A polarização que inaugura a guerra política total no Brasil, Fora Cunha x Impeachment de Dilma, não é nem desejável e nem fruto de nenhuma "vitória política". É resultante, sim, de uma decisão comum do governo, do PT e da bancada parlamentar por enfrentar de uma vez a pedra no meio do caminho da travessia.
É preciso segurar a onda do oportunismo. Não é por que houve uma escolha de ir para cima de Eduardo Cunha que as teses deste ou aquele setor da esquerda passaram a ter validade ou razão automática. Não é porque o PT abraçou a admissibilidade da cassação de Cunha do Conselho de Ética que vai romper com o PMDB, reorganizar a base governista só com partidos de esquerda, que as alianças do PT em 2016 também serão só nestes termos e assim por diante. E não quer dizer que não tenha havido uma série de erros de condução política no governo, no partido e em setores minoritários do PT para se ter chegado a esta situação.
Se a decisão de votar pela admissibilidade da cassação de Eduardo Cunha no Conselho de Ética foi acertada ou não, os próximos dias logo dirão. A oposição está inteiramente com ele e, de certa maneira, conseguiu fazer o PT cair na armadilha entre duas escolhas vantajosas para ela: romper com o presidente da Câmara e lançá-lo sem passagem de volta nos braços do PSDB e companhia; ou o PT salvar Cunha e se desgastar com sua base social.
Para vencer, contudo, o desafio é muito maior do que o governo conseguir 172 votos para barrar o Impeachment, ou o tal do "ir para as ruas".
Se é verdade que Cunha tem 80% da população querendo sua cassação, a presidenta estacionou nos 10% de popularidade, com 65% apoiando a ideia de Impeachment. O que assegura que o Congresso não enverede por encontrar uma "saída" para ambos os casos?
É preciso considerar que começa a se desenhar um discurso de que se trata de uma guerra entre "ele e ela". A narrativa é quase tudo neste caso. O confronto dos pronomes pode ser útil para demarcar a história e o caráter de Dilma com os do Achacador, que tem contas secretas na Suíça, é um ladrão clássico, desses de novela das 20 horas da Globo. Mas pode servir para aquela "saída" de resolver "dois problemas".
A guerra total é uma oportunidade por que a mínima condição para se ter chance de vencer é a presidenta reencarnar a Dilma da campanha, mas a volta da Coração Valente tem que lançar bases para superar impasses, como as reformas ainda não realizadas, a exemplo da tributária, que salta aos olhos nesta cena de déficit fiscal; uma solução mais ampla do que só a proibição do financiamento empresarial de campanha para o sistema político, ou, ainda, a superação de práticas econômicas que levaram à tragédia de Mariana. Ou seja: é importante lutar para ganhar, mas melhor as circunstâncias do dia seguinte.
Sobre as ruas, é bom lembrar que as manifestações da direita até aqui, começando por quando "Junho" deixou de ter a ver com mais e melhores serviços públicos para se tornar um carnaval udenista, foram maiores dos que as dos movimentos sociais. A questão crucial chama-se emprego e diálogo com a base que elegeu a presidenta. Se isso não for resolvido, o governo não sairá dos 10% e, enquanto o teto for este, o que assistimos neste 02/12/2015 será só mais um ensaio de golpe.
A solução para o emprego está fora dos manuais formais desenvolvimentistas ou divagações academicistas. A dura luta política, travestida de econômica, travada na tentativa de redução da SELIC e do spread bancário e por mais investimentos industriais por volta de 2012, ensina que o buraco é muito mais embaixo. De partida, é essencial superar os impasses originados na "República do Paraná", pelo menos destravar os acordos de leniência, cujo não firmamento está derrubando em 2% o PIB. E a recessão em pessoa. Quanto à solução para diálogo com os eleitores da presidenta, não é preciso nem falar que, para ser efetiva, não passa por criar aplicativos e homepages.
Agora, é ir para a luta em defesa da legalidade, do mandato da presidenta, da Constituição e da democracia. Que seja lograda uma mobilização cívica e cidadã ampla e não ensaios de "putshs" doutrinários. Este é um roteiro para dar coesão não só aos movimentos sociais e militância partidária e política de esquerda, mas também para a base aliada como um todo, para dialogar com o centro democrático, com setores republicanos da direita, de maneira abrangente com a inteligência científica e cultural, com os governadores e prefeitos.
A atual geração de brasileiros ainda não viu nada parecido com o que será vivido nos próximos dias em termos de luta política. Como diziam os velhos guerreiros da nossa espécie interestelar (mas que produz áulicos da misantropia como Cunha): ou saímos reis ou escravos.
* Leopoldo Vieira foi coordenador do monitoramento participativo do PPA 2012-2015 e do programa de governo sobre desenvolvimento regional da campanha à reeleição da presidenta Dilma Rousseff.
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