No limite da irresponsabilidade

Tudo o que se falou/escreveu sobre CPMF nos últimos dias me levou a buscar na estante o velho Régis Jolivet (Curso de Filosofia, Agir, 1955). Sem notícia de edição revista/atualizada, procurei o capítulo O Raciocínio e o Argumento. E me tranqüilizei: a mídia, realmente, se superou.
Permiti-me até o exercício do limite da irresponsabilidade: "Todo brasileiro paga imposto. Skaf é brasileiro. Logo, Skaf não é sonegador." Ele pode, a mídia pode, eu posso.
Agora vejo essa peça rara da literatura factóide : "Bom mocismo, doença infantil do centrismo!"
O autor, me ajude a memória, freqüentou Lênin na juventude. E parafraseou, sem data vênia, talvez a única frase que lhe ficou na cabeça – Esquerdismo, doença infantil do comunismo – provavelmente porque padeceu dessa doença.
O texto fala em tautologia e o autor deve saber do que está falando. Quem transita de Stalin a Bornhausen domina o assunto. No entanto, em defesa de homens que não venderam sua alma, repito alto e bom som que há os que colocam os interesses da nação acima do interesse próprio. Lamento profundamente que nenhum destes freqüente o circulo de amizades do autor.
Em seguida, assevera que "regime democrático se estabelece pelo respeito às leis vigentes" (lembrei-me do tempo dos atos institucionais e do falar de um homem de bem: "tenho medo do guarda da esquina!"). Ensina que há regras para se mudar a lei (lembrei-me dos 3/5 dos parlamentares para aprovação de emenda à Constituição).
A esta altura já me perguntava aonde o autor queria chegar. A resposta (uma delas) estava logo ali: a moeda. Bancos centrais independentes (do povo?) e a moeda fora do confronto político. O futebol com a bola retirada do confronto!
Idéia puxa idéia e eis-me de volta à estante. Desta vez para buscar Olivier Reboul, ("O Slogan", Cultrix):
"Toda sociedade sente a necessidade de justificar-se, de se ver tal qual ela gostaria de ser. Como revela Jaques Ellul ( "Le rôle médiateur de l'idéologie", in Démythisation et ideologie, Aubier, 1973), o liberalismo econômico não é apenas uma teoria do mercado, mas o discurso justificador de uma burguesia que não pode aceitar a si própria como exploradora; o colonialismo atribuiu-se como razão de ser 'a missão civilizadora da Europa'."
"..., a ideologia não ignora os fatos; pelo contrário, insiste naqueles que a justificam: assim, as estatísticas do crescimento sem colonialismo. Mas é coagida a esconder os fatos que a desmentem."
Esconder os fatos que a desmentem! Os fatos: a CPMF foi aprovada a toque de caixa por emenda à Constituição para poder viger ainda no mesmo ano. Poderia ser criada por lei, mas só entraria em vigor no exercício subseqüente.
"A oposição queria cumprir a lei", assegura o autor.
Cidadãos, durante oito horas o Senado Federal, presentes 80 de seus 81 senadores, violentou o pacto federativo.
A Federação é cláusula pétrea: República FEDERATIVA do Brasil.
Partidos NÃO PODEM FECHAR QUESTÃO contra a autonomia dos estados.
É no Senado que os estados menos populosos e menos desenvolvidos se igualam no voto aos mais poderosos.
O ex-PFL e o PSDB escarneceram da nação: governadores (e prefeitos) em defesa dos interesses de seus estados (e municípios) insistiam na prorrogação da CPMF. Em vão!
Na melhor interpretação da Lei, a sessão não valeu e quem trabalhou abertamente pela "questão fechada" tem de ser denunciado por falta de decoro, no mínimo.
Voltamos ao tempo em que os patrões, descontentes com as leis trabalhistas do Getúlio Vargas, resmungavam: "A lei, ora a lei!"

Francisco Hugo Vieira de Freitas

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