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Ex-colegas de cela contam como Dilma vivia no presídio

Ribeirão Preto abriga duas pessoas que conheceram a petista muito antes de imaginar que a companheira de cárcere se tornaria, um dia, a primeira mulher a governar o Brasil

Hélio Pelissari e Luís F. Wiltemburg


Foto: Matheus Urenha / A CidadeAposentada Maria Aparecida dos Santos concede entrevista na casa dela sobre anos no cárcere; clique para ver mais fotosAposentada Maria Aparecida dos Santos concede entrevista na casa dela sobre anos no cárcere; clique para ver mais fotos

Em uma casa na rua Cecílio Elias Seba, no bairro Dom Bernardo José Mielle, zona Oeste de Ribeirão Preto, vive Maria Aparecida dos Santos, a Cidinha. A aposentada de 63 anos dividiu a cela 6 do Presídio Tiradentes, em São Paulo, entre 1970 e 1972, com a presidente eleita, Dilma Rousseff. Em entrevista, Cidinha nega a imagem mandona criada para a petista e critica a tentativa de criar uma imagem negativa da ex-companheira, a quem atribui grande caráter. Porém, admite que votou nela somente no segundo turno.

A Cidade - Como era a Dilma no presídio?
Maria Aparecida dos Santos (Cidinha) - Ela se integrava àquele ambiente. Era uma pessoa muito alegre, brincalhona, mas, como a grande maioria, muito sensível com o que acontecia e muito solidária. Era uma pessoa que tinha convicção do que defendia, assim como todos nós. Tínhamos as próprias convicções e, nas nossas discussões diárias, nós as defendíamos.

A Cidade - A senhora era da ALN (Ação Libertadora Nacional) e ela, do Colina (Comando de Libertação Nacional)?
Cidinha - Ela era da VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária Palmares), mas a origem dela é o Colina. 

A Cidade - Vocês eram em quantas na cela?
Cidinha - Durante os três anos, passei por várias. Chegamos a ficar em 14, 16, onde só cabiam seis pessoas. Mas a maior parte do tempo passei na cela 6, que foi onde a conheci.

A Cidade - Ela chegou depois de você?
Cidinha - Sim, entre fevereiro e abril de 1970, eu não sei determinar. Ela foi presa em janeiro, mas foi primeiro levada para o Rio de Janeiro, segundo relato dela própria. Depois foi para São Paulo e ficou uns tempos no Dops (Departamento de Ordem Política e Social).

A Cidade - Ela chegou muito debilitada?
Cidinha - Todo mundo era trazido muito magro, debilitado. Mas ela chegou andando, carregando a trouxinha de roupa dela. Não tínhamos mala, apenas uma trouxa de roupa que conseguíamos juntar no momento da prisão.

A Cidade - Como era o dia a dia com a Dilma?
Cidinha - Ela era brincalhona, risonha, tinha convicção e, friso, vivíamos bem e concordávamos na maior parte do tempo, apesar de ter algumas coisas com fundamentos em pontos diferentes. À medida que vamos estudando, lendo e ficando mais velhos, vemos como muita coisa era mesmo um sonho da gente. A Dilma aproveitou o tempo dela para estudar.

A Cidade - E vocês tinham acesso a livros?
Cidinha - Não era fácil. Chegava tudo "na moita". Tinha livros de política, do Karl Marx, do Lênin, que entravam na surdina. Não tinha outro jeito. Mas um livro de economia, que era de autor badalado, esse entrava. Recebíamos uma revista que nunca foi proibida, a "Revue Moderne", porque era escrita em francês. A Dilma gostava de ler, por exemplo, romances e livros de economia. Quando pegava um Celso Furtado ou um Caio Prado Júnior, todas líamos aquilo. Mas ela lia, também, livros mais ligados ao curso dela, que era economia, sempre com alguma outra presa que quisesse discutir com ela alguma coisa sobre o assunto. Livros, revistas, a "Veja" às vezes chegava para a gente e, quando não chegava, pedíamos para um parente trazer.

A Cidade - Tinha alguém com quem ela fosse mais ligada dentro da cela?
Cidinha - Não, tínhamos uma convivência muito boa, todo mundo. Tínhamos divergência, por exemplo, sobre como encarar a ditadura brasileira. Qual a estratégia e a tática? Mas, no geral, na fundamentação, acabávamos todas fazendo mais ou menos a mesma coisa.

A Cidade - Ela era muito falante?

Cidinha - Sim, e também brincalhona, risonha.

A Cidade - Já havia essa imagem que existe hoje de durona, autoritária?
Cidinha - A Dilma não era autoritária, ou, como o pessoal fala, durona. O que ela tinha era um jeito muito forte de defender as convicções dela e argumentava o máximo que podia. Mas que ela fosse mandona... Tenho visto algumas entrevistas que não me agradam, porque dão a impressão de que ela é uma general, e ela não é isso. Era uma pessoa que defendia as próprias convicções. O que pensava, ela fundamentava e gesticulava, procurava a melhor maneira de explicar, exteriorizar o que estava pensando. E todos nós, diga-se a verdade, tínhamos nosso momento de sectarismo, mas não de ser mandão ou autoritário. Ninguém se submeteria. Já lidávamos com uma repressão violenta, ainda alguém iria querer mandar?

A Cidade - E como era a rotina no presídio?
Cidinha - A Dilma fazia almoço e jantar igual a todo mundo, limpava as celas como todas. A comida, nos primeiros quatro meses, chegava em um grande caldeirão de feijão, outro de arroz, um de sebo - porque aquilo não era carne - e salada. As famílias conversavam com a diretoria e tinha uma madre bem relacionada com o poder que concordou em fazermos a própria comida. Eles nos liberaram um fogãozinho elétrico e as famílias traziam mantimentos. Fazíamos revezamento, havia a escala de quem cozinhava, de quem limpava a cela. Lavávamos a própria roupa e ela também fazia isso. Era uma pessoa completamente integrada e não tinha como ser diferente.

A Cidade - A Dilma recebia visitas?
Cidinha - Sim, a mãe dela [Dilma Jane Coimbra Silva Rousseff] ia pelo menos dois sábados por mês. Às vezes, ia até menos, porque ficava difícil para ir.

A Cidade - Nunca mais teve contato com a Dilma?
Cidinha - Não. Até tinha notícia da ida para o Rio Grande do Sul, do casamento dela e do nascimento da filha. Até pensávamos: "A Dilma, hein, cuidando de um bebezinho?" Ela gostava, pegava criança, mas parecia que ela tinha medo de pegar, como o filho de uma menina que ficou conosco um tempo. A Dilma pegava a criança, mas parecia faltar traquejo. Na verdade, todas que estavam ali perderam o jeito com crianças..

A Cidade - Era vaidosa?

Cidinha - Era difícil ser, dentro daquelas condições, mas ela não era uma pessoa vaidosa, preocupada com moda. Ela não tinha isso. Eu a vejo, hoje, de terninho, com pintura nos olhos, acho curioso e fico pensando: "Quem imaginava, tão despretensiosa, prendia o cabelo..." E agora, pela função, é obrigada a ter um visual diferente. Ela se vestia de forma simples, como nós mesmos, e o dia de colocar roupa melhor era o dia de auditoria, porque precisava ir de saia.

A Cidade - Não havia "mandão" entre vocês?

Cidinha - Há algumas coisas que as pessoas têm falado, talvez até no intuito de carinho, exageram e fica parecendo que ela é mandona, que tudo acontecia lá por causa dela. Mas é uma ideia ruim que passam a respeito da Dilma. Muita coisa que acompanhei, principalmente pela internet, acho um horror, porque não é nada daquilo. Tentam mexer com o caráter dela. Acho muito danosa essa pichação. Uma vez apareceu uma foto da Dilma na imprensa de uma ficha policial que nunca foi a ficha policial do Dops. A gente sabe que não é, porque conhecemos. Ali falava que era assaltante e sobrou para ela até o sequestro do embaixador [americano Charles Burke Elbrick]. Essa coisa que colocaram dela ser sequestradora, assaltante de banco, não sei se ela teve algum envolvimento, mas sempre ouvi falar do cofre do Adhemar [roubo de cofre do ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, praticado por militantes do VAR-Palmares em 1969]. Mas nunca soube que ela teve participação direta.

A Cidade - Há a imagem da Dilma usando óculos. Era permitido o acessório na cadeia?
Cidinha - Sim, era, mas me tomaram os meus na Operação Bandeirante. Agora a Dilma usa lentes e fico imaginando como deve ser difícil para ela, que é uma pessoa agitada.

A Cidade - A Dilma era muito agitada?
Cidinha - Sim, como eu: falante, andava bastante e fumava. Ali ninguém era muito calmo. Mas ela ria, contava histórias, era inquieta, uma marca da maioria de nós.

A Cidade - Como a senhora acha que será o governo dela?

Cidinha - Não sei, não dá para prever como ela vai dirigir esse governo, com um arco tão grande de coligações partidárias. Há uma coisa que vai pesar muito sobre a nova presidente que é o fato de ser mulher. Apesar dos avanços que conseguimos, não significa que a mulher se livrou de todas as amarras ou que tenha eliminado preconceitos. Mas espero que ela tenha boas condições de governar, como teve o Lula, e que ela tenha possibilidade de se aprofundar em outras questões que ele não se aprofundou, como os direitos humanos, educação, a saúde e a abertura dos arquivos desse país, que não foram abertos. Que a Comissão da Verdade resgate a história desse período. Porém, pelo fato de ela ser mulher, vai pesar muito mais um erro ou falha que ela possa ter do que pesaria para o Lula ou o Fernando Henrique Cardoso ou o Serra.

A Cidade - O PT foi sua opção na eleição?
Cidinha - No segundo turno, sim, mas não no primeiro turno. Ainda assim, era sabido que ela iria ganhar, isso estava na cara. Até achava que seria no primeiro turno, mas houve o segundo. Mas torço para que ela consiga fazer um bom governo dentro das condições que o sistema capitalista impõe.

Aurea lembra de prisão

A enfermeira Aurea Moretti, de 66 anos, que ficou presa por três anos e meio durante o regime militar, também foi colega da presidente eleita Dilma Rousseff, no presídio Tiradentes, em São Paulo, em 1972. Aurea, que mora em Ribeirão Preto, vai assistir à posse da ex-companheira.

A enfermeira contou que ficou de cinco a seis meses presa na mesma cela de Dilma. "Eu me lembro bem de que ficamos na mesma cela, mas depois fui transferida para o Tremembé e, quando voltei, a Dilma já tinha saído", disse. 
A ex-companheira de cela lembra que a presidente lia muito sobre economia e dava aula para as colegas sobre o tema. "Ela sempre foi uma pessoa muito determinada, o que a levou até a Presidência da República", afirmou.

Aurea contou que, depois que se separaram no presídio, nunca mais se viram até a visita que Dilma, então candidata à Presidência, fez em maio deste ano, quando ela esteve na Agrishow. "Foi muito emocionante. Nós nos abraçamos e chegamos a chorar."

Ela fala com emoção da e se lembra de que fez campanha para Dilma, ao montar comitê de mulheres de apoio à candidatura. "Acredito muito nela, porque é uma pessoa integra, de caráter e será a primeira mulher a assumir a Presidência."

Posse

A enfermeira, que trabalha hoje na Secretaria da Saúde de Ribeirão vai participar da posse da ex-colega de cela. Aurea vai junto de um grupo de mulheres escolhidas pelo PT para participar da posse de Dilma.

"Fui convidada pelo PT pela minha história política, pelo meu envolvimento com a campanha e porque eu estive presa com ela", explicou Áurea.

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