Envelheci




Cresci ouvindo:

Sou pobre mais sou honesto

E era a mais pura verdade.

Hoje, com apenas 51 anos o que mais escuto é:

Todo político é ladrão. Blá, blá, blá...

Aí pergunto (quando o revoltado, o indignado é empresário):
- Tu paga teus impostos?
- Pago! 
- Tu não sonega.
- Sonego sim! Só pago o mínimo possível. Se pudesse não pagava era nada praquele bando de ladrão.
- Pois é, tu é um ladrão. 
Todos eles ficam em ponto de briga. Latem, latem e latem, quando cansam, arremato:

- Quem paga impostos somos nós consumidores, cidadãos. Quando compro tenho consciência de quanto estou pagando de imposto ao fisco municipal, estadual e federal. A empresa (empresário) tem o dever de transferir o que eu (nós) pagamos. Se ele sonega, está roubando de mim e do Estado. Para resumir: tá roubando a mim e ao Estado é um 
Ladrão

Recordar é viver


Por sugestão da amiga navegante Maria Ismereria, o  Blog publica carta  ao então Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Diz Maria:

"A carta foi publicada no jornal A TRIBUNA DA IMPRENSA pelo coronel-reformado Alcio de Alencar Nunes no dia 11 de agosto de 1998, dois dias após FHC chamar de vagabundos os aposentados com menos de 60 anos de idade.

Ele se esqueceu de que ele mesmo, FHC, se aposentou aos 37 anos  com apenas seis anos de serviço como professor assistente de Sociologia na USP, em janeiro de 1969.

Nesse 7 de setembro, o dia da palhaçada, nada melhor que reproduzir a indignação de um Coronel do Exército:

Senhor Fernando Henrique:

Dirijo-me a você na condição de contribuinte-eleitor-cidadão, (...) eleitor por devoção (tenho mais de 75 anos de idade) e cidadão por teimosia.

Devo-lhe dizer que o que faço com indignação, revolta e com certa dose de nojo pela figura de homem que você é e por tudo que você tem representado de mau para este grande país, que serve de berço a um povo pacífico e generoso e que, entre suas poucas ambições o povo aspira poder ter o direito de trabalhar para o seu sustento e o de suas famílias. (Hoje temos um exército de 20 milhões de desempregados e 35 milhões no subemprego)

Não obstante, mesmo possuído de muita ira, fico a pensar no destino ingrato e cruel que Deus reservou para você - que vai passar para a história - como o grande traidor da Pátria, em todos esses 500 anos desde o nosso descobrimento e logo me vem a lembrança o sentimento da caridade, que nos foi ensinado por Cristo, há quase dois mil anos.

É, pois, com esse sentimento que gostaria de começar, dizendo que você não passa de um (…) ; mesmo possuindo títulos e se autoproclamando intelectual e possuidor de considerável patrimônio material (…) , você não é um homem espiritual e está moralmente destruído.

Você já parou para pensar que, em sua campanha eleitoral de 1994, você exibia os cinco dedos na mão, cada um representando uma ação de seu governo e que você até então não cumpriu nenhuma daquelas promessas?

Você parou para pensar que tem negado verbas para setores fundamentais, tais como a saúde - mesmo com a CPMF, cujos recursos tem sido desviados para outras finalidades - as classes menos favorecidas (os excluídos) continuam morrendo, dentro dos hospitais por falta de condições mínimas de atendimento, enquanto isso, os homens que pertencem à sua cúpula dessa elite podre, ao menor sinal de mal-estar, são prontamente atendidos, tanto no Brasil quanto no Exterior?

Você já parou para pensar que - cumprindo, rigorosamente as ordens do FMI e do Banco Mundial - você mantém todo o funcionalismo público há três anos e meio sem qualquer reajuste salarial, enquanto determina o repasse de mais de R$ 30 bilhões de reais no maldito PROER para o "socorro" a banqueiros corruptos e desonestos - exatamente - aqueles financiadores de suas campanhas políticas? Um deles é o sogro do seu filho Paulo Henrique, o corrupto banqueiro sr Magalhães Pinto.

Você se sensibilizou e meditou sobre aquela cena dantesca, há poucos dias atrás, quando uma vendedora ambulante, mais uma vítima do seu plano, desempregada, ateou fogo nas próprias vestes, em protesto e na defesa heroica de seu direito de trabalhar, enquanto todos os seus familiares ocupam cargos de destaque, nos altos cargos da sua administração pública e até mesmo em empresas estatais entregues a cúpulas privadas, que você doou aos seus (…) ? (veja o caso de seu filho - Paulo Henrique - como empregado do (...) empresário Benjamim Steinbruch, o (...) que ganhou a CSN e ações da VALE em doação).

Você já pensou como repercutiu mal aquela fotografia, publicada na primeira página dos grandes jornais, onde aparece a sua ex-nora Ana Luisa e o Sr Rafael de Almeida Magalhães, encarregado de formular todo o processo de entrega do complexo portuário de Sepetiba?

Você já pensou - quando está na intimidade com seus netos - naqueles meninos famintos do Nordeste, que passam dias inteiros catando preás e calangos para aplacar a fome de seus irmãos menores, causada pela estiagem cíclica que castiga aquela região, que se transformou numa "indústria" rendosa, pelos políticos da região?

Você já pensou nos 20 milhões de desempregados, nos subempregados, nesses 35 milhões de nossos irmãos que morrem de fome, quando autoriza vultuosas verbas para fazer a propaganda de seu governo, que penetra em nossos lares iludindo todo um povo, com realizações falsas e mentirosas e na "aprovação automática" para enganar os indicadores do BIRD, propagandas de realizações falsas em sua maioria inexistentes, tal como ocorre com a da escola? - "A escola pública mudou e para muito melhor, agora o professor tem um canal exclusivo de televisão; merenda não vai faltar e já existe até uma verba para reajustar o salário dos professores".

Acorda Brasil!".

Você já pensou na farsa que foi o seu "falso exílio", quando, por livre e espontânea vontade, você resolveu  ir para o Chile, inclusive, recebendo o salário integral de professor da USP com apenas quatro anos de trabalho? Posteriormente, em janeiro de 1969, você foi compulsoriamente aposentado, com base no AI-5. Ocorre, no entanto, que em 1979, com a Lei da Anistia, você adquiriu o direito de voltar à sua cátedra e, marotamente, preferiu ficar percebendo o salário sem trabalhar.

Diante desse raciocínio, você, sr Fernando Henrique Cardoso, é um dos maiores (…)  - senão o maior - desta infeliz república, porquanto se aposentou com poucos anos e, agora, quer que o pobre trabalhador morra trabalhando!!!

Nunca vi tanta falta de caráter na sua figura e de um cinismo sem similar.

Aliás você nunca foi chegado ao "batente", para usar um termo muito do gosto popular.

Você está a pouco mais de 6 meses do término de seu mandato; até agora que lhe foi conferido - como você gosta de dizer - por 35 milhões de brasileiros desempregados ou vivendo no subemprego?

Além da excrescência diabólica da emenda da reeleição, que foi conquistada (?), com a vergonhosa compra/venda de votos, numa demonstração explícita de corrupção (embora já até o momento se tenha detectado dois deputados, envolvidos na falcatrua) nada foi feito, principalmente, em benefício do povo?

Além de todas essas indagações, eu gostaria de dizer que, em quase três anos e meio de governo, você conseguiu uma extraordinária façanha: - descaracterizar o Brasil como Estado - nacional soberano; você está "negociando" a entrega de todo um patrimônio público, conseguido à custa do sacrifício do povo, no cumprimento fiel às ordens do FMI e do Banco Mundial e, também, da voracidade do capital especulativo espoliador que, nesses tempos de globalização, vai destruindo as economias mais frágeis do mundo.

Até hoje, você não explicou a "venda" da Companhia do Vale do Rio Doce, nem o povo brasileiro sabe de onde surgiu a "figura" de Benjamim Steinbruch (…) (que) de repente tornou-se um mega-empresário, com influência decisiva em setores estratégicos da economia nacional (Vale do Rio Doce, Light, CSN, petroquímicas, siderúrgicas, empresas de energia elétrica, ações e subsidiárias da Petrobrás e ramais ferroviários no Nordeste).

Antes de terminar, gostaria de fazer duas colocações: a primeira, dirigida ao Sr Pedro Malan (o homem que mora nos Estados Unidos da América, (…), para dizer-lhe que o aposentado que volta a trabalhar não é imoral, como você declarou. Imoral é o que você faz com a política econômica, atrelada a interesses escusos e contribuições imorais com desemprego àqueles que realmente constituem as aspirações do povo brasileiro; em segundo lugar, gostaria de fazer a última indagação ao (…) - o que você irá fazer, depois de entregar todo o patrimônio público que, por todos os motivos, tem o povo com seu verdadeiro dono e a nossa dívida (interna e externa), atualmente até o presente já foram doados do patrimônio público ao setor privado em torno de R$ 600 bilhões e ainda este ano deverá atingir a cifra de R$ 1 trilhão?

O país caminha - aceleradamente - rumo ao abismo; a atual situação, já insustentável, caminha para o último estágio de tolerância, tornando-se imperiosa a mobilização de todas as forças vivas, a fim de que se evite que aconteça o pior, a perda total da soberania nacional e de todo patrimônio público.

A fome atingiu um patamar tal que já são constantes os roubos e assaltos nas ruas e os saques no Nordeste, enquanto o governo - insensível, insensato e insano - ameaça prender os líderes do MST (Movimento dos Sem Terra), no momento, a única organização com capacidade de mobilização e que, efetivamente, traz algum desconforto à quadrilha de aventureiros que se apossou deste Brasil grande e do qual haveremos de fazer o Grande Brasil.

Que Deus tenha pena e piedade de você, (…) , de tal sorte que o remorso destrua a sua consciência e que possa sofrer, com resignação os últimos dias de sua vida!.

Álcio de Alencar Nunes - tenente-coronel reformado do Exército Brasileiro.

PUBLICADO NO JORNAL A TRIBUNA DA IMPRENSA

Luís Nassif: A visão seletiva da Lava Jato sobre o "estorvo do processo"

Em direito existe o que se chama de "estorvo do processo". Todo cidadão está sujeito a ser processado, do mais humilde ao presidente da República.

Mas existe também o conceito da repercussão política do processo, princípio que rege muitas decisões judiciais.

Por exemplo, por mais justo que seja determinado pleito, nenhum ministro do STF vai votar a favor de uma ação que implique na quebra do país.

O mesmo princípio vale para processos com repercussão política. Um juiz deverá tomar duas vezes mais cuidado para expor o presidente da República ao "estorvo do processo". Não significa que deva poupá-lo, mas que tomará cuidado redobrado antes de expô-lo e com a própria exposição em si. Porque expor a presidência da República significa expor o país.

O Procurador Geral da República tomou a decisão de expor ao "estorvo do processo" campanhas de Lula e Dilma. Dilma é a presidente da República.

Lula é um ativo nacional, o político que representa a esperança de milhões de brasileiros e – queiram ou não os opositores – o brasileiro que melhor representa a face legítima do país perante o mundo. Ele está para o Brasil como Mandela para a África do Sul, Ghandi para a Índia, Luther King para os Estados Unidos.

Já Aécio Neves é um senador, candidato derrotado a presidente da República. Geraldo Alckmin é o governador de um estado importante, assim como José Serra, um ex-governador, os três sem um centésimo da representatividade de uma presidente da República ou de uma personalidade internacional como Lula.

Todas as empreiteiras citadas na Lava Jato colaboraram com a campanha de Aécio, seja por dívidas passadas, seja por promessas futuras. A não ser que se acredite que empreiteiro pague dízimo para ir para o céu.

Contra Aécio pesa uma delação premiada com todas as peças de esquemas de financiamento eleitoral ou de enriquecimento pessoal: os valores recebidos (US$ 150 mil mensais), a ponta pagadora (Furnas), a empresa que lavava o dinheiro (a Bauruense) e a destinatária (a irmã de Aécio).

Mesmo assim, Janot não julgou adequado expor Aécio ao "estorvo do processo".

As empreiteiras implicadas na Lava Jato têm obras em Minas Gerais e São Paulo. Algumas delas têm mais obras com os respectivos governos estaduais do que com a própria Petrobras. No caso paulista, há em curso uma denúncia de suborno do cartel dos trens abafada pela cúpula do Ministério Público Estadual.

No entanto, Janot teve cuidado para não submeter ao "estorvo do processo" os ex-governadores Aécio Neves, José Serra e o governador Geraldo Alckmin.

No caso mineiro, Janot aceitou a denúncia contra o mais insuspeito dos políticos: o ex-governador Antonio Anastasia. Aparentou uma neutralidade discutível, porque quem conhece Minas, Aécio e Anastasia sabe onde o calo pega – e não é em Anastasia.

Que a lava Jato faça o PT purgar seus erros, sim. Arreglos políticos que permitiram descontroles de tal ordem, a ponto de um mero gerente acumular mais de US$ 100 milhões em dinheiro desviado, merece toda punição do mundo. E se o partido não tem a mínima capacidade de se defender de manobras políticas, problema dele.

Quando investe contra o instituto da presidência e contra o brasileiro mais reputado do planeta e, ao mesmo tempo, poupa todos os próceres do PSDB do "estorvo do processo", Janot patina.

Não adianta alegar que o inquérito será isento, dando todas as oportunidades para as partes se defenderem. O efeito político é imediato. O "estorvo do processo" é combustível para campanhas de impeachment, para desestabilizações políticas mesmo que, ao final, absolva o investigado. Ao poupar Aécio, a Lava Jato abre espaço para que a oposição amplie a campanha do impeachment, com Aécio posando de grande cruzado da ética.

A opinião pública que conta – aquela realmente bem informada – sabe que o rei está nu. O que se pretende com essa blindagem?

Não adianta os bravos Intocáveis da Lava Jato sustentarem que seu foco são apenas os malfeitos na Petrobras. Não faz lógica que, tendo à mão a possibilidade de interrogar os maiores financiadores de campanha do país, aceitem ouvir apenas as denúncias contra um lado. Se podem passar o país inteiro à limpo, porque não aproveitam a possibilidade? De posse da denúncia, que se abram novos inquéritos para outros procuradores tocarem, permitindo à Lava Jato manter o foco.

O pato e a galinha

Europa de hoje não está colhendo mais do que plantou

por Mauro Santayana

Embora não o admita - principalmente os países que participaram diretamente da sangrenta imbecilidade - a Europa de hoje, nunca antes sitiada, por tantos estrangeiros, desde pelo menos os tempos da queda de Roma e das invasões bárbaras - não está colhendo mais do que plantou, ao secundar a política norte-americana de intervenção, no Oriente Médio e no Norte da África.

Não tivesse ajudado a invadir, destruir, vilipendiar, países como o Iraque, a Líbia, e a Síria; não tivesse equipado, com armas e veículos, por meio de suas agências de espionagem, os terroristas que deram origem ao Estado Islâmico, para que estes combatessem Kadafi e Bashar Al Assad, não tivesse ajudado a criar o gigantesco engodo da Primavera Árabe, prometendo paz, liberdade e prosperidade, a quem depois só se deu fome, destruição e guerra, estupros, doenças e morte, nas areias do deserto, entre as pedras das montanhas, no profundo e escuro túmulo das águas do Mediterrâneo, a Europa não estaria, agora, às voltas com a maior crise humanitária deste século, só comparável, na história recente, aos grandes deslocamentos humanos que ocorreram no fim da Segunda Guerra Mundial.

Lépidos e fagueiros, os Estados Unidos, os maiores responsáveis pela situação, sequer cogitam receber - e nisso deveriam estar sendo cobrados pelos europeus - parte das centenas de milhares de refugiados que criaram, com sua desastrada e estúpida doutrina de "guerra ao terror", de substituir, paradoxalmente, governos estáveis por terroristas, inaugurada pelo "pequeno" Bush, depois do controvertido atentado às Torres Gêmeas.

Depois que os imigrantes forem distribuídos, e se incrustarem, em guetos, ou forem - ao menos parte deles - integrados, em longo e doloroso processo, que deverá durar décadas, aos países que os acolherem, a Europa nunca mais será a mesma.

Por enquanto, continuarão chegando à suas fronteiras, desembarcando em suas praias, invadindo seus trens, escalando suas montanhas, todas as semanas, milhares de pessoas, que, cavando buracos, e enfrentando jatos de água, cassetetes e gás lacrimogêneo, não tendo mais bagagem que o seu sangue e o seu futuro, reunidos nos corpos de seus de seus filhos, irão cobrar seu quinhão de esperança e de destino, e a sua parte da primavera, de um continente privilegiado, que para chegar aonde chegou, fartou-se de explorar as mais variadas regiões do mundo.

É cedo para dizer quais serão as consequências do Grande Êxodo. Pessoalmente, vemos toda miscigenação como bem-vinda, uma injeção de sangue novo em um continente conservador, demograficamente moribundo, e envelhecido.

Mas é difícil acreditar que uma nova Europa homogênea, solidária, universal e próspera, emergirá no futuro de tudo isso, quando os novos imigrantes chegam em momento de grande ascensão da extrema-direita e do fascismo, e neonazistas cercam e incendeiam, latindo urros hitleristas, abrigos com mulheres e crianças.

Se, no lugar de seguir os EUA, em sua política imperial em países agora devastados, como a Líbia e a Síria, ou sob disfarçadas ditaduras, como o Egito, a Europa tivesse aplicado o que gastou em armas no Norte da África e em lugares como o Afeganistão, investindo em fábricas nesses mesmos países ou em linhas de crédito que pudessem gerar empregos para os africanos antes que eles precisassem se lançar, desesperadamente, à travessia do Mediterrâneo, apostando na paz e não na guerra, o velho continente não estaria enfrentando os problemas que enfrenta agora, o mar que o banha ao sul não estaria coalhado de cadáveres, e não existiria o Estado Islâmico.

Que isso sirva de lição a uma União Europeia que insiste, por meio da OTAN, em continuar sendo tropa auxiliar dos EUA na guerra e na diplomacia, para que os mesmos erros que se cometeram ao sul, não se repitam ao Leste, com o estímulo a um conflito com a Rússia pela Ucrânia, que pode provocar um novo êxodo maciço em uma segunda frente migratória, que irá multiplicar os problemas, o caos e os desafios que está enfrentando agora.

As desventuras das autoridades europeias, e o caos humanitário que se instala em suas cidades, em lugares como a Estação Keleti Pu, em Budapeste, e a entrada do Eurotúnel, na França, mostram que a História não tolera equívocos, principalmente quando estes se baseiam no preconceito e na arrogância, cobrando rapidamente a fatura daqueles que os cometeram.

Galinha que acompanha pato acaba morrendo afogada.

É isso que Bruxelas e a UE precisam aprender com relação a Washington e aos EUA.

Paulo Nogueira: o verdadeiro crime de Dirceu

- Não é fácil ser Dirceu -

Uma jovem jornalista me pergunta pelo Messenger: "Mas afinal o que o Dirceu fez?"

Ela confessa a extrema dificuldade de entender.

Primeiro, há um massacre unitilateral. Toda a mídia, abastecida pela Justiça amiga, se concentra em publicar horrores de Dirceu.

As acusações parecem um catálogo telefônico daqueles de antigamente.

E a defesa como que não existe.

Dirceu já foi julgado e condenado pelo noticiário.

Tenho para mim que o Caso Dirceu só vai ser devidamente conhecido e esclarecido pela posteridade, quando o fogo das paixões políticas do momento já for coisa do passado.

Dentro desse quadro irracional é que se deve entender certas manifestações sobre Dirceu.

Um procurador da Lava Jato disse, por exemplo, que Dirceu deve ser condenado no mínimo a 30 anos de prisão.

Que conta fez esse procurador?

Os juízes do Mensalão entraram para o anedotário da Justiça quando se puseram a calcular, com ares científicos de Newton e Einstein, a "dosimetria".

Era a dose – esdrúxula, de resto – de penas para os condenados.

A "dosimetria" do procurador para Dirceu é patética.

Trinta anos, para um homem que chega aos 70, significam a morte na prisão.

Mas não é este exatamente o ponto.

Vamos para uma terra altamente civilizada, a Escandinávia. Veja como os noruegueses trataram o caso Anders Breivik, o maníaco de direita que matou mais de 70 jovens sob o protexto alucinado de salvar seu país da ameaça muçulmana.

Breivik foi condenado a 19 anos de cadeia, a pena máxima da Noruega. Caso ele, no fim da sentença, continue a representar uma ameaça à sociedade, o caso será rediscutido.

É assim que os noruegueses enxergam as penas. Cadeia é para recuperar as pessoas, não para fazê-las apodrecer.

Estava em Oslo na época do julgamento, e a cidade funcionava normalmente, sem os espasmos de ódio tão comuns no Brasil de hoje.

E então voltemos para o caso Brasil versus Dirceu. O procurador falou no mínimo em 30 anos. Ele está precisando de uma temporada escandinava, certamente, para refazer seus conceitos.

Existe uma confusão mental na Justiça brasileira que se expressa nas declarações orais e escritas de seus magníficos integrantes.

Tente entender, por exemplo, o que Janot disse ao se manifestar contra o retorno de Dirceu à prisão domiciliar.

"Não há que se falar, com efeito, em conciliação das prisões pelo Supremo, porquanto independentes entre si, não havendo, entre uma e outra, conexão  de qualquer ordem. Ademais, o sentenciado não possui foro por prerrogativa de função, não havendo necessidade de pronunciamento do STF em questões desse jaez [gênero] relativamente a ele", afirmou Janot.

Outro trecho: "Além disso, tendo em vista os veementes indícios de prática de infrações penais em datas posteriores ao trânsito em julgado do acórdão condenatório proferido nos autos da Ação Penal nº 470, incide, in casu, o disposto no art. 313, II, do diploma processual penal."

Será que Janot não podia escrever em português?

Um amigo jornalista me contou, no Mensalão, que estava numa padaria, com a televisão ligada, quando um juiz pronunciou um voto. "Como fala bem esse juiz", notou um popular ali na padaria. "Mas não entendi: ele condenou ou absolveu?"

Toda essa máquina jurídica abstrusa e parcial se voltou contra Dirceu, com a contribuição de uma das piores imprensas do universo.

O tempo haverá de esclarecer um dos episódios mais confusos da história política moderna.

Por ora, o que é claro é que o caso Dirceu é muito mais político do que propriamente legal.

Se Dirceu fosse um servo da plutocracia, viveria a vida tranquila de todos aqueles que optaram por aquele caminho.

Isso é batata.

Me ocorre Mujica ao pensar em Dirceu.

Em maio passado, numa entrevista, Pepe Mujica produziu, com sua habitual franqueza, uma defesa de Dirceu como líder petista nenhum fez.

Disse ele: "Dirceu para mim não é um criminoso. Está condenado, mas é um formidável lutador."

Este é o verdadeiro crime de Dirceu: ser um "formidável lutador" contra a plutocracia brasileira.

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Joaquim Levy: o que contam, são as ações

Nossos dois principais parceiros, Estados Unidos e China, estão deixando suas políticas anticíclicas e isso nos impacta. Nos EUA, por um bom tempo, houve muita liquidez. E o ano todo houve a discussão se eles vão aumentar ou não a taxa de juros. Algo que mexe com o mundo inteiro, valoriza o dólar, e temos de nos adaptar. Na China, a política era de investimento, investimento, investimento. Viu que não tinha como continuar, e fez uma profunda mudança. Muito complexa, pois o governo não tem todas as ferramentas necessárias para fazer mudanças que incluem a abertura da conta capital, liberalização dos bancos, tudo para garantir mais espaço para o setor privado. Isso já começou a afetar os mercados há dois anos. Daí caiu o petróleo quando se percebeu que essa mudança estava tendo efeitos muito importantes. Menos investimento, menos matéria-prima, que afeta preço no mundo inteiro...

O Brasil está no meio dessa mudança de preços com o fim do boom das commodities. Em 2007, 2008, 2010 não tivemos esse problema porque a liquidez e o investimento nos ajudaram. E tínhamos mais colchão fiscal, foi mais tranquilo. [O Estado] gastou mas poupou. Hoje nosso colchão fiscal está magrinho. Mas temos um bom colchão nas reservas internacionais. Não nos recuperamos porque temos de fazer uma transição estrutural. Assim como algumas regiões na Espanha, como a Catalunha depois da crise, ou Valência, que teve de se reinventar. Nós também estamos nesse processo. E há uma questão política. O ajuste econômico, do ponto de vista clássico, explica talvez um terço da desaceleração do PIB. PIB é a soma de uma porção de decisões. Quando tem uma turbulência política as pessoas se retraem. E decisões que você precisa tomar são adiadas. A economia se contraiu obviamente.
Estamos fazendo uma travessia. Houve uma combinação de fatores complicados, uma mudança econômica, que é uma grande virada de maré. Junto com uma questão política. Que se ligavam um pouco. A presidenta fez mudanças mesmo arriscando a popularidade dela. Mas ela sabia que tinha que fazer essas mudanças. É um momento em que você está rearranjando paradigmas. Tem a própria investigação que cria incertezas. É um momento em que você tem de responder com serenidade.

Não me importo nem um pouco com essa coisa de isolado ou não isolado. O que importa no final das contas são as ações. Estamos tomando as medidas que vão permitir à gente sair da crise, mantendo a responsabilidade fiscal. Mantendo o que é essencial para os mercados investirem. Todos os dias temos de tomar decisões. No final, o que contam são as ações.

Sergio Saraiva: a operação lava jato e a teatralização do fato consumado

Ainda que possa vir a se apoiar em fatos comprováveis, ainda que venha a punir delitos reais, como retirar da Operação Lava Jato o ar farsesco que acabou por adquirir?

Entendendo-se aqui farsa não como falsidade, mas como uma encenação. Como uma conta de chegar para um resultado já decidido.

Esse questionamento surgiu-me ao ler o artigo "Procuradoria acusa Dirceu de corrupção e lavagem", na Folha de São Paulo de 05set2015. Um texto com qualidade jornalística, curto e esclarecedor. Esclarecedor como só um ato falho pode ser.

Um extrato do texto:

"... o ex-ministro José Dirceu foi denunciado nesta sexta (4) pela força-tarefa da Operação Lava Jato sob acusação de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Caberá agora à Justiça decidir se há ou não elementos para abrir um processo contra Dirceu e torná-lo réu. Se isso vier a ocorrer, o ex-ministro será submetido a julgamento.

No caso de Dirceu, a expectativa do Ministério Público é que a pena seja de no mínimo 30 anos".

Todo o descrito acima está alinhado ao que se espera que ocorra em um Estado democrático de direito que preserva as garantias individuais.

Ou seja:

Se a Justiça decidir que há elementos para abrir um processo contra Dirceu, o ex-ministro seria submetido a julgamento. Então, se condenado, viria a sentença. Falso!

Dirceu já cumpre pena de acusado em um presídio comum de Curitiba.

 "Consummatun est".

Talvez fosse mais apropriado dizer, já que a Lava Jato também tem lá seus ares de auto de fé. Não deixam de ser encenações.

Vejamos também as declarações do Procurador da República Deltan Dallagnol.

"A Lava Jato revela um governo para fins particulares, com um capitalismo de compadrio, em que o empresário e o agente público buscam benefícios para o próprio bolso."

Trata-se de uma frase sem o seu contexto - uma citação. Uma armadilha jornalística muito comum, hoje em dia, para quem dá a declaração e para o leitor que tenta entendê-la.  

Porém, tomemo-la pelo seu valor de face.

A que governo se refere o Procurador?

Tal conclusão pode ser aplicada, lato senso, a qualquer governo do Brasil, dos municipais ao federal, passando pela governança dos Estados. Pelo menos, desde Tomé de Sousa – o primeiro Governador Geral do Brasil, isso em 1549.

A Lava Jato, portanto, expiaria no couro de seus condenados cinco séculos de corrupção governamental?

"Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis".

E, como em uma novela de sucesso, onde a cena final sempre deixa algo que aguce a curiosidade do público e garanta espectadores para o próximo capítulo, outra citação a Dallagnol - uma frase sibilina:

"É a pessoa número dois do nosso país envolvida num esquema de corrupção".

Dirceu, o "número dois"?

Quem seria a pessoa "número um" – o chefão a ser preso no último capítulo?

Um espaço aberto para especulações.

Seria a "pessoa número 1" FHC, o chefe de governo em 1998, quando Pedro Barusco afirma ter começado a receber propinas na Petrobras? Ou seria o próprio Tomé de Sousa, fonte inicial de todos os nossos males?

Será necessário aguardar os próximos episódios da série.

 PS1: o mesmo convite à teatralização pode ser encontrado na fala com a qual o ministro Gilmar Mendes passa uma reprimenda pública no Procurador Geral da República por este se recusar a abrir investigações que liguem a Lava Jato à campanha de Dilma:

 "O que se espera do PGR... é que proceda as devidas investigações dos possíveis ilícitos penais que saltam aos olhos da Nação"

Ora, se "ilícitos penais saltam aos olhos da Nação", é ocioso proceder-se uma investigação. O que o ministro requer é uma acusação que lhe permita passar para o próximo ato.

PS2.: outras críticas teatrais podem ser encontradas na oficina de concertos gerais e poesia.