um filme passou da hora de acabar quando começa a pensar “poderia terminar aí...” — e o filme não termina.

Há muitas cenas finais em “A grande beleza” antes do fim pra valer. E fica uma frustração: Jep lembra do seu primeiro amor e passa todo o filme fazendo mistério sobre o que ela lhe disse, certa vez, depois de um beijo à beira do mar. Vai ser a frase definitiva do filme, pensa você. E a frase não vem. Mas tudo bem. Ainda tem o passeio da câmera pelo Tevere.

Papo dobre trilhos

Puta e merda
A conversa com aquele desconhecido já estava um porre, mas eu me sentia na obrigação de continuar puxando assuntos, já que estávamos roçando nossos corpos havia algumas horas, esmagados no mesmo banco do trem.
Roçar um no outro durante muito tempo é, culturalmente falando, algo que me remete à intimidade e, consequentemente, me via no dever de conhecer melhor aquela pessoa — não sou de sair me roçando por aí sem saber direito em quem.
Acontece que eu já não tinha mais para onde levar a conversa. O cara não colaborava, ele não era nem um pouco bom de papo. Como ainda tínhamos um longo caminho pela frente até a estação final, comecei a apelar — inconscientemente, é claro. Não costumo sair apelando por aí sem saber direito com quem.
— E aí, você gosta de músicas, gatinhos, almofadas, bebidas, plantas, números, letras, palavras, algo assim?
— Hum?
— É. Algo assim.
— Não sou muito bom com as palavras.
— Entendi. Quais são suas palavras preferidas?
— Hum?
— As minhas são “puta” e “merda”, mas só as duas juntas, assim: “puta merda”.
— Ah, sim.
— É a melhor dupla de palavras da língua portuguesa, porque uma ameniza o sentido da outra. Você consegue perceber?
O desconhecido bufou.
Eu continuei.
— Experimente chegar para uma mulher e falar só “puta” para ver a reação. Ela com certeza vai ficar ofendida, xingar sua mãe, todas essas coisas.
— É verdade.
— E se você mostrar o seu trabalho a alguém e a pessoa falar só “merda”, você vai ficar ofendido também, não é mesmo?
— Com certeza.
Ele soltou um sorrisinho e eu me empolguei para continuar.
E continuei.
— Mas, se você chegar para a mesma mulher e falar “puta merda”, ela começará a se sentir a gostosa do pedaço. E se mostrar o seu trabalho para alguém e ouvir um “puta merda”, terá a certeza de que é o profissional do ano (não que você realmente seja, ou não seja, você entendeu). “Puta merda”, juntas, ganham mais ou menos o sentido de “sensacional”.
— Nunca tinha parado para pensar nisso, mas até que você tem razão.
Ele havia falado mais de duas palavras seguidas. Eu sabia que tinha ganhado o cara ali e que seríamos amigos até o final. Da linha, mas, ainda assim, um final.
Continuei.
— Mas há também o lado obscuro dessa dupla de palavras.  É uma das piores expressões de descontentamento que existem. Se alguém fala “puta merda” dando uma leve balançada na cabeça, você já sente no fundo do coração: essa pessoa ficou muito chateada ou inconformada com o que você fez, nunca mais vai perdoá-lo.
— Nunca mais?
Ele franziu a testa.
— Nunca mais. Foi o que a Melissa, minha irmã, fez na última vez em que nos falamos. E foi assim.
— Melissa. Gosto desse nome.
— Não goste, pelo menos perto de mim.
Ele sorriu novamente. Continuou.
— Melissa foi uma garota de quem eu gostei muito na adolescência. Queríamos nos casar.
— E o que aconteceu com ela?
— Virou puta.
— Merda.
Helena Perdiz


Redatora publicitária, cronista amadora, campeã brasileira de videogame na categoria "Prêmios que Ela Mesma Inventa" e primeira colocada no ranking mundial de "Odeia se Descrever".

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